Tuíte compartilhando um vídeo da participação do comentarista Matthew Tyrmand no programa Tucker Carlson Tonight, da televisão americana, dissemina dados enganosos sobre os atos que contestam, sem evidências, o resultado das eleições presidenciais no Brasil. Segundo Tyrmand, esses seriam o “maior protesto democrático e possivelmente até da humanidade". O comentário é enganoso por causa da ausência de dados sobre a dimensão dos atos e pelo fato da pauta dos protestos atentar contra a democracia no Brasil.
Conteúdo investigado: tuíte reproduz participação do comentarista Matthew Tyrmand no programa Tucker Carlson Tonight, da emissora Fox News, dos Estados Unidos. No vídeo, Tyrmand comenta os atos ao redor do Brasil que contestam, sem evidências, o resultado das eleições presidenciais, dizendo se tratar do “maior protesto democrático e possivelmente até da humanidade”.
Onde foi publicado: Twitter e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: ao comentar as manifestações contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em programa da Fox News, o americano Matthew Tyrmand disse se tratar do “maior protesto democrático e possivelmente até da humanidade”. A afirmação é enganosa, porque, primeiramente, não há estimativas oficiais sobre o número de participantes nos atos. Além disso, a quantidade de adeptos desses atos, não centralizados, varia de acordo com o dia e o local, sem porta-voz ou outra autoridade para divulgar os números de manifestantes presentes.
Outro ponto é que um dos principais pedidos dos manifestantes é que Lula não tome posse, indo contra a Constituição, que diz que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Ou seja, ao contrário do que afirma Tyrmand, os protestos não podem ser democráticos, visto que se baseiam em pautas atentando contra o atual sistema eleitoral brasileiro e, portanto, contra a democracia
Tyrmand, que, como o Comprova já mostrou, é membro de projeto conhecido por disseminar alegações falsas e teorias da conspiração, engana também ao dizer que “a mídia global” não está informando sobre os atos. O americano The New York Times, um dos principais jornais do mundo, por exemplo, noticiou em 23 de novembro, em reportagem sobre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter rejeitado tentativa de Jair Bolsonaro (PL) de anular a eleição, que “milhares de apoiadores de Bolsonaro têm protestado do lado de fora das bases militares em todo o país, implorando às Forças Armadas que intervenham no governo e impeçam a posse de Lula”. No dia 18 do mesmo mês, o The Guardian, do Reino Unido, publicou reportagem sobre os bloqueios dos caminhoneiros.
Outra desinformação no conteúdo verificado é a de que os militares teriam a atribuição de garantir a separação dos três Poderes de acordo com o Artigo 142 da Constituição. Segundo o trecho citado por ele, as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. A separação dos Poderes é uma das cláusulas pétreas da nossa Carta Magna, ou seja, não pode ser alterada.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: o Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até as 15h desta segunda-feira (5), o tuíte verificado contava com 21,6 mil retuítes e 68,2 mil curtidas, e tinha sido compartilhado quase 2 mil vezes no Facebook.
O que diz o responsável pela publicação: entramos em contato por mensagem direta com a conta do Twitter que publicou o conteúdo verificado. Em sua resposta, a usuária buscou se isentar de qualquer responsabilidade por compartilhar uma peça de desinformação: “A postagem é minha mas a matéria é da Fox. Acho q vc (sic) devia procurá-los e não procurar a mim!”. Depois, ela compartilhou um tuíte de Matthew Tyrmand.
O Comprova também tentou contato com Tyrmand, via e-mail, mas não obteve retorno.
Como verificamos: primeiramente, por meio da ferramenta de monitoramento do Twitter TweetDeck, a reportagem buscou post de Tyrmand sobre sua participação no programa de Carlson, para verificar se o conteúdo era real.
Na Constituição, a equipe pesquisou como são escolhidos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e também buscou reportagens sobre a participação deles na anulação das condenações de Lula.
O Comprova tentou encontrar alguma estimativa sobre o número de participantes nos atos pró-Bolsonaro, mas não há essa informação. A Polícia Militar dos maiores estados brasileiros não informa o número de pessoas que participam de manifestações e não há porta-voz nos atos. O único dado encontrado foi do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, apenas sobre um dia de ato em São Paulo.
