Negros, ligados à esquerda, originários de movimentos estudantis, cotistas e eleitos vereadores em Porto Alegre em 2020. Esse mini perfil se encaixa nas trajetórias pessoais e políticas de Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL), os deputados estaduais mais jovens eleitos em 2022 no Rio Grande do Sul.
Os dois parlamentares são do ano de 1991, têm pouco menos de três meses de diferença entre as idades, e integram uma nova geração de militantes políticos que tem na pauta antirracista um dos seus pilares.
Confira, abaixo, o perfil de Laura e Gomes, que conseguiram saltar da Câmara de Porto Alegre à Assembleia Legislativa antes de completarem dois anos dos mandatos de estreia como vereadores.
Laura Sito: militância precoce, antirracismo e combate à fome
A atuação política foi precoce desde o início para a jornalista e servidora pública municipal Laura Sito (PT). Nascida em novembro de 1991, ela tem 30 anos e tornou-se a deputada estadual eleita mais jovem do Rio Grande do Sul no pleito de 2022, com 36.705 votos. A defesa da política de cotas, a pauta antirracista e o combate à fome estão entre as prioridades e compõe a trajetória da parlamentar.
Influenciada pela irmã mais velha, Luanda Sito, começou a acompanhar e atuar em favor dos programas de cotas nas universidades aos 13 anos. Cursou o Ensino Médio no tradicional Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, em Porto Alegre, onde foi presidente do grêmio estudantil. Envolvida com a política da juventude, participou de protestos contra o governo Yeda Crusius (PSDB), entre 2007 e 2010.
Laura ingressou na UFRGS aos 17 anos para a formação superior por meio do programa de cotas, quando essa modalidade de seleção ainda era uma iniciativa autônoma da universidade. Depois, integrou a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) e acompanhou a implementação plena da política de cotas no Ensino Superior pelo país, a partir da legislação federal de 2012. Ela relata que, nessas experiências, sentiu e testemunhou uma “transformação” no perfil das universidades federais, com mais espaço para pretos e pessoas de origem humilde.
Filiada ao PT desde os 16 anos, já foi membro do diretório nacional e, atualmente, é vice-presidente da sigla em Porto Alegre. Concorreu a vereadora em 2016, mas ficou como suplente. Fez nova tentativa em 2020 e conseguiu a eleição, conquistando uma cadeira na Câmara da Capital ao lado de outros quatro jovens negros e de esquerda do PSOL e do PCdoB.
— Elegemos diversos negros parlamentares de esquerda em 2020 e reproduzimos em 2022. É um movimento nacional de afirmação da agenda antirracista. É um tema que precisa de mais centralidade na agenda pública — avalia Laura.
Elegemos diversos negros parlamentares de esquerda em 2020 e reproduzimos em 2022. É um movimento nacional de afirmação da agenda antirracista.
LAURA SITO
Deputada estadual eleita
Ela acredita que a estreia na atuação como parlamentar, em menos de dois anos na Câmara, foi um fator que a credenciou para o salto rumo à Assembleia. Destaca a aprovação de projeto de sua autoria que criou o programa municipal de aquisição de alimentos, baseado em compras públicas de produtos da agricultura familiar para fomentar programas sociais e abastecer escolas. A atuação levou a jovem a ser nomeada representante do Brasil na Frente Parlamentar de Combate à Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
— Fui a primeira mulher negra na Mesa Diretora da Câmara. Também fui a primeira mulher negra a presidir sessão na Câmara de Vereadores. Mostrei meu preparo para ocupar aquele espaço — conta Laura.
Para o mandato de deputada estadual, a jovem petista irá manter a atuação nas pautas estudantis, antirracista e contra a miséria. Ela afirma que a prioridade do segundo turno é eleger Lula (PT) presidente e derrotar o bolsonarismo, incluindo o candidato ao Palácio Piratini Onyx Lorenzoni (PL), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Contudo, a parlamentar diz que não pretende abrir o voto na disputa entre Onyx e Eduardo Leite (PSDB) no segundo turno ao governo estadual sob a justificativa de que será oposição a ambos, seja qual for o eleito.
