Completam-se neste domingo 30 dias do afastamento de Dilma Rousseff e da ascensão de Michel Temer ao Palácio do Planalto para chefiar o Brasil. No período, além da intensificação das articulações de bastidores para o julgamento do processo de impeachment que se avizinha, Dilma passou a considerar a ideia de um plebiscito por novas eleições, enquanto o presidente interino, estremecido por desvios éticos de ministros, assumiu as negociações para se manter no poder.
MUDANÇAS DEPOIS DA QUEDA
Dilma Rousseff recebeu um ultimato dos próprios aliados: assume o compromisso de, em caso de retorno ao Palácio do Planalto, lançar plebiscito para realização de novas eleições, ou amargará a perda do mandato. É o acordo político para escapar da cassação do Senado. Reticente até o final de maio, a presidente afastada já admite a possibilidade:
– A consulta popular é o melhor meio de lavar e enxaguar essa lambança que está sendo o governo (Michel) Temer – disse Dilma em entrevista à TV Brasil.
Costurada desde a abertura do processo de impeachment no Senado, que neste domingo completa um mês, a ideia dobra Dilma aos poucos. Se em 12 de maio a primeira mulher a comandar o Planalto saiu com promessa de lutar para cumprir o mandato "até o dia 31 de dezembro de 2018", em meados de junho ela revê posição. Começou a maturar o plebiscito na semana seguinte ao seu afastamento, quando recebeu proposta de senadores em jantar no Palácio da Alvorada. Sem esbravejar, ponderou:
– Não é uma decisão só minha.
Diferentemente de seu período no poder, Dilma quer decisão colegiada. Só assume o compromisso se ele for bandeira de partidos e movimentos sociais, com PT, PDT, PC do B e as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular unidos. A base sabe que a convocação de plebiscito teria de ser aprovada pelo Congresso e admite dúvidas jurídicas sobre a antecipação de eleições, mas vê na tese, diante da antipatia parlamentar por Dilma e do avanço da Lava-Jato sobre o PMDB, o caminho de busca aos seis votos necessários para chegar aos 28 que impedem a cassação da presidente afastada. Cristovam Buarque (PPS-DF), Acir Gurgacz (PDT-RO), José Reguffe (sem partido-DF), Romário (PSB-RJ), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Marcelo Crivella (PRB-RJ) são cortejados.
Senadores petistas têm pressa. Acham que o anúncio precisa ocorrer até o final de julho – o julgamento do impeachment está previsto para agosto. Desejam evitar a demora de reação vista na Câmara.
Telefonemas, cigarros e uísque antes da derrota
Em abril, quando a batalha do impeachment na Casa pendia a favor de Temer, o entorno da presidente confiava em vitória. O desespero se instalou na quarta-
feira, 13 de abril. Recém-oficializada, a debandada do PP provocou encontro de emergência com ministros petistas e de partidos aliados. Da reunião, saiu a conclusão: havia 380 votos pelo afastamento.
Na tentativa de rachar o PP, o deputado Dudu da Fonte (PE) foi chamado ao Planalto. Recebeu garantia de que seria ministro se o afastamento fosse barrado. Juntou-se aos então ministros Jaques Wagner e Ricardo Berzoini em uma sala do quarto andar, onde entraram em maratona de telefonemas atrás de votos. No local, Dudu, que no domingo votaria contra Dilma, já era chamado de "ministro".
A operação colocou a máquina do governo a rodar. Demissões e nomeações, liberação de emendas e promessas de ajuda foram intensificadas. Então ministro dos Transportes e filiado ao PR, Antonio Carlos Rodrigues avisou o Ministério das Comunicações de imbróglio sobre uma concessão de rádio a uma deputada de seu partido. Magda Mofatto (PR-GO) teria resolvido o problema em troca do voto contra o impeachment. Dias depois, pelos jornais, Rodrigues soube que ela abriu posição favorável a saída de Dilma. Irritado, ligou para um aliado das Comunicações:
– Ela não estava conosco?
– Estava, mas traiu.
– Ferre com ela.
A tentativa de cabalar votos ocorreu até o domingo, 17 de abril. No dia da votação na Câmara, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia parlamentares no Alvorada. Foi o caso de Adail Carneiro (PP-CE), que sinalizou voto contra e, ao chegar ao microfone do plenário, disse "sim". Surpreendida, Dilma indagou ao ex-governador cearense Cid Gomes, que acompanhava a sessão no palácio e emendava um cigarro no outro.
– Pô, Cid. Esse cara não tava aqui antes?
Dilma acompanhou a votação com sobriedade. Lula não conseguiu segurar os palavrões. Ao ouvir um deputado lembrar as investigações contra ele, ironizou:
– Mais um querendo me prender.
Ao ter certeza da derrota, o ex-presidente deixou o salão, apanhou um copo de uísque e sentou-se próximo à piscina do Alvorada. Desde então, pensa nos próximos passos. Já esperava a primeira derrota no Senado, consumada no alvorecer de 12 de maio. Um mês depois, esteve quatro vezes com Dilma e manteve intensas conversas, inclusive com Renan Calheiros (PMDB-AL). Está no seu radar a proposta de novas eleições.
