Alguma coisa acontece quando Janaina fala para uma multidão. Não se parece com a pragmática e sarcástica professora que os alunos de Direito da Universidade de São Paulo conhecem. Fala mais alto do que nos tribunais em defesa de seus clientes. Os cabelos saem do lugar, a roupa desalinha, olhos e boca crescem, os gestos ganham força. Já chegou ao fim de um discurso com o peito roxo – de tanto golpeá-lo de punho cerrado.
Foi assim, de maneira inflamada, que o país conheceu a paulistana que está por trás do processo que pretende derrubar a presidente Dilma Rousseff. Janaina Paschoal, 41 anos, coautora do pedido de impeachment, incendiou o auditório do Largo São Francisco, em São Paulo, no início deste mês. Lá, foi aplaudida em pé, celebrada como "Janalinda". Mas a internet não perdoa. Nas redes sociais, o vídeo da fala exaltada viralizou em memes e adjetivos. Chamaram-na de louca, possuída, pomba-gira, advogada pentecostal. Em seu blog, a filósofa Marcia Tiburi fez outra interpretação:
"O discurso de Janaina Paschoal não é o de uma louca, mas, sim, de alguém que fala do ponto de vista fascista. O conteúdo de sua fala era um conteúdo de ódio. (...) No espaço político, esse histrionismo tem o propósito claro de mistificação das massas. É a ideia de que o outro se curvará, irá aderir à demonstração de força física".
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Na manhã seguinte, a advogada estava na boca do povo. E nem sabia. Trancada em um tribunal, passou a receber mensagens preocupadas de amigos: "Jana, você está bem?". É que a Jana que conhecem é "argumentativa de um jeito doce", "contundente de forma irônica". Pois alguma coisa acontece quando Janaina fala para uma multidão.
– Uma exaltação cívica – resumiu, em entrevista ao jornal O Globo, o jurista Hélio Bicudo, que assina o pedido de impeachment com a advogada.
– Um desabafo com um pouco de estresse. Ela está em um ambiente onde a maioria das pessoas é de esquerda – definiu o primeiro chefe de Janaina, Roberto Podval, advogado do ex-ministro José Dirceu.
– Deve ser um momento de transbordamento da indignação causada pelos atos e atores contra os quais ela hoje se posiciona – considerou o advogado Guilherme Garcia, 26 anos, ex-aluno de Janaina.
Para ela, foi o "efeito palanque". Era o trabalho de quase um ano que ganhava cara e voz quando subiu no tablado e assumiu o microfone. Em maio de 2015, o PSDB encomendou um parecer sobre o impeachment ao jurista Miguel Reale Jr., que convocou a professora de Direito Penal para auxiliá-lo, ao custo de R$ 45 mil. No fim, Reale assinou o parecer sozinho: ele achava que não era o momento certo para o pedido de impeachment. Ela discordava dele. Em agosto, após um almoço entre célebres ex-alunos de Direito da USP, evento em que o tema era um manifesto pedindo a renúncia de Dilma, Janaina retomou a tentativa. Conquistou o apoio do jurista Hélio Bicudo e redigiu o pedido de impeachment, que, mais tarde, foi também subscrito por Reale.
– Ela é muito decidida e focada – complementa o primeiro chefe.
– Uma mulher movida por causas – já disse o pai, o psicólogo Ricardo Paschoal.
– Eu vejo esse meu trabalho todo no pedido de impeachment como um grande serviço voluntário. Pessoas fortes conseguem ajudar nos asilos e orfanatos. Pelo rumo que tomei na minha vida, não consigo. Pessoas ainda mais fortes conseguem trabalhar recuperando presos. Eu tentei, mas foi pesado demais pra mim. Então percebi que poderia ajudar o meu país usando o que eu venho estudando há muitos anos: Direito, Filosofia, Teoria do Estado – relata a jurista em entrevista por e-mail a Zero Hora.
Além de professora, Janaina comanda, ao lado de duas irmãs, um escritório de advocacia no bairro Jardins, em São Paulo – entre seus clientes está o playboy Chiquinho Scarpa. A advogada tem dois filhos, e a família do marido é "inteirinha" petista – por isso, política é assunto evitado nos encontros. Nunca votou no PMDB, mas acha que, se o impeachment ocorrer, o melhor para o futuro do país é que o vice Michel Temer assuma até as próximas eleições. Foi assessora especial do Ministério da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso e assessora técnica do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB – segundo ela, funções estritamente "técnicas", a convite de colegas da USP. Já foi sondada para se filiar por várias siglas, mas declinou:
– As pessoas têm de entender que política não se faz só com partido.
Janaina diz "amar" todos os tipos de música. Por falta de tempo, cozinha só nos fins de semana. Pratica atividade física diariamente _ "movimentar o corpo faz bem para a cabeça". Não faz muito, começou a gostar de flores. Não sabe por quê. Para ela, o filme A Grande Beleza é "demais". E não adianta pedir para responder qual é o seu livro preferido. Vem sempre uma lista: O Processo, de Kafka, Ciência e Fé, de Galileu Galilei...
A advogada acredita em Deus, São Jorge e de Nossa Senhora. Vai à missa, admira o espiritismo, já visitou terreiros de candomblé e viveu a paz dos retiros budistas. Diz não gostar do espírito "belicoso" que se instaurou no país. Afirma não sentir ódio de ninguém. Já chorou ao revelar que abraçaria Dilma se a visse pela frente – porque ela "deve estar sofrendo". E concluiu que o Brasil é um país "carente de tudo" ao ver sua caixa de e-mail lotar após seu vídeo circular sem freios pela internet: entre elogios e ameaças, estavam relatos de vítimas de violência doméstica e de potenciais suicidas. Virou conselheira emocional. De admiradores, recebeu pão benzido, folhas de louro, anjos em miniatura.
– Este país precisa de alma! – defende.
E, assim, não vê problema em ser "intensa". Ela critica a presidente Dilma justamente pelo oposto: "ela não demonstra emoção". Se pudesse voltar àquela noite e subir mais uma vez no palanque da USP, faria do mesmo jeito. Ela já sabe: alguma coisa acontece diante da multidão. Mas não se importa.
– Falem o que quiserem falar. Tenho a consciência tranquila do dever cumprido – pontua.