A aproximação com grupos cristãos foi um dos segredos para a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições para a Presidência da República. Casado com uma evangélica, o militar da reserva viajou a Israel em 2016 e deixou-se batizar, nas águas do Rio Jordão, por Everaldo Dias Pereira, pastor da Assembleia de Deus e presidente do Partido Social Cristão (PSC). Cacifou-se entre os fiéis, garantiu doutrinação eleitoral durante os cultos e ganhou cobertura amiga dos veículos de comunicação ligados às igrejas.
— Bolsonaro foi praticamente unanimidade entre os evangélicos, por convergência de ideais. Ele é cristão, prioriza os valores da família cristã e valoriza Deus — declara o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Hidekazu Takayama (PSC-PR)
O sociólogo da USP Ricardo Mariano vê uma "aproximação simbólica" entre Bolsonaro e os neopentecostais.
—Ele é aliado de pastores e parlamentares evangélicos, uma aliança que pode trazer sérios problemas, principalmente na educação e na discriminação de pessoas LGBT+. Mas Bolsonaro não é evangélico. O batismo não significa que ele se tornou um, aquilo tinha o objetivo simples de ventilar nas redes sociais uma aproximação simbólica —avalia Ricardo Mariano, sociólogo da USP.
Evangélico durante 18 anos, oito deles como pastor, período em chegou a ministrar a chamada cura gay, o militante LGBT+ Sergio Viula atribuiu peso maior ao batismo de Bolsonaro. Na visão do ex-pastor, uma das contradições do presidente eleito é assumir a pauta moralista das igrejas evangélicas e de grupos católicos, mas contrariar princípios éticos que estão na base do cristianismo, como a solidariedade e a tolerância, ao defender o armamento da população, a tortura, o assassinato de adversários políticos ou a pena de morte.
— O Deus de Bolsonaro é um Deus autoritário. É um Deus ditador de regras, de regras machistas e misóginas, que combina muito com a ditadura militar que ele incensa —critica Viula.
O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, entretanto, recusa esse rótulo.
— Não há cristão homofóbico. Nenhum assassinato de homossexual foi praticado por um maluco católico ou evangélico. Foram feitos entre parceiros, ciuminho de parceiros, e pelos malucos chamados skinheads.
Mariano observa que não há lembrança de outro presidente do Brasil que tenha defendido um Estado que represente a maioria cristã em detrimento das minorais. Mas ele entende que o Brasil tem instituições capazes de servir de contrapeso a isso:
—Não é tão fácil colocar a Bíblia acima da Constituição. Acho que não teria respaldo na maioria parlamentar e também nas outras instituições que servem como freio ao governo federal, como o Supremo Tribunal Federal, as instituições da sociedade civil e a própria imprensa. O Congresso Nacional não é um puxadinho da Assembleia de Deus, nem as universidades, nem os partidos da oposição, nem os partidos que apoiam Bolsonaro.