O Rio Grande do Sul terá nas eleições de 2022 um total de 21 candidatos assumidamente religiosos para votar, número 40% superior ao pleito anterior e o maior em 20 anos, mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisados por GZH. O crescimento é puxado por nomes evangélicos, que avançaram 45% desde o pleito de 2018.
Já o número de nomes de matriz africana se estabilizou. Nestas eleições, há apenas um candidato católico, que se apresenta como frei.
A análise considera todos os milhares de candidatos a cargos públicos nas eleições gerais de 2002 a 2022 que declararam relação com alguma religião no nome da urna — isto é, na nomenclatura que aparece no momento de votar e em santinhos distribuídos aos eleitores.
Os dados foram analisados de acordo com o informado por concorrentes até a última sexta-feira (19). Para chegar às candidaturas religiosas, GZH filtrou apenas candidatos cujos nomes de urna trouxessem palavras ligadas a alguma religião, como pastor(a), missionário(a), bispo(a), padre, irmão(ã), frei/freira, pai de santo, entre outros.
A análise foi feita sobre nomes de urnas porque é a forma como candidatos se apresentam e querem ser vistos pela população. A escolha de se apresentar como pastor, padre ou pai de santo, explicam cientistas políticos, está relacionada ao objetivo do concorrente de ser identificado por parcelas do eleitorado atreladas a essas religiões.
Nas últimas duas décadas, as siglas que mais abrigaram nomes religiosos foram Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Social Cristão (PSC) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Tendência de aumento da religião na política
O número de religiosos é pequeno frente ao total de quase 1,4 mil candidatos do Rio Grande do Sul aos cargos de deputado estadual, deputado federal, senador e governador em 2022, mas o contínuo crescimento ao longo do tempo indica tendência de avanço da religião na política, fenômeno visto também a nível nacional.
Especialistas lembram que o Brasil vem se tornando, ao longo dos anos, mais evangélico e menos católico. Pesquisa do Datafolha de junho mostrou que 51% da população é católica, 26% é evangélica e 1% é umbanda. Em 2000, eram 64% católicos, 15,4% evangélicos e nem 0,5% umbanda, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Durante grande parte da história do Brasil, a religião católica era a única oficial, cenário no qual bispos e padres atuavam na política como ministros ou mesmo chefes de Estado. Basta lembrar do período regencial, quando o padre Diogo Feijó chefiou o Império enquanto Dom Pedro II era menor, comenta Reginaldo Prandi, professor de Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) e autor de diversos livros sobre sociologia da religião.
Quando o Brasil se tornou uma República, o Estado virou laico — ou seja, o governo se comprometeu em ser imparcial com qualquer religião. Mas, na eleição da bancada que formulou a Constituição pós-ditadura, igrejas evangélicas entraram na política para regular as pautas de costumes na legislação.
— Como o Brasil era quase totalmente católico e a religião estava separada do Estado, a religião apitava pouco na eleição. Mas, se um terço da população se converteu a religiões evangélicas e grande parte dessas religiões adotou a posição de participar da política, o cenário muda completamente. Ninguém sabia qual era a religião dos políticos. Agora, você sabe porque muitos usam a igreja como máquina eleitoral — diz o sociólogo.
A religião na política, inclusive, é flanco de batalha entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, que buscam crescer entre evangélicos. Outra pesquisa do Datafolha, também de junho, mostrou que apenas 20% dos brasileiros afirmam ouvir instrução sobre voto nas igrejas.
A Constituição assegura que pessoas de qualquer credo possam concorrer a cargos públicos, portanto não há impeditivo para sacerdotes concorrerem. Mas o crescimento de candidaturas religiosas, alertam cientistas políticos, pode trazer como risco a ameaça ao Estado laico.
— Uma coisa é perceber a religião como manifestação cultural e como direito de representatividade. Outra é a religião, seja qual for, usar a política como forma de imposição de seus princípios morais para o resto da sociedade — diz Cristiano Engelke, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Rio Grande (Furg).
Os 21 concorrentes religiosos do Rio Grande do Sul postulam, em sua maioria (66%), uma vaga na Assembleia Legislativa — o restante busca atuar na Câmara dos Deputados, em Brasília.
O crescimento das candidaturas religiosas anda ao lado do aumento de candidaturas da segurança, que cresceram 28% no Rio Grande do Sul, como mostrou GZH na semana passada. As duas bancadas formam, ao lado de representantes do agronegócio, a chamada bancada BBB — boi, bala e bíblia —, ligada a pautas conservadoras e uma das maiores do Congresso.
Um olhar ao longo do tempo mostra que, nas últimas décadas, candidatos evangélicos estiveram mais presentes do que de outros credos – concorrentes com nomes como bispo, missionário e pastor são os mais comuns e os que mais ganham força no Rio Grande do Sul.
Candidaturas ligadas ao catolicismo, por exemplo, sequer marcaram presença nas eleições de 2006, 2010 e 2018. Já concorrentes de matriz africana começam a se fazer presentes em 2014, cresceram e se estabilizaram.
Todos os grupos têm direito a participar, mas é perigosa a ideia em certos setores da política com base religiosa de que é preciso reconstruir o Estado sob uma única fé, pontua Joscimar Silva, diretor da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) e professor de Ciência Política na Universidade Federal do Piauí (UFPI).
— Não se deve retirar de evangélicos o direito de se candidatar. Mas, quando há uma perspectiva autoritária de um “terrivelmente evangélico” ou de se pensar que é necessário reconstruir o Estado brasileiro a partir de uma visão religiosa e conservadora, há riscos de retirar conquistas de direito de algumas minorias sociais em nome de um posicionamento religioso — alerta o pesquisador.