Matheus Gomes: da UFRGS para a mobilização na periferia
Quinto mais votado para a Assembleia Legislativa na eleição de 2022, com 82.401 votos, o mestre em História Matheus Gomes (PSOL) ficou à frente de nomes fortes da política gaúcha e conquistou o primeiro mandato de deputado estadual.
Aos 31 anos, é o segundo mais jovem eleito para o parlamento gaúcho. Ele é cerca de três meses mais velho do que a também deputada eleita Laura Sito (PT).
A trajetória política de Gomes começou em casa: seu pai era servidor da antiga CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações), sindicalista e militante do PT, enquanto a mãe era comerciária e igualmente ligada ao partido.
— Fui educado em um ambiente em que a política fazia parte do cotidiano — conta Gomes.
Ele cursou o Ensino Médio na Escola Estadual Florinda Tubino Sampaio, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Foi nesse período que ingressou nos movimentos estudantil e negro. Aos 17 anos, em 2009, passou a ser estudante de Ciências Sociais — depois migrou para a História — pela política autônoma de cotas raciais da UFRGS.
Enquanto alguns setores da esquerda fizeram do ambiente acadêmico sua principal trincheira política, Gomes ampliou horizontes. Ele também atua no movimento negro e estudantil universitário, mas fez conexões com as regiões periféricas de Porto Alegre para ouvir demandas da vida crua, como o transporte público e o direito à moradia. Pelo PSTU, concorreu nas eleições de 2012 e 2014 a vereador e deputado estadual, mas não se elegeu. Em 2018, já pelo PSOL, não conseguiu ser eleito em nova tentativa à Assembleia.
O trabalho de base nas periferias finalmente o fez vitorioso nas urnas em 2020, eleito vereador da Capital com cerca de 9,8 mil votos. Atualmente, conta com vínculos políticos nos bairros Rubem Berta, Partenon, Azenha e Restinga, todos de forte densidade populacional e de presença negra. A rede levou Gomes a consagrar-se o deputado estadual mais lembrado em Porto Alegre, com 51.981 votos. No pleito de 2022, entrou na campanha com 2 mil voluntários dispostos a trabalhar pela sua eleição, espalhados por 60 cidades gaúchas de todas as regiões.
Somos fruto de intenso trabalho de mobilização social. Tenho isso em comum com a Laura. Abrimos caminho num momento em que não era comum jovens como nós disputando.
MATHEUS GOMES
Deputado estadual eleito
— Em muitas dessas regiões eu não tinha ido presencialmente, mas as pessoas criaram referência pelo trabalho que fizemos em Porto Alegre. Rejeito essa visão de ser um fenômeno (eleitoral), de ter vindo do nada. Somos fruto de intenso trabalho de mobilização social. Tenho isso em comum com a Laura. Abrimos caminho num momento em que não era comum jovens como nós disputando — avalia Gomes.
Para o parlamentar, a ascensão de negros na política, com significativas votações, é desdobramento do que ele define como “ruína da ideia de democracia racial no Brasil”.
— Existia uma ideia de que o racismo era um problema dos Estados Unidos (segregação racial) ou da África do Sul (apartheid). Como o Brasil nunca teve leis que formalmente discriminavam (em referência ao Brasil República, após o fim da escravidão), pensava-se que a população negra convivia pacificamente. Isso não é verdade e está se transformando. O mito da democracia racial ruiu e somos a expressão eleitoral disso — diz Gomes.
No exercício do mandato na Assembleia, o centro de atuação será Porto Alegre e Região Metropolitana, mas o parlamentar diz que irá expandir a atuação ao mapa estadual.
Em 2021, Gomes foi absolvido, por ausência de provas, em processo movido pela Polícia Civil e Ministério Público. Ele e outros militantes eram acusados pela suposta autoria de ações violentas nos protestos de 2013. O resultado foi considerado uma vitória pelo parlamentar.