Protestos atentam contra a democracia
Com o desfecho das eleições presidenciais, no dia 30 de outubro, apoiadores do candidato derrotado, o presidente Jair Bolsonaro , se mobilizaram em todo o país para contestar o resultado do pleito, embora não haja nenhuma evidência de fraude ou irregularidade que comprometesse a integridade da votação, constatação mais recentemente reafirmada pela Polícia Federal no dia 25 de novembro.
Cabe ressaltar que contestar o resultado das eleições, sem evidências, é um atentado contra a soberania popular, “exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, como previsto no artigo 14 da Constituição.
Os atos foram marcados por vigílias em frente a quartéis das Forças Armadas Brasil afora clamando por golpe militar – ou seja, apologia à ditadura, que é crime previsto na Lei de Segurança Nacional e na Lei dos Crimes de Responsabilidade – e por bloqueios em rodovias.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 1º de novembro, essas paralisações chegaram a um ápice de 420 pontos de rodovias em todo o país, restringindo o direito de ir e vir da população.
A PRF anunciou em 22 de novembro que não havia mais bloqueios, nem mesmo parciais, em rodovias, pelo menos federais, no país. Alguns casos esporádicos, porém, ainda são reportados, como noticiado no dia 30.
Maior protesto?
“Nós estamos no 29º dia de protestos massivos no Brasil, um país democrático, com eleição livre, e não estamos falando de dezenas de milhares ou centenas de milhares, mas de milhões de pessoas. E o que parece ser dezenas de milhões. Este é o maior protesto democrático e possivelmente até da humanidade”, Tyrmand afirma.
A reportagem perguntou para o comentarista onde ele apurou esses dados, mas não obteve resposta. A verdade é que não há dados oficiais sobre o número de participantes nos protestos golpistas. O Comprova encontrou um levantamento do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, que estimou haver 30,7 mil pessoas em frente ao comando militar do Sudeste na região do parque Ibirapuera, em São Paulo, maior cidade brasileira, em 2 de novembro, no início dos atos.
De acordo com o Monitor, o método utilizado tem precisão de 72,9% e acurácia de 69,5% na identificação de cada indivíduo e 8% de margem de erro na contagem de cabeças.
Tyrmand não especifica em seu comentário se considera ou não, mas, além dos protestos próximos aos quartéis, bolsonaristas também fazem atos em rodovias. O programa foi ao ar em 28 de novembro e a informação mais recente da Polícia Rodoviária Federal era do dia 22, dizendo que “todas as rodovias federais” estavam livres de bloqueios e interdições. Só no dia 29 o órgão fez uma atualização, dizendo haver apenas uma interdição em Cacoal, em Rondônia, e nenhum bloqueio. Ou seja, quando Tyrmand fez o comentário não havia manifestantes nas rodovias federais, segundo a PRF.
Para efeito de comparação, o G1 mostrou que ato contra a então presidente Dilma Rousseff, Lula e o PT em março de 2016, reuniu, segundo os organizadores, 6,8 milhões de pessoas em 326 cidades brasileiras, no que foi o maior protesto nacional até então. De acordo com a Polícia Militar, foram 3,6 milhões, sem considerar o Rio de Janeiro, que não divulgou os dados.
Ministros do STF
Em seu comentário para o programa de Carlson, Tyrmand diz que juízes do STF nomeados por Lula o livraram das condenações e pergunta “o que deve ser feito quando se tem um Poder Judiciário que não é composto por juízes de carreira”. De fato, o ministro Edson Fachin, que decidiu pela anulação das condenações contra Lula, foi indicado por Dilma Rousseff, também petista, em 2015. Em sua decisão, ele foi seguido por sete ministros, dos quais apenas um, Alexandre de Moraes, não havia sido indicado por Dilma ou Lula (foi por Michel Temer, do MDB).
Mas Fachin foi o mesmo que em fevereiro de 2018 negou pedido de habeas corpus feito pela defesa de Lula e o que, em abril daquele ano, negou liminar para suspender a prisão do petista, possibilitando que ele fosse para a prisão.
Sobre a trajetória dos ministros, a Constituição Federal prevê que “o Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 ministros, escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada” e que “serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.
Artigo 142
Tyrmand desinforma também ao dizer que os militares “têm um papel especial” e cita o artigo 142 da Constituição, afirmando que “eles têm atribuição de garantir a separação dos três Poderes” e que “parece que haverá essa necessidade logo mais”. O artigo é o mesmo usado por apoiadores de Bolsonaro para tentar justificar pedidos de intervenção das Forças Armadas para impedir a posse de Lula, em janeiro.
Porém, como demonstrado na seção Comprova Explica, quem pede isso se baseia em uma “interpretação equivocada de que caberia às Forças Armadas agir em situação de conflito entre os três Poderes, como se constitucionalmente elas fossem imbuídas de um Poder Moderador”.
O artigo 142 da Constituição afirma que “as Forças Armadas (…) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Ou seja, a Constituição não prevê que as Forças Armadas possam ser usadas para rejeitar o resultado da eleição, como prerrogativa de um golpe, nem atuar sem a autorização dos Poderes, diferentemente do que diz Tyrmand no conteúdo verificado aqui.
Quem é Matthew Tyrmand
Como o Comprova já informou, ele é membro do Projeto Veritas, fundado em 2010 pelo ativista de extrema-direita James O’Keefe. Na página oficial do projeto, o Veritas se define como uma empresa jornalística sem fins lucrativos dedicada a investigar e expor corrupção, desonestidade, fraude e outras más condutas na administração pública e privada. No entanto, é conhecido pela disseminação de alegações falsas e teorias da conspiração.
No Twitter, Tyrmand questiona o resultado das eleições no Brasil e compartilha posts de apoiadores bolsonaristas com o mesmo teor e ataques a Alexandre de Moraes, presidente do TSE, e a Lula.
Quem é Tucker Carlson
O apresentador é âncora do programa Tucker Carlson Tonight, que vai ao ar às quartas-feiras, às 20h, na Fox News, também como já informado pelo Comprova. Segundo o UOL, Carlson é considerado um dos maiores nomes do conservadorismo na mídia norte-americana. Ele ingressou na Fox News em 2009 e estreou com um programa próprio em novembro de 2016, no mesmo mês da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.
De acordo com o The Guardian, Carlson passou a ser um dos principais representantes do conservadorismo de extrema-direita, sendo defensor de pautas anti-imigração e da supremacia branca. Em seu programa, costuma propagar teorias da conspiração: hipóteses especulativas, sem base em provas, sobre organizações ou ações secretas coordenadas para acobertar um evento.
Uma das teorias que propaga é a “great replacement theory” (teoria da grande substituição, em tradução livre), que afirma serem as políticas de imigração, especialmente aquelas voltadas para a população não branca, um plano estratégico para minar ou substituir o poder político e a cultura da civilização branca ocidental. Segundo artigo no The Washington Post, a ideia foi propagada em mais de 400 episódios de seu programa desde 2016, de acordo com levantamento do The New York Times.
Em relação aos Estados Unidos, Carlson usa a teoria para alegar que a elite esquerdista, que ele associa ao partido Democrata, busca remodelar o perfil do eleitorado norte-americano a partir da imigração, como cita texto do UOL. A matéria lembra, ainda, que Carlson acredita na existência de discriminação racial contra pessoas brancas e critica movimentos feministas.
Por que investigamos: o Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. Publicações como esta verificada são prejudiciais à democracia pois tentam desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e não reconhecer o resultado das eleições.
Outras checagens sobre o tema: como já informado, Tyrmand foi alvo de verificação recente do Comprova, que classificou como falso conteúdo em que ele afirma ter provado a influência do presidente norte-americano, Joe Biden, na eleição brasileira.
Sobre a eleição de Lula, o Comprova verificou nos últimos dias ser falso que Lula não possa ser diplomado, já que ele teve condenações anuladas em 2021, e que certidão de tribunal publicada no Twitter não atesta inelegibilidade do petista.