Uma guerra jurídica travada nos tribunais põe em xeque a divulgação de nomes e salários de servidores públicos no país, um dos principais avanços da Lei de Acesso à Informação. Até o domingo, liminares obtidas na Justiça obrigavam o governo federal, a prefeitura de Porto Alegre e até o Supremo Tribunal Federal (STF) a bloquear os dados nominais em seus portais.
Nesse cenário nebuloso, a situação mais contraditória é protagonizada pelo STF. Órgão máximo do Judiciário, a Corte já havia decidido liberar as listas com as remunerações individuais de todos os seus funcionários - o que ocorreu em 3 de julho. No mesmo dia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que todo o Judiciário seguisse o mesmo rumo, o que desencadeou um efeito dominó em diferentes esferas.
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Insatisfeitos com a medida, servidores públicos federais entraram na Justiça e, no fim da semana passada, conseguiram virar o jogo. Por decisão de primeiro grau, a publicação foi suspensa provisoriamente.
STF e governo federal tiveram de obedecer, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) já entrou com recurso. Os procuradores sustentam que a transparência "atende ao princípio da publicidade e moralidade administrativa" e prometem ir até o fim.
Paradoxalmente, o fim - ou última instância recursal - é o próprio STF, que deve manter a posição inicial. Até lá, os dados continuarão fora do ar.
Juíza entende que prefeitura violou a individualidade
No caso da prefeitura da Capital, o imbróglio é o mesmo, com a diferença de que a ação é do Sindicato dos Municipários (Simpa). Por decisão da juíza Rosana Broglio Garbin, o prefeito José Fortunati teve de retirar do Portal Transparência a listagem disponível desde o dia 3. A magistrada entendeu que a prefeitura violou a individualidade do funcionalismo.
Para reverter a suspensão, a Procuradoria do Município entrou com recurso na sexta-feira. Na manhã de sábado, o pedido foi negado. Hoje, deve ser analisado novamente, por uma câmara do TJ. Em caso de derrota, a PGM já avisou: vai seguir no ringue até o último round. Entre os servidores, a disposição não é diferente.
- Nosso direito à privacidade está em risco e vamos até onde for preciso para garanti-lo - assegura a diretora do SIMPA, Carmen Padilha.
ENTREVISTA: João Batista Linck Figueira - Procurador-geral de Porto Alegre
Procurador-geral de Porto Alegre, João Batista Linck Figueira entende que a divulgação de nomes e salários do funcionalismo público é um dever do Estado e uma ferramenta essencial para o controle do gasto público. Ele acredita que a suspensão está com os dias contados. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora - Como o senhor avalia a proibição da divulgação de nomes e salários dos servidores?
João Batista Linck Figueira - A suspensão é um passo atrás, um recuo. Mas acredito que não se manterá. O STF e o CNJ já se posicionaram sobre isso. Por que esconder a informação? Há uma série de bônus em ser servidor público, mas também há ônus.
ZH - Não é uma contradição o STF ser obrigado a voltar atrás?
Figueira - A questão é que a decisão do STF se deu internamente, numa sessão administrativa. Não foi em cima de um processo judicial. Mas, em última instância, a decisão será dele. E eu acredito que a posição inicial será mantida. Isso faz parte de uma mudança de cultura no Brasil.
ZH - Os servidores públicos alegam que atinge o direito à privacidade. O senhor concorda?
Figueira - Só se fossem divulgados itens individuais da folha de pagamento, como pensões alimentícias, por exemplo. Publicar os salários brutos e os descontos legais não fere o direito à privacidade. Isso é importante porque o Estado deve respeitar o princípio da publicidade e tem o dever da transparência.