Este mês, assisti com atraso, em DVD, ao filme Em Teu Nome, de Paulo Nascimento, cuja história gira em torno da ditadura militar, ocasião em que muitos brasileiros foram obrigados a abandonar o país feito ratos, até ficar o mais longe possível de seus ideais. O filme mostra alguns rituais de tortura, e por mais que já tenhamos visto e revisto essas cenas dramáticas em várias outras obras, não há como não se horrorizar. Guardadas as proporções, a ditadura militar foi o nosso Holocausto e aconteceu embaixo dos narizes de nossas famílias.
Ainda sob o efeito do filme, acompanhei a entrevista que Carlos Araújo deu à Rádio Gaúcha e que foi publicada por Zero Hora na última sexta-feira, e mais uma vez a sensação foi de embrulho no estômago. O ex-deputado deu detalhes dos procedimentos cruéis e desumanos que ele e demais presos políticos sofreram. Nenhuma novidade, mas se nos contarem mil vezes como foi, mil vezes nos escandalizaremos. A tortura é, de longe, o crime mais abjeto que alguém pode cometer. Por isso, a relevância da criação da Comissão da Verdade, que (se não virar mais uma forma de escoar nossos impostos para o bolso de alguns) pretende deixar às claras esse período vergonhoso do Brasil.
Sempre acreditei nos benefícios do perdão. Diz um poema da mineira Vera Americano: "Perdão/ duro rito/ de remoção do estorvo". Não é fácil, mas remover os estorvos de dentro de nós - o rancor, por exemplo - torna a caminhada mais leve. Por que insistir no revanchismo? Assim fui aliviando minha bagagem existencial ao longo da vida, e hoje não há quem me faça trincar os dentes e desejar-lhe o mal.
Já perdoar um torturador está fora de questão. Não há como compreender que alguém tenha tamanho sangue frio, tamanha perversidade para provocar dor física dilacerante em outra pessoa - e dor psicológica também, que por vezes dura para sempre. É preciso ser muito bestial para dilacerar a integridade de um homem, de coisificá-lo como se ele fosse um pedaço de madeira ou um trapo de pano, que a tudo pode suportar. No ranking das maldades extremas, matar fica em segundo lugar - comparado com a tortura, é quase uma generosidade.
Talvez ainda haja torturadores entre nós, sentados ao nosso lado nos cinemas, apertando nossas mãos em festas, anistiados com o perdão do tempo - ora, aquilo foi em outra época, vamos esquecer, quer mais uma empadinha?
Que a Comissão da Verdade, além de descobrir o que foi feito de cada um dos desaparecidos, identifique cada um de seus carrascos. Mesmo que muitos já tenham morrido sem nenhuma punição, que conheçamos suas caras, que venham à tona suas brutalidades, que seus filhos sintam-se avexados por levar o mesmo sobrenome, que seus netos lamentem a ascendência que têm.
Que essa caixa-preta seja aberta para não ficar por isso mesmo.