Não vem de hoje nem de ontem a rede de influências tecida pela maior empreiteira do país para conquistar esse lugar no pódio do empresariado nacional. A Odebrecht começou a comprar políticos e governos ainda na década de 1940, quando foi fundada, admitiu Emílio Odebrecht, cérebro da família cujo nome se confunde com o da empresa. A confissão foi feita em interrogatório ao juiz Sergio Moro, mas não em palavras tão diretas, uma vez que o outrora poderoso capitão da construção pesada nacional prima pela elegância, mesmo na posição de delator, e preferiu classificar a prática com um eufemismo cada vez mais conhecido em tempo de Lava-Jato: financiamento via caixa 2.
– O caixa 2 é o modelo reinante, desde a minha época, da época de meu pai, (Norberto Odebrecht, fundador da empresa já falecido), e também de Marcelo (herdeiro do grupo e delator) – relatou Emílio a Moro como se ensinasse a um aluno o beabá do desvirtuamento nas relações público-privadas do país.
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O esquema floresceu na época do presidente Juscelino Kubitschek, passou pelos governos militares – período no qual a empreiteira se tornou a maior do Brasil –, continuou na reabertura democrática e alcançou o apogeu nos anos 2000, quando a Odebrecht virou uma das maiores empresas do ramo no mundo.
Emílio usou da naturalidade dos que dominam a incestuosa relação com o poder. Só na campanha de 2014, a construtora destinou R$ 150 milhões em caixa 2 a políticos, enquanto declarou oficialmente R$ 80 milhões em contribuições eleitorais. Os motivos são vários: disfarçar seus objetivos, aparentar menos interesse do que na realidade tinha, driblar o teto de doações permitido.
O esquema é mais antigo do que a capital do país, Brasília, a qual servirá de palco para julgamento de grande parte dos políticos beneficiados por propina e foi erguida com ajuda de operários da Odebrecht e de empreiteiras menores que formavam o oligopólio das grandes obras no Brasil. Todas viraram alvo da Lava-Jato e viram seu tamanho – e poder – encolher a cada denúncia e prisão nos três anos da operação policial.
Enormidade do esquema exigiu um departamento exclusivo
O gigantismo da teia de corrupção construída pela Odebrecht pode ser medido pelo número de funcionários que viraram réus. Nada menos do que 78 dirigentes e gerentes da empreiteira se tornaram delatores, no maior acordo de colaboração premiada já firmado no país. E o quebra-cabeças montado por eles resultou no maior número de investigações abertas contra políticos e servidores públicos na história da nação.
Ao longo de meio ano de interrogatórios, os delatores confessaram um rosário de crimes, capitaneados por corrupção e lavagem de dinheiro. A empresa mantinha um departamento só para pagar propina, o Setor de Operações Estruturadas. Ele nasceu para pagar resgate de executivos sequestrados em zonas de guerra e, por isso, usava malas de dinheiro para pagamentos, alegou Marcelo Odebrecht. Em poucos meses, esse objetivo foi desvirtuado para a compra, pura e simples, de facilidades junto aos governantes. No Brasil, na América Latina e na África.
O setor não só providenciava suborno, como o disfarçava. Fazia triangulações com malas de dinheiro entregues a emissários e, também, repasses milionários a paraísos fiscais no Exterior, em contas secretas. Segredo aberto quando a PF e o Ministério Público Federal (MPF) quebraram com prisões a corrente de interesses que unia a Odebrecht a seus clientes. Pelos depoimentos dos delatores, se estima que ao menos R$ 451 milhões foram destinados a políticos de todas as esferas, nos últimos anos. Desse total, pelo menos R$ 194,8 milhões para garantir contratos de obras.
Sistemática moderna facilitou mapeamento dos subornos
Procuradores da Lava-Jato ouviram de um dos dirigentes da Odebrecht que o esquema começou a ruir quando o velho cochicho ao pé do ouvido, dos tempos de Norberto e Emílio, foi substituído pelas planilhas de Marcelo, da terceira geração da família, obcecado por números. Buscas e apreensões nos endereços da empresa toparam com tabelas de subornos, codinomes de políticos corrompidos, telefones de funcionários subornados e senhas bancárias de contas usadas para pagar propina no Exterior. Aquilo que no início do conglomerado só se combinava aos sussurros estava ali, documentado e sistematizado. Um manancial de provas que nocauteou a empresa, a ponto de a delação ser a única saída.
Interrogado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marcelo – preso há quase dois anos – diz que a empresa era achacada pelos políticos e que não receberia o prometido se não pagasse.
– O senhor é o dono do governo? – provocou o ministro Hermann Benjamim, que investiga suspeitas de abuso de poder econômico nas eleições de 2014.
– Estou mais para bobo da corte, para otário – respondeu o herdeiro da Odebrecht.
– Mas como um jovem cheio de gás entra numa empresa desse tamanho e se inicia na cultura da corrupção? – insistiu Benjamim.
– Não tinha como evitar, doutor. Já vem desde o doutor Norberto – respondeu Marcelo, em referência respeitosa ao avô.
Ter como evitar, tinha, acusam os procuradores da República, mas a Odebrecht fez a opção mais fácil e agora amarga a escolha de seguir tecendo a rede de interesses que se espraiou por todo o Brasil.