Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministro, ex-deputado e hoje advogado, o gaúcho Nelson Jobim é citado como possível candidato à Presidência em 2018 ou em uma eventual eleição indireta.
– Aí você vê que está faltando gente – brinca ao ser confrontado com essa hipótese.
De passagem por Porto Alegre para uma palestra para clientes do BTG Pactual, Jobim conversou com Zero Hora em um dos salões do British Club. O ex-ministro, que em abril completa 71 anos, falou dos riscos de o Brasil eleger um aventureiro na esteira da crise de credibilidade da política tradicional.
Existe o risco de os brasileiros elegerem um aventureiro em 2018?
O risco existe. Não creio que possa crescer uma alternativa como Jair Bolsonaro. Claro que existe uma fatia do eleitorado que atende ao discurso dele, mas não é grande o suficiente para vencer uma eleição de dois turnos. No momento, o mais perigoso é um discurso religioso. O discurso de Bolsonaro é um discurso de ódio. O ódio produz uma negação, mas não produz resultados positivos. É evidente que a população se reúne para odiar. Você não tem movimento de apoio a alguma coisa. É sempre contra algo. O religioso, não. O religioso dá um viés de salvação.
Qual seria o antídoto para esse risco?
Existe um nicho de apoio a uma extrema-direita, no caso do Bolsonaro, e poderemos ter um nicho religioso. Para que se possa chegar em 2018 e ter uma disputa dura, mas em modelo razoável, tem de haver uma pauta mínima de entendimento entre as forças políticas existentes, que possa assegurar o mínimo de viabilidade do governo. Lula será elegível em 2018?Hoje, ele reúne as condições exigidas pela lei. Essa é questão para mais adiante. Um entendimento passa por ele. Se não houver esse entendimento, vai dar um outsider.
Volta e meia, o nome do senhor surge como uma possibilidade para 2018 ou para eventual eleição indireta.
Aí você vê que está faltando gente. Na hipótese de cassação da chapa Dilma-Temer, a eleição seria indireta.
O senhor poderia ser o candidato?
Se o presidente Michel Temer resolvesse renunciar, teríamos eleição indireta. A eleição indireta, seja por renúncia, seja por consequência de uma decisão do TSE, que acho remota, seria complicada. Não temos regras. Teríamos de, primeiro, votar a lei para regulamentar essa eleição. Para concorrer a esse mandato-tampão, um governador teria de se desincompatibilizar? Quem poderia ser candidato? Todos? O próprio presidente afastado pode ser candidato? Gilmar Mendes (ministro do STF) disse que sim, mas, se tu não tens regra para isso, não tens como saber. Se o TSE resolver decidir no sentido da cassação da chapa, o problema existe. A decisão do TSE não vai se dar este ano, com trânsito em julgado. Essas hipóteses gerariam enorme confusão, que terá como consequência alimentar o outsider em 2018. Logo, tem de haver entendimento para que isso não aconteça e você possa ter um mínimo de pacificação.
Esse entendimento pressupõe a aprovação das reformas?
Essas reformas tu só vais conseguir aprovar se não houver fulanização. Qual é o jogo da oposição? Fulanizar o voto. Ah, o Fulano está votando contra você, identifica o sujeito. Você não pode pretender que um parlamentar sujeito a uma eleição em 2018 vá ter condutas que levem a sua não reeleição. Então, você precisa desfulanizar. Como? Transferindo o ônus para o governo e os partidos, de forma que eles decidam e o parlamentar possa dizer: “Estou votando porque o partido mandou, não tenho como votar contra”.
Questão fechada?
Questão fechada. Isso desfulaniza o voto, como dizia o vice-presidente Marco Maciel. Então, tudo é surpresa para 2018.
Por que não o seu nome?
Estou fora há muito tempo.
Mas alguém assim não leva certa vantagem, diante do desgaste geral?
Mas eu, pessoalmente, estou fora.
No Congresso, existe nome viável?
Não tem candidato óbvio. Geraldo Alckmin pode ser candidato. Lula, se não tiver problema de inelegibilidade até lá. Lula só ficará impedido de concorrer se, até lá, houver condenação em segundo grau. Nos processos que conheço, é difícil ter condenação efetiva, porque tudo são ilações. Está havendo o discurso acadêmico de mudança da natureza da prova penal. Isso é instrumental. Nossa tradição era a condenação depender da prova e da certeza. Agora se fala em "dúvida razoável". Isso é importação do discurso americano: para a condenação, basta você não ter uma dúvida razoável. Aí surge o problema: quando a tua dúvida não é razoável?
O julgamento se torna subjetivo?
Tenho de demonstrar que tua dúvida não é razoável. Nessa hipótese, a quem competiria demonstrar isso? À defesa. Ou seja, há um discurso de inversão do ônus da prova. A acusação ficaria com a possibilidade de condenar porque não é razoável que a pessoa não soubesse do acontecimento. Quando é razoável? Aí tenho de provar que a dúvida é razoável. É a mesma coisa daquele discurso da boa-fé, lembra?
O pacote das 10 medidas?
Sim. Quando você está de boa-fé? Quando você está de má-fé, né? A única forma de derrubar a boa-fé é provar a má-fé. E quem teria de provar a má-fé (em prova usada contra o réu)? A defesa. É um jogo linguístico complicado.
Essa tese pode prosperar?
Não. Mas você há de convir que esse discurso tem apoio muito forte da mídia.
O financiamento de campanha é um tema não resolvido. E surgiu o questionamento das doações oficiais, quando a origem do dinheiro seria ilícita. A decisão sobre Valdir Raupp (senador de Rondônia pelo PMDB, réu no STF por receber doação legal suspeita) significa que doação declarada, pelo caixa 1, não significa que não haja corrupção. E ter doado para o caixa 2 não significa que seja ilícito por corrupção. Pode ser lesão ao direito eleitoral. A população rejeita o financiamento público porque raciocina que ele sai da saúde, da educação.
O caminho seria a volta do financiamento privado?
Terá de ser financiamento privado. Você teve um aprendizado. Em cima desse aprendizado tem de fazer as novas regras. Não adianta fazer coisas da perspectiva acadêmica. Tem de saber o que aconteceu.É o caso da corrupção. Não tenho dúvida de que, apesar de alguns abusos, o movimento de combater a corrupção é correto. Não adianta achar que o Poder Judiciário vai solucionar o problema, porque o Judiciário trabalha com o passado. Ele examina as condutas do passado e aplica penas no futuro. Só. Tem de se fazer uma leitura lúcida das causas que autorizaram o mecanismo de corrupção e mudanças nas regras do jogo. O caso mais óbvio: a licitação. É preciso começar mudando a Lei das Licitações.
Quem poderia liderar esse processo?
Pessoas que conheçam o assunto. Não é um personagem que tem um grande trabalho, um grande livro sobre o assunto, porque são teóricos. Tem de consultar quem conhece os mecanismos, sabe como acontece. No Executivo, há quadros extraordinários. A lei que exige indicações técnicas para diretorias de empresas públicas foi um grande avanço. Antes, as estatais eram cabides. Estamos nos ajeitando, mas precisamos aproveitar esse movimento que identificou formas de corrupção para brecar na parte institucionalizada. Mudar a regra do jogo.
Uma Constituinte seria o remédio?
De jeito nenhum. Na campanha de 1986, só se falava de “conquistas sociais”. Aprendi lá na Câmara que conquista social é sempre privilégio de corporação. E os grupos de pressão atuariam para aumentar os direitos, sem se preocupar com o financiamento.
Por onde começar?
Com diálogo. E há um problema: o ódio, que é uma variável nova na relação política. Lá em 1987, o doutor Ulysses (Guimarães, presidente histórico do PMDB) nos dizia que, em política, até a raiva é combinada.
Havia civilidade. Isso acabou?
Hoje, é pontapé para todo lado. Fica muito difícil. Agora, tem de começar a fazer algo, sob pena de termos um enorme desastre em 2018. E seremos responsáveis por isso.