O cientista político inglês Anthony Pereira, diretor do King's Brazil Institute, entidade vinculada ao prestigiado King's College, de Londres, é cético em relação ao futuro da crise brasileira. Ao analisar os efeitos do segundo impeachment em menos de três décadas no país, em entrevista por e-mail a ZH, observa que a democracia não é um jogo de estratégia a longo prazo, mas uma disputa de territórios e de medição de forças , que "às vezes resulta em manobras de alto risco". Embora torça por mudanças na cultura política que reforcem o controle orçamentário de todos os governantes, mostra-se descrente: "Infelizmente, muitos no Congresso não estão interessados nisso".
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O que mais surpreende você sobre a crise política e os recentes eventos no Brasil?
Um dos pontos é a flexibilidade extrema e a imprevisibilidade dos atores e instituições envolvidos na resolução da crise. A decisão do STF de remover o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é um exemplo disso. Os cientistas políticos muitas vezes pensam que as leis dividem os poderes muito claramente entre as esferas de governo. Mas, na verdade, existem áreas cinzentas e um espaço considerável para a interpretação e o protagonismo de indivíduos e organizações particulares.
O Brasil está enfrentando seu segundo processo de impeachment em 24 anos. O que isso diz sobre nossa democracia?
Democracia não é xadrez, é rúgbi. É esporte de contato. O Brasil tem divisões políticas, como a maioria dos países, e essas divisões levam a conflitos violentos que às vezes resultam em manobras de alto risco, que é um impeachment presidencial.
Com o novo impeachment, quais serão as consequências para o país nos próximos anos?
Uma questão é o precedente que isso define. Se uma manobra orçamental torna-se o padrão para um crime de responsabilidade do presidente, quantos outros presidentes podem ser vulneráveis ao impeachment? Quantos governadores? Esse precedente não é necessariamente bom para a democracia brasileira. Mesmo que se aceite o argumento de que as pedaladas são um crime de responsabilidade, como se pode aceitar que Michel Temer, que assinou o mesmo tipo de ordem orçamentária e que concorreu como vice de Dilma em 2014, torne-se presidente? Isto parece descontroladamente inconsistente do ponto de vista político e constitucional.
Esse processo pode mudar nossa cultura política? Os governantes vão pensar mais antes de desrespeitar leis de responsabilidade fiscal?
Possivelmente. Mudanças na jurisprudência têm essa característica: podem tornar inconstitucionais ações anteriormente admissíveis. É muito importante que a mudança na interpretação seja aplicada de maneira geral. No entanto, sou cético de que isso vai acontecer no caso das pedaladas. Uma boa dose de permissividade e discrição ocorre em questões orçamentais no Brasil. Essa nova atitude pode ser aplicado a todos? Seria ótimo se a resposta for sim, mas talvez não será.
Alguns dos líderes do processo de impeachment estão envolvidos em escândalos de corrupção. Como isso afeta a legitimidade do processo?
Ele fere o processo. O afastamento de Cunha pelo STF parece ter sido feito com isso em mente. Se Cunha não é mais o segundo na linha de sucessão de Temer na Presidência, isso torna a presidência de Temer mais palatável. Mas toda a ideia de que o cerne da batalha política entre Dilma e seus oponentes é sobre a corrupção é difícil de sustentar. As investigações de corrupção são uma arma em uma batalha política maior. Seria muito encorajador se os inquéritos anticorrupção pudessem ser sustentados quando o PT não estiver mais no controle da presidência, independentemente de quem assuma. Infelizmente muitos no Congresso não estão interessados nisso.
Há algum país em situação similar, que permita alguma comparação?
Eu não posso pensar em um. Este não é um caso de um golpe óbvio, como a que ocorreu em Honduras, em 2009, e que levou à suspensão do país da OEA. Nesse caso, o presidente eleito foi enviado para fora do país com uma arma pelas forças armadas.