Os primeiros movimentos do governo interino de Michel Temer podem ser novidade para a maioria dos brasileiros, mas despertam uma sensação de déjà-vu entre os gaúchos.
O começo da gestão do PMDB no Planalto repete discursos, ações e estratégias políticas implementadas pela sigla quando José Ivo Sartori assumiu o Piratini, como a preocupação em denunciar as más condições financeiras herdadas de antecessores, foco no equilíbrio fiscal, discurso de pacificação social e aposta na iniciativa privada para alavancar investimentos.
Temer pretende dar ênfase à penúria financeira do país. É exatamente o que fez o governo do Estado três meses depois da posse: em 19 de março de 2015, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, expôs o esgotamento das fontes para financiar o déficit na gestão de Tarso Genro (2011-2014). Foram apontadas 13 razões para o rombo de R$ 5,4 bilhões nas contas públicas.
Em Brasília, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou nesta sexta-feira que o déficit superou a previsão de R$ 96 bilhões feita por Dilma Rousseff e chegoou a R$ 170,5 bilhões. Nos dois casos, Sartori e Temer buscam se apresentar à opinião pública como herdeiros de más administrações – com a diferença de que o presidente interino integrava o governo petista, enquanto o governador era oposição. Nas entrelinhas do discurso de ambos, está a tentativa de facilitar a aprovação social de medidas amargas. Para o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), a semelhança se deve às circunstâncias, e não a uma filosofia partidária.
– O Temer vai imitar o Sartori, mas por coincidência. Os dois receberam grandes buracos fiscais. O Sartori levou 90 dias para levantar a situação das contas públicas e explicou a questão para ter a compreensão da sociedade, o que também será bom para o presidente.
Parte do receituário apregoado para amenizar a crise também se iguala nos dois casos, como corte de gastos e cargos comissionados, discussão sobre aumento de impostos, reformas na Previdência e aposta em investimentos da iniciativa privada. No Estado, o PMDB cortou mais de R$ 1 bilhão em gastos, ampliou alíquotas de ICMS, criou um sistema de previdência complementar para servidores e espera dinheiro privado em áreas como rodovias – um projeto de concessão viária foi aprovado na Assembleia neste mês.
Leia mais:
"Governo não vai mexer em direitos trabalhistas", diz ministro
Temer abandona meta do Minha Casa Minha Vida
Jucá acena com carência para dívida dos Estados
A gestão Temer anunciou a redução de 4 mil cargos comissionados e do número de ministérios, pretende fazer as reformas previdenciária e trabalhista, cogita a volta temporária da CPMF e arquiteta um programa de concessões e parcerias público-privadas sob o comando de Moreira Franco. O cientista político Gustavo Grohmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera que as similitudes entre discursos e ações locais e nacionais marcam uma mudança de rumo em relação aos governos de esquerda anteriores, mas não refletem um programa partidário consolidado.
– O PMDB é uma plêiade de interesses e pontos de vista, não tem um programa oficial e costuma negociar essas coisas todas (medidas econômicas e sociais) – avalia Grohmann.
Por vezes, os peemedebistas foram forçados a recuar diante da repercussão negativa de determinadas medidas. O governador desistiu de reajustar o próprio salário em janeiro de 2015 e, no começo deste ano, liberou a nomeação de PMs e professores concursados após pressões. No governo federal, Temer desistiu de nomear um pastor para a pasta de Ciência e Tecnologia, e o ministro da Saúde, Ricardo Barros, voltou atrás após declarar que era preciso "redimensionar" o SUS, reforçando os ares de Palácio Piratini no Planalto.
Pronunciamentos enfatizam "união" e "pacificação"
Michel Temer e José Ivo Sartori assumiram seus cargos sem anunciar medidas concretas de imediato, mas com ênfase em discursos carregados de pedidos de "união", "pacificação" e "compreensão". Os apelos por unidade e paciência do eleitorado têm sido uma marca de gestões peemedebistas recentes. No Estado, Germano Rigotto se elegeu governador em 2002 pela coligação "União pelo Rio Grande" e adotou como slogan a frase "Estado que trabalha unido". Apresentou-se como uma terceira via ante o duro embate eleitoral de Tarso Genro (PT) e Antônio Britto (PPS).
Sartori, em 2014, também ganhou votos ao se posicionar como opção à disputa virulenta entre Tarso e Ana Amélia Lemos (PP). O jingle de campanha dizia: "Acima de qualquer sigla/ Acima de qualquer briga", em uma estratégia para se credenciar como pacificador de um Estado dividido. Diante dos cofres raspados no Piratini, já no cargo de governador, reforçou os pedidos de tranquilidade e compreensão.
– O resultado não se constrói com raiva política. Esse é o exemplo que foi dado pela família farroupilha. Quando foi preciso parar, sentar e fazer a paz, fizeram a unidade para a construção da paz do Brasil e do Rio Grande – disse o governador após o desfile de 20 de Setembro.
Michel Temer, em seu discurso de posse, fez apelo quase idêntico:
– Reitero, como tenho dito ao longo do tempo, que é urgente pacificar a Nação e unificar o Brasil. É urgente fazermos um governo de salvação nacional.
As coincidências de oratória têm relação com o fato de o PMDB, em todas essas situações, procurar se apresentar como solução para o acirramento político.
– O PMDB já trabalhou com PSDB, com PT, sempre se notabilizou por fluir entre as pedras. Mas, agora, vai atrair os holofotes e se tornar um provável foco de polarização com quem disputar a presidência – prevê o cientista político Gustavo Grohmann.
O presidente da sigla peemedebista no Rio Grande do Sul, deputado estadual Ibsen Pinheiro, sustenta que o partido faz o necessário para resgatar o Estado e o Brasil de crises financeiras insustentáveis. Por isso, correria até o risco de perder capital eleitoral ao propor medidas impopulares:
– Se fizer o que tem de ser feito, o PMDB nacional fica fora do cenário sucessório em 2018. Mas tem de fazer, mesmo ao preço de sair da corrida eleitoral.
Para Ibsen, coincidências regionais e federais como os pedidos de união e compreensão ou a aposta em reformas estruturais e investimentos privados derivam da mesma situação de penúria nas contas públicas:
– É simples, o saldo acabou. Não tem mais dinheiro, então não é possível fazer mais do mesmo, não há como não discutir a reforma da Previdência.
Grohmann acredita que a sigla terá dificuldades adicionais de implementar seu plano de governo, no âmbito nacional, por ameaçar benefícios sociais sem ter passado pelo crivo das urnas. Para Sartori, trata-se de "arrumar a casa". Para Temer, ecoando outra vez o correligionário, é "botar o país nos trilhos".