Lula se mostra aberto ao tema. Apesar da pressão de senadores, o PT está dividido. Presidente da sigla, Rui Falcão avalia que Dilma pode reaver governabilidade mediante fracasso de Temer.
O ex-ministro Miguel Rossetto também:
– O cenário é de ampla instabilidade do impostor Michel Temer. O Senado não terá condições políticas de aprovar o impedimento.
NAS RÉDEAS PARA MANTER A ASCENSÃO
Michel Temer conduz pessoalmente as negociações para transformar em definitiva sua condição de presidente da República. Em jantares ofertados no Palácio do Jaburu, conversa com senadores indecisos no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, previsto para agosto.
Temer completa neste domingo um mês no exercício da Presidência. Em 12 de maio, recebeu das mãos do senador Vicentinho Alves (PR-TO) a notificação do afastamento de Dilma, sua colega de chapa em 2010 e 2014, com quem trava guerra pelo comando do país. Uma batalha marcada por traições e até mesquinharias, como corte de verba para alimentação do Palácio da Alvorada, bunker da resistência petista.
O presidente interino viveu um primeiro mês conturbado. Perdeu dois ministros, decepados pelos áudios feitos pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Poderoso no Planejamento, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) caiu ao ser flagrado em conversas para "estancar essa sangria" da Lava-Jato. Fabiano Silveira, ex-Transparência, orientava o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a driblar a investigação.
Mesmo alvejado, Jucá mantém poder sem constrangimentos. Considerado "fundamental" para efetivar a cassação de Dilma, ficará como "eminência parda" pelo tempo que achar necessário. No Planalto, entra na Casa Civil e na Secretaria de Governo sem bater à porta.
Jucá abastece Temer diariamente das movimentações no Senado. Abre as conversas com colegas e, quando sente que é preciso um "carinho oficial", encaminha o parlamentar ao Jaburu. Foi o caso de Romário (PSB-RJ), que votou pela abertura do processo de impeachment e ameaça voltar atrás. Levado à residência oficial, mostrou que mantém o jeito dos tempos de gramado e valorizou o passe. Saiu com garantia de que emplacará uma aliada no comando da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. No mapa do novo governo, o Baixinho segue pró-afastamento.
Ao negociar diretamente, Temer procura minimizar os efeitos do avanço da Lava-Jato sobre a cúpula do PMDB. Os pedidos de prisão de Renan, Jucá, do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preocupam o atual inquilino do Planalto, receoso de que o efeito embaralhe a votação derradeira. Por ora, a confiança segue.
Clima colaborativo e cortejo para conquistar o congresso
Temer aposta que, no momento, tem o voto de 59 dos 81 senadores. A soma lhe dá cinco votos de gordura – são necessários 54 para cassar Dilma. A convicção saiu após madrugada de serão no Jaburu. De quarta para quinta-feira, o interino reuniu conselheiros para avaliar cenários.
O atual núcleo do Planalto sabe que a ideia de novas eleições presidenciais ganha fôlego no Senado, insuflada pelos escândalos da Petrobras e pelos deslizes éticos da gestão Temer, com ministros investigados e um líder de governo na Câmara suspeito de homicídio. Contudo, peemedebistas consideram melhor que Dilma abrace a proposta.
– Será confissão de derrota, demonstração de que nem o PT aceita a presidente afastada – diz um aliado de Temer.
Para assegurar a queda de Dilma, o novo governo espera que a economia dê os primeiros sinais de melhora. Quando questionado sobre a retomada do crescimento, Temer costuma dizer:
– Faremos rápida inversão da situação.
Preocupado com a guerrilha nas redes sociais, o presidente interino planeja contratar novo marqueteiro. Quer tirar a imagem de vacilante. Em seu primeiro mês, cortou ministérios, deixou a Esplanada sem mulheres e voltou atrás na fusão da Cultura com a Educação. A promessa do ministério de "notáveis" ficou concentrada na equipe econômica.
"Eleito" pelo Congresso, Temer não se constrange de adotar um "semiparlamentarismo". Levou a mudança da meta fiscal pessoalmente aos deputados e senadores, com os quais intensificou reuniões na agenda oficial. No final de maio, almoçou com líderes da Câmara, na casa de um familiar de Rogério Rosso (PSD-DF). Líderes relatam clima mais leve e colaborativo com o Planalto. Há uma década à frente da bancada do PTB, o deputado Jovair Arantes (GO) resume:
– Com Dilma, era sentar e ficar ouvindo uma pregação. Parecia uma missa.
O clima refletiu na aprovação da mudança da meta fiscal, que permitiu pacote de bondades, como o reajuste bilionário dos servidores. E o governo prepara anúncios. Medida provisória será publicada para perdoar dívidas de pequenos produtores do Nordeste. Também há pressa para que o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social, lance linhas de crédito aos beneficiários do Bolsa Família, no discurso de que chegou o momento de "libertar" as famílias da dependência do programa. Braço direito de Temer, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, sintetiza os primeiros 30 dias:
– Ao mesmo tempo, é o mês mais longo e mais breve da minha vida. Há muito para ser feito.