O Procurador do Ministério Público Federal (MPF) Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Operação Lava-Jato, advertiu, na manhã desta quarta-feira, que o país vive uma situação na qual "estão tentando ressuscitar diversos mecanismos a fim de parar as investigações no âmbito da Lava-Jato". O procurador conversou com a Agência Estado momentos antes do início do IX Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), que está sendo realizado até sexta-feira, na capital paulista.
A declaração de Santos Lima de que estão tentando "parar" o desenrolar das investigações do maior escândalo que atingiu a Petrobras é uma referência à proposta do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), de tentar aprovar a Lei de Abuso de Autoridade. A lei data de 1965, mas o projeto para sua reforma, de autoria de Renan, é de 2009 e estava engavetado até agora.
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Contrário à aprovação do PL da forma como ele está, Santos Lima diz que a Lava-Jato é um ponto fora da curva da normalidade que é a impunidade no Brasil.
– Então, investigações como ela, como a Acrônimo e Zelotes estão ficando cada vez mais comuns. E uma das tentativas de resistência que o poder político tem é nos impor Projetos de Lei como o do abuso de autoridade – disse o procurador.
– A lei é antiga e precisava realmente de uma atualização. Mas o PL discute, por exemplo, a carteirada que muitas autoridades dão efetivamente. Entretanto, isso não está previsto na Lei. Ela tem tipos penais que punem, por exemplo, um juiz que decidir receber uma ação e essa ação for considerada por um tribunal como sem justa causa – ponderou Santos Lima.
Ele questiona sobre qual é o procurador que vai oferecer uma acusação sujeitando-se, eventualmente, a ser processado por estar fazendo o seu papel.
– É mais ou menos como a imprensa. Você tem o dever de comunicar, mas não quer ser punido porque isso implica na perda da Liberdade de Imprensa. Nós também temos a obrigação de fazer a acusação se entendermos que é o caso de uma acusação e não podemos ser punidos por conta de uma acusação feita – comparou o procurador.
Mas esse tipo de atitude não é o único, ressaltou o procurador do MPF.
– O presidente da Câmara (Rodrigo Maia) está falando em colocar em votação a nova Lei de Leniência.
– E não houve discussão a respeito dela. Será que não querem brecar grandes leniências que estão prestes a acontecer no Brasil e que vão entregar, possivelmente, muitos fatos envolvendo o status quo político? – questionou o procurador.
Para ele, não é o momento de se aprovar leis sem uma ampla discussão para que o povo entenda os objetivos disso.
– O que está acontecendo hoje é uma tentativa do status quo se manter no poder – criticou.
– Eu espero que projetos como esse não passem pela aprovação do Congresso. A imprensa e nós temos que falar e mostrar para a população o que o poder político está fazendo. A única forma de impedir o poder político de fazer isso é fazer ele ter receio de ser responsabilizado politicamente pela população – disse Santos Sousa, acrescentando que se não fosse a (pressão da) população, teria sido aprovada a MP 703, que mudava a Lei de Leniência, aprovando a anistia ao caixa 2 e uma série de coisas.
– O político trabalha sempre mantendo os olhos nas próximas eleições. É preciso compreender isso. É justo que eles pensem em termos eleitorais. Agora, é preciso que a população exerça o papel de também impedi-los de fazer esses atos que na verdade só beneficiam hoje uma forma criminosa de se exercitar a política, que é o uso e abuso da corrupção e do caixa 2 – disse o procurador Santos Lima.
*Estadão Conteúdo