Desde 1998, após dois anos de debates inflamados e muita polêmica, a União é a principal credora do Estado. À época, integrantes do governo Antônio Britto (PMDB) garantiram que a federalização da dívida seria capaz, finalmente, de tirar o Rio Grande do Sul da crise em que se encontrava desde a década de 1980. Nem tudo saiu como o planejado.
Ao assinar o acordo com o governo federal, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (o equivalente a R$ 40,4 bilhões hoje, em valores corrigidos) pelo prazo de 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado pelo governo gaúcho (mais de 300% em 15 anos, contra 200% do IPCA), e o passivo se multiplicou: em dezembro de 2016, depois de ter repassado mais de R$ 25 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 57,5 bilhões aos cofres federais.
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Secretário da Fazenda à época, Cézar Busatto reconhece que, "visto com olhos de 10, 20 anos depois, aquilo não foi bom", mas afirma que "foi o melhor que se podia fazer".
– É preciso contextualizar os fatos. Naquele período, éramos obrigados a rolar a dívida a juros altíssimos, a 25% ao ano. Com o acordo, conseguimos baixar para 6%. Foi um grande avanço. A questão é que as condições macroeconômicas mudaram, e o índice de correção precisava ser revisto – diz Busatto.
O presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (Ceape-Sindicato), Josué Martins, contesta o ex-secretário. Segundo ele, "o problema não foi o indexador, mais o juro de 6%".
– Entre 1999 e 2015, isso significou 839% sobre o saldo devedor, muito mais do que o IGP-DI. A questão é que a União não deveria lucrar sobre os entes federados, e isso vale para hoje também. Não podemos aceitar isso outra vez – critica Martins.
Busatto argumenta que o governo Britto "fez o possível" para obter as melhores condições de pagamento, diante das condições apresentadas – vale lembrar que outros Estados também assinaram acordos semelhantes. O economista repudia comparações com o momento atual, por entender que "as circunstâncias são completamente diferentes", e defende as negociações em curso.
Plano polêmico
A votação do projeto de lei que cria o Regime de Recuperação Fiscal foi adiada mais uma vez ontem, na Câmara dos Deputados. Ficou para a próxima semana.
Em fevereiro, a União enviou à Câmara dos Deputados projeto de lei que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal.
A proposta servirá de base para os planos de socorro financeiro dos Estados, entre eles o Rio Grande do Sul.
Em troca da suspensão do pagamento da dívida com a União pelo período de três anos, prorrogáveis por mais três, e da viabilização de novos financiamentos, há uma série de contrapartidas.
As exigências incluíam, inicialmente, privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, redução de 20% dos incentivos fiscais e desistência em ações que questionem a dívida na Justiça, entre outros pontos.
O Piratini considerou parte das exigências excessivas e passou a defender alterações no projeto, cuja votação vem sendo adiada há duas semanas.
Nesta quarta-feira, o Piratini conseguiu obter a alteração de dois pontos do projeto: que a redução de incentivos seja de 10%, e não de 20%, e que as privatizações incluam outras áreas (como imóveis).
A expectativa do Piratini é de aderir ao plano no mês de maio, porém isso ainda dependerá da aprovação no Congresso e da chancela da Assembleia.
O Piratini também precisa privatizar órgãos públicos (como CEEE, CRM e Sulgás), mas, até agora, não tem aval para isso.