Quase dois anos após assumir o Palácio Piratini, o governador José Ivo Sartori apresentou na tarde desta segunda-feira o mais profundo pacote de medidas elaborado para o Estado nos últimos anos. O conjunto de propostas a ser protocolado nesta terça-feira pelo Executivo na Assembleia Legislativa afeta a estrutura estatal, com extinção de órgãos e desligamento de funcionários, a relação financeira com os demais Poderes e a situação dos servidores públicos.
O objetivo é melhorar a saúde financeira dos cofres do Estado, que enfrentam quadro de "calamidade", como destacou Sartori. Se todas as medidas forem aprovadas, a Fazenda calcula ter economia em quatro anos de R$ 6,7 bilhões.
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Ao longo de mais de duas horas, secretários do núcleo duro do governo apresentaram as medidas de forma didática, mostrando o impacto financeiro de cada uma delas. O rol de propostas vai desde alterações no cálculo do dinheiro que é repassado mensalmente aos demais Poderes – o que deverá enfrentar resistências por parte do Judiciário, do Ministério Público e também da Assembleia –, passa pela redução de benefícios fiscais para empresas e mudança no calendário de pagamento do ICMS e chega até a forma de quitação dos salários dos servidores, com prioridade para os que ganham menos.
O anúncio ocorreu ao som de apitos, sinetas e gritos de servidores públicos que vaiavam o governo antes mesmo de o teor das medidas propostas ser conhecido. Assim que Sartori começou o discurso, por volta das 16h20min, um pequeno, porém barulhento grupo de sindicalistas deu início a uma manifestação em frente ao Piratini.
O nível da animosidade dos servidores dá a tônica dos obstáculos que o governo enfrentará na Assembleia para aprovar as propostas, que trazem aumento na taxa de contribuição previdenciária dos funcionários públicos e mudanças no calendário de pagamento da folha, entre outras medidas que afetam diretamente o funcionalismo.
Até horas antes do anúncio do pacote, o governo ainda cogitava decretar estado de calamidade pública por conta da crise financeira. A ideia foi deixada de lado, mas a expressão seguiu na boca de Sartori e dos secretários. Em um dos mais fortes discursos do seu mandato, o governador reconheceu que as medidas são "duras, porém necessárias":
– Não aceito mais essa situação. O Rio Grande não aceita mais. Por isso, afirmo e enfatizo que as finanças estão em situação de calamidade. Nosso Estado não consegue pagar em dia os salários. Ninguém pode se conformar com isso. Essa calamidade também gera calamidade na segurança pública.
Secretário da Segurança e homem da confiança de Sartori, Cezar Schirmer apontou alterações no cálculo do tempo de serviço da aposentadoria de policiais militares, que permitirão "brigadianos por mais tempo na ativa", como definiu.
O secretário-geral de Governo, Carlos Burigo, foi o responsável por apresentar o redesenho do organograma estatal, com fusões de secretarias e extinções de órgãos públicos. Já o titular da Fazenda, Giovani Feltes, encerrou a solenidade com a apresentação das novas medidas na área econômica.
– Não existe plano B. Ou tomamos decisões agora, ou chegaremos a situações intransponíveis no futuro – afirmou o secretário da Fazenda.
Negociação para aprovar medidas deve ser difícil
Ao longo da cerimônia de apresentação do pacote, o governador usou a palavra "esperança" em pelo menos três oportunidades. Nos bastidores do governo, apesar de as dificuldades serem reconhecidas, há otimismo com a possível aprovação do pacote, embalado pelos resultados das eleições municipais, que deram vitória a candidatos com discurso de gestão eficiente e derrotaram representantes da esquerda. A esperança dos apoiadores de Sartori é de que a baixa popularidade do governador nos dois primeiros anos de mandato seja revertida a partir do anúncio.
– A sociedade vai ficar do lado do governo. As eleições passadas mostraram que as pessoas estão entendendo a importância da responsabilidade fiscal – disse um otimista interlocutor de Sartori.
Antes da divulgação pública, as propostas foram exibidas aos chefes dos outros Poderes e aos líderes e deputados da base aliada. Embora oficialmente o governo tenha declarado que a recepção ao pacote foi boa, nos bastidores há a certeza de que as medidas sofrerão forte oposição no Legislativo, por parte dos deputados contrários ao governo, a quem se somarão líderes de entidades de classe e sindicatos. A negociação para aprovar as iniciativas na Assembleia deve ser dura. Para conquistar o apoio do PDT, Sartori aceitou desistir da ideia de extinguir a Secretaria de Obras, hoje comandada pelos pedetistas.
Momentos antes de o governador apresentar as medidas, o deputado estadual Eduardo Loureiro (PDT) era cercado por sindicalistas que protestavam em frente à Assembleia. O tom deve se agravar ao longo do mês em que tramitará o pacote. Desta vez, Sartori decidiu enfrentar as resistências e vai cobrar fidelidade da base aliada:
– O Rio Grande do futuro não aceita mais conviver com o atraso, com o desperdício e com os privilégios. O Estado que queremos deixar para os nossos filhos e netos depende de escolhas difíceis, decisões difíceis e esforços redobrados. Esta é a mais severa crise da história do Estado.