A fragmentação partidária vai tornar a governabilidade uma tarefa árdua para o próximo presidente. Em 2014, 28 partidos elegeram deputados federais. Hoje, são 25 siglas com representantes no Congresso Nacional, mudança que também escancara a falta de identificação ideológica das legendas. E nada indica que um perfil diferente surja das urnas neste domingo (7/10).
Harmonizar a diversidade de interesses e assegurar uma base coesa será suado. A dificuldade, lembram cientistas políticos, fica ainda mais acentuada caso se confirme a vitória de um dos dois principais polos que dividem a sociedade brasileira, seja pela falta de articulação ou pela oposição de um Congresso majoritariamente conservador, com o agravante dos cofres raspados.
O sociólogo Sérgio Abranches, que em setembro lançou o livro Presidencialismo de Coalizão: Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro, estima que, seja quem for o vencedor, poderá contar em um primeiro momento com o adesismo natural do "centrão", mas isso estará longe de significar conforto no Congresso.
— É pouco provável que o próximo presidente seja capaz de formar uma coalizão compacta. A experiência indica que, quanto mais heterogênea é a base, maiores são as dificuldades de aprovação da agenda presidencial. Fica mais caro em termos de concessões e verbas para emendas — diz Abranches, que em sua obra faz uma radiografia das entranhas da política brasileira.
À frente nas pesquisas de intenção de voto até a noite desta sexta-feira (5), Jair Bolsonaro partiria da dificuldade de seu partido (PSL) ser nanico. Em sua trajetória de 28 anos como parlamentar, nunca primou por ser influente ou bem relacionado na Câmara. Por suas características pessoais, entende Abranches, pode ter dificuldades semelhantes às enfrentadas pelos presidentes Fernando Collor de Melo e Dilma Rousseff, ao contrário de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, mais habilidosos para lidar com o jogo do parlamento.
O toma-lá-dá-cá de Brasília, linguagem que boa parte do Congresso domina, também será limitado pelas restrições orçamentárias do governo. Ministro da Fazenda caso Bolsonaro vença, o economista Paulo Guedes promete apertar ainda mais o cinto e privatizar todas as estatais que puder, o que também, ao longo dos anos, limita a entrega de cargos usada como moeda de troca pelo apoio parlamentar. Nem as afinidades com bancadas como a da bala, a ruralista e os evangélicos pode ser suficiente.
Fernando Haddad largaria com um número maior de deputados, pela possibilidade de o PT eleger uma bancada significativa, mas agrupar uma base sólida se manteria um desafio. Mesmo que possa contar com ao menos parte do centrão, que diferentes contas apontam ter entre uma e duas centenas de deputados, a belicosidade e o ressentimento que restaram do processo de impeachment de Dilma ainda podem pesar. Para Abranches, nessa hipótese dependeria muito da capacidade de o PT se reconciliar com quem o rejeita.
— O Haddad ainda é um enigma. Precisamos saber o que ele representaria. Se for o velho PT, vai ter dificuldade. Se adotar uma postura revisionista, de uma esquerda ajustada aos padrões da globalização, pode conseguir criar confiança das forças econômicas e ampliar o período natural que existiria de lua de mel do presidente eleito — diz Abranches, ressaltando que considera o cenário desafiador mesmo que o eleito não seja Haddad ou Bolsonaro.
Diante de um país cindido pelo ódio nutrido nos últimos anos, as traições políticas, o impeachment de Dilma e o governo paralisado de Temer, arregimentar uma maioria fiel esbarra em outras fraturas e novas características do parlamento que vão além da fragmentação partidária do Congresso. Os episódios recentes da política brasileira, aponta o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, geraram uma sensação de enfraquecimento da instituição Presidência da República. E essa fragilidade, expressa na paralisia do governo nos últimos quatro anos, foi aproveitada por um grupo que ganhou força — e que não está necessariamente em um partido.
— Outro problema da governabilidade é que o baixo clero entendeu que é maioria e pode exercer um poder significativo no Congresso. Compreendeu que, se for unido para o plenário, tem força para fazer chantagem — aponta Cortez, sublinhando o caráter duvidoso da fidelidade dos partidos.
Com a crise fiscal, colocar em prática o velho pragmatismo não será simples. Amarras como o teto de gastos em meio à necessidade de implementar políticas impopulares são mais um duro obstáculo ao Executivo nas suas relações com o Congresso. Para Cortez, Haddad e Bolsonaro devem ser os nomes com maior dificuldade. Em relação ao petista, as dúvidas surgem pelo conteúdo da agenda. No caso do militar reformado, pelo pouco traquejo político, a pouca capacidade de articulação e a desconfiança quanto ao respeito pelas regras democráticas.
— Não é por acaso que o quadro da economia passa a ser bem complicado, mais do que seria no caso de um nome que combinasse um bom diagnóstico dos problemas do país e expertise política — entende Cortez.
O próximo presidente terá de fazer escolhas difíceis. E a solução do problema político será uma das primeiras e mais árduas tarefas.