O processo de impeachment e o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência escancarou rachaduras no movimento sindical brasileiro. As principais centrais do país passam a adotar estratégias diferentes no momento em que o governo interino de Michel Temer propõe reformas profundas na Previdência e na legislação trabalhista. Das quatro maiores, duas pretendem sentar à mesa para negociar, as outras prometem pressionar para barrar qualquer alteração.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) não reconhecem como legítima a posse de Temer e se negam a discutir reformas. A Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores (UGT) consideram o afastamento legal e decidiram participar do debate com a intenção de "impedir perda de direitos dos trabalhadores" – hoje, as duas devem entregar ao Planalto propostas sobre a Previdência.
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Segundos dados do Ministério do Trabalho, as quatro centrais representam 61,8% dos trabalhadores ligados a entidades de classe. O índice de representatividade serve de referência na partilha do imposto sindical, descontado da folha de pagamento dos trabalhadores todos os anos, em março.
– A posição da CUT é de que não haja negociação com golpistas. Não reconhecemos o governo Temer e não vamos discutir um assunto importante como é a reforma da Previdência com ele. Respeitamos a autonomia das outras centrais, mas, no futuro, cada um vai arcar com a responsabilidade das decisões tomadas – argumenta Sérgio Nobre, secretário-geral da CUT, que representa 30,4% dos sindicalizados.
A CTB, com 10,08% dos trabalhadores vinculados a sindicatos no país, também não aceita qualquer negociação e promove protesto nacional amanhã em frente às sedes do INSS em todas as capitais do país. Para Pascoal Carneiro, secretário de Aposentados e Previdência da CTB, o que o Planalto está fazendo não passa de "imposição".
– O governo pode apresentar proposta com apoio de outras centrais, mas vamos buscar aliança com parlamentares, esses, sim, eleitos pelo povo. Se tivermos suporte da população, conseguiremos barrar. Os deputados sabem que precisam dos eleitores – diz Carneiro, acrescentando que a CTB trabalha na elaboração de uma concepção própria para reforma da Previdência.
Para Ricardo Patah, presidente da UGT, entidade que representa 11,24% dos sindicalizados e participa das conversas com o governo, o fato de as centrais sindicais estarem divididas não tira, "de forma alguma", força dos trabalhadores na negociação.
– Se os sindicatos se negam a dialogar, os trabalhadores é que saem prejudicados. Então, vou dialogar. Já fomos apresentados ao novo ministro do Trabalho (Ronaldo Nogueira) e ele parece aberto a ouvir ideias – disse.
A UGT está preparando, e deve apresentar nas próximas semanas, uma proposta de reforma tributária. Quer o fim de tributos como Cofins e IOF e a volta da CPMF – desta vez destinada apenas sustentar a Previdência.
– Não participaremos de protestos políticos, assim como não participamos de nenhum a favor do impeachment ou contra o golpe – diz Patah.
Impeachment acentua racha entre organizações
A divisão entre as centrais sindicais exposta com a crise política não é necessariamente algo novo, lembra José Dari Krein, coordenador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp. Apesar do convívio relativamente pacífico nos últimos anos, a própria origem das entidades mostra que o embate de ideias entre sindicatos é bastante comum.
– A CUT surge na década de 1980 como movimento de esquerda, com perspectiva mais classista. A Força Sindical é criada como contraponto, com ponto de vista um pouco mais liberal, um sindicalismo de resultados. Em alguns momentos, essas divergências ficam mais nítidas do que em outros. Foi o que aconteceu agora, durante o processo de impeachment – explica Krein.
Professor da UFRGS e especialista em economia do trabalho, Cássio Calvete avalia que a atual divisão enfraquece o movimento sindical justamente no momento em que o governo apresenta propostas de reformas que têm grande impacto na vida dos trabalhadores.
– Sempre que trabalharam juntas, as centrais obtiveram vitórias importantes, como a política de valorização do salário mínimo, por exemplo. Essa divisão debilita ainda mais as entidades que já estão sem poder de barganha para negociar em um momento em que o desemprego já chega a dois dígitos – afirma Calvete.
Apesar de o governo não ter apresentado uma proposta formal para reforma trabalhista, o economista alerta que algumas das ideias aventadas por interlocutores do governo interino de Michel Temer em entrevistas podem significar, na sua opinião, retrocesso. Flexibilização por si só não garante crescimento do mercado de trabalho, afirma.
– A Espanha é um exemplo. Legislação muito flexível e desemprego alto. Flexibilização é uma palavra carregada de conotação positiva, mas é preciso ponderar.
O que me causa estranhamento é que um governo interino, com menos de duas semanas no poder, queira tocar de maneira tão abrupta uma reforma que governos eleitos nos últimos 15 anos não fizeram – diz Calvete.
A ruptura entre as centrais já vinha se intensificando nos últimos anos, com algumas delas reclamando da falta de atenção de Dilma Rousseff, lembra Ricardo Franzoi, supervisor técnico do escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Estado. Enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva costumava receber dirigentes sindicais, no governo de Dilma as visitas de cortesia e o diálogo eram menos frequentes.
– Se negar a negociar e apostar na pressão sobre os parlamentares para barrar uma eventual proposta de reforma pode significar um erro. O Congresso parece estar bem alinhado com o governo interino – pondera Franzoi.
Para Krein, da Unicamp, a resistência a eventuais mudanças deve aumentar nos próximos meses com o avanço das conversas e pode haver reposicionamento de algumas centrais.
– A percepção a partir das redes sociais pode levar algumas lideranças sindicais a adotar posturas diferentes ao longo das negociações. Foi o que aconteceu em 2015 durante o debate em torno do projeto sobre a terceirização. Sindicatos que começaram dialogando mais ao centro acabaram adotando defesas mais radicais logo adiante – afirma Krein, ressaltando que são reformas impopulares que estão em debate, e que não encontraram respaldo nas urnas.
As quatro maiores centrais
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Fundação: 28 de agosto de 1983, em São Bernardo do Campo (SP)
Presidente: Vagner Freitas, bancário
Quantos trabalhadores representa: 23,9 milhões em todo país – 30,4% dos sindicalizados
Quantas categorias representa: 3.806 entidades, entre sindicatos, federações e confederações
Quanto movimenta em recursos por ano: R$ 59 milhões arrecadados em contribuição sindical
Alinhamento ideológico e político: afirma ser pluripartidária, com dirigentes de vários partidos. A maior parte é vinculada ao PT
Principais bandeiras: liberdade e autonomia sindical, implementação da agenda do trabalho decente, com mais e melhores empregos, igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, luta contra a precarização e a terceirização, fim do fator previdenciário, defesa da implementação do Plano Nacional da Educação com a destinação de 10% do PIB para a educação, defesa da reforma agrária
Força Sindical
Fundação: 8 de março de 1991, em São Paulo
Presidente: Paulinho da Força, deputado federal (SD-SP)
Quantos trabalhadores representa: 16 milhões em todo país (800 mil no RS) – 10,08% dos sindicalizados
Quantas categorias representa: 2 mil – as mais representativas são metalúrgicos, químicos, construção civil, alimentação, têxteis e servidores públicos
Quanto movimenta em recursos por ano: R$ 47,4 milhões arrecadados em contribuição sindical
Alinhamento ideológico e político: afirma ser pluripartidária, com dirigentes de vários partidos. A maior parte é vinculada ao Solidariedade (SD) e ao PDT
Principais bandeiras: reforma Previdência sem perda de direitos, juro baixo, retomada crescimento com geração de empregos, valorização do salário mínimo, igualdade de gênero, valorização do servidor público e dos aposentados
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Fundação: dezembro de 2007, em Belo Horizonte
Presidente: Adilson Araújo, metalúrgico
Quantos trabalhadores representa: 10 milhões
Quantas categorias representam: 1,1 mil entidades – no RS, são 148. As principais categorias são metalúrgicos e trabalhadores vinculados às áreas de educação, comércio e serviço, marítimos e rurais
Quanto movimenta em recursos por ano: R$ 13,5 milhões – 10,08% dos sindicalizados
Alinhamento ideológico e político: afirma ser pluripartidária, com dirigentes de vários partidos. A maior parte é vinculada ao PC do B
Principais bandeiras: pleno emprego, melhoria de salários, fortalecimento da organização sindical, ampliação e universalização dos direitos trabalhistas e previdenciários, promoção da reforma agrária efetiva, universalização de políticas públicas, mudanças na política econômica, projeto de desenvolvimento nacional e socialismo
União Geral dos Trabalhadores (UGT)
Fundação: 19 de julho de 2007, em São Paulo
Presidente: Ricardo Patah, comerciário
Quantos trabalhadores representa: 5,5 milhões (dos quais 20% são sindicalizados), sendo R$ 1 milhão no RS – 11,24% dos sindicalizados
Quantas categorias representa: 1.336 entidades, entre servidores públicos municipais, trabalhadores em transportes, construção civil e mobiliário, comércio e serviços
Quanto movimenta em recursos por ano: R$ 44,2 milhões
Alinhamento ideológico e político: afirma ser pluripartidária, com dirigentes de vários partidos. A maior parte é vinculada ao PSD e PPS. O presidente é filiado ao PSD.
Principais bandeiras: redução da jornada de trabalho sem redução salarial, reforma política e partidária, reforma agrária, redução das taxas de juros, saúde, educação, habitação e transporte de qualidade, distribuição de renda, combate a todas as formas de intolerância, ampliação dos mecanismos de combate a corrupção e mais rigor nas penas daqueles condenados envolvidos em crimes de natureza política.
Fonte: centrais sindicais, Ministério do Trabalho e ONG Contas Abertas