Quatro dias após anunciar a construção de cinco presídios federais no país, o presidente Michel Temer manifestou, segunda-feira, em Esteio, durante a cerimônia de entrega de 61 ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao Estado, a intenção de erguer uma dessas unidades de segurança máxima no RS. Especialistas consultados pela reportagem dizem que a medida não resolve e sequer minimiza a crise de segurança pública e do sistema carcerário do Estado.
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, afirma que a construção de um presídio da União terá "impacto zero" na crise do sistema carcerário estadual e que pode, inclusive, ser agravante em um momento de alta nos índices de criminalidade. Para ele, pode ser um "cavalo de Troia":
– Quando vem um preso poderoso para o sistema federal, o seu "escritório" vem junto e se estabelece na cidade mais próxima da unidade federal. Essas pessoas é que acabam fazendo a interligação do preso com a sua origem e com os que estão por aqui – diz Brzuska, acrescentando que, nesse caso, é o Estado que está oferecendo ajuda à União, e não o contrário.
Atualmente, o Estado ocupa apenas quatro vagas no Sistema Penitenciário Federal, criado para abrigar criminosos de alta periculosidade, que comprometam a segurança ou possam ser vítimas de atentados em presídios comuns.
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Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), também afirma que a construção de um presídio federal no Rio Grande do Sul não representa "nenhum efeito prático" na vida do cidadão comum, que circula pelas ruas e sofre com o aumento da criminalidade no Estado.
– A crise do Rio Grande do Sul tem vários componentes, e um deles é não aumento do efetivo.
A Brigada Militar também está sem receber (em dia) e faltam investimentos. A área da segurança sofreu muito com essa quase falência do Estado – diz.
Conforme Alcadipani, essas unidades federais, que recebem presos de alta periculosidade, como líderes de facções criminosas, também não irão ajudar a desafogar o já sobrecarregado sistema penitenciário estadual. O especialista defende a necessidade de construção de presídios estaduais e destaca a necessidade de haver reforma em penas alternativas.
De acordo com o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, o governo gaúcho ainda está discutindo o local onde o presídio federal deve ser erguido. A área precisa atender a alguns pré-requisitos, conforme o secretário, como ter 25 hectares e ser próxima de um aeroporto. Schirmer diz que alguns prefeitos o procuraram para manifestar interesse, mas ele preferiu não citar nomes.
O secretário acrescenta ainda que o Estado "já postulou muitas vezes" a ida de presos para presídios federais, mas não foi atendido por falta de vagas. O Ministério da Justiça foi procurado, mas não retornou aos contatos da reportagem. Conforme Schirmer, com a construção de cinco presídios de segurança máxima pela União, "em tese, os presos da Região Sul vão ficar no Rio Grande do Sul e no Paraná". Como o gerenciamento dessas unidades cabe à União, especialistas dizem que não há garantias de que essa regionalização irá ocorrer de fato.
– Tem uma série de ações que o Estado está fazendo, algumas delas com recurso federal, para enfrentar a questão do sistema prisional no Rio Grande do Sul, que é um problema no Brasil e uma das raízes da violência e da criminalidade – afirma Schirmer.
As cinco unidades de segurança máxima prometidas por Temer na semana passada integram o Plano Nacional de Segurança Pública e devem ser erguidas em cinco regiões diferentes, ao custo de R$ 45 milhões, cada. O último presídio federal anunciado ainda está em construção no Distrito Federal, com quatro anos de atraso. Para acelerar as obras de presídios, o governo federal estuda abrir concorrência internacional. O objetivo da gestão de Temer seria concluir essas obras em dois anos. No entanto, os últimos nove presídios estaduais – que receberam verba da União – levaram 6,5 anos.
Características das unidades federais
– A construção de presídios federais obedece a determinação da Lei de Execução Penal. Essas unidades começaram a ser construídas em 2006, para abrigar criminosos de alta periculosidade, que comprometam a segurança ou possam ser vítimas de atentados em presídios comuns.
– Atualmente, existem quatro unidades em funcionamento no país e uma em construção: Catanduvas (PR), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Campo Grande (MS).
Em obras: São Sebastião (DF)
– Com custo de R$ 34,8 milhões, a obra começou em 2013 e deveria ter acabado em 2014. Até a semana passada, apenas 65% do trabalho havia sido concluído.
Características das penitenciárias federais:
– São presídios de segurança máxima e seguem um projeto padrão.
– Contam com 208 celas e quatro vivências.
– Possuem infraestrutura e equipamentos de segurança de última geração, como aparelhos de raio-x, de coleta de impressão digital e detectores de metais de alta sensibilidade.
Perfil dos presos
Para estar sob custódia de um presídio federal, os detentos precisam se enquadrar em pelo menos um dos requisitos definidos pelo decreto 6.877, de 2009:
– Ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;
– Ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem;
– Estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD);
– Ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;
– Ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem;
– Estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.