No terceiro dia de audiências das testemunhas do processo de cassação de Sandro Fantinel (sem partido), o próprio vereador fez seu depoimento na tarde desta quarta-feira (19). Ele encerrou a fase de instrução, na qual foram ouvidas testemunhas a respeito do caso. Antes dele, foi ouvida a última pessoa indicada pela defesa, Cândida Luciane Fantinel, esposa do vereador. Os depoimentos ocorreram na Sala das Comissões Geni Peteffi, da Câmara de Caxias do Sul.
Fantinel é acusado de quebra de decoro parlamentar, por falas preconceituosas contra os baianos no plenário da Casa. Em 28 de fevereiro, ele sugeriu aos produtores da Serra que "não contratem mais aquela gente lá de cima", e disse dos baianos que "a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor". Na fala, ele se referia aos trabalhadores da Bahia resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, no final de fevereiro.
Além da investigação política, o vereador foi denunciado criminalmente pelo Ministério Público por crime de racismo, no dia 28 de março. Ele foi indiciado pela Polícia Civil em 13 de março. O caso aguarda os despachos da Justiça, que ainda não acatou a denúncia.
Assista na íntegra:
Os principais pontos do depoimento
- A primeira pergunta da defesa para Fantinel foi a respeito da trajetória de vida e entrada na política. Ele relatou que começou a trabalhar aos 8 anos e disse que, durante tempo que morou na Itália, foi discriminado: "Fui discriminado em outro continente, não compreendido. Quando trabalhava dentro dos túneis de esgoto carregando canos de concreto, os italianos cuspiam para baixo e diziam 'olha os brasileiros que vieram matar a fome'. Suportei, para mandar dinheiro todo mês para meus pais que passavam por um momento difícil. Lutei muito."
- "Tenho um monte de defeitos, posso ter cometido na minha vida muitos pecados. Mas, na balança da vida, tenho certeza que fiz mais bem que mal. Dei muito mais alegria do que tristeza. Gerei muito mais esperança do que desesperança."
- "Fiz projetos com presos. Acredito que todos merecem uma chance. Quando tu erra, tem que ter uma chance de se redimir."
- "As construtoras são as empresas que mais têm processos trabalhistas no Ministério Público do Trabalho. Nos 11 anos da minha construtora, nunca tive um processo. Quando eu sabia que um deles estava em dificuldade, eu não esperava vir até mim. Eu ia até eles e resolvia os problemas. Ouvia de canto as conversas, e quando alguém dizia que estava com dificuldade, ia na casa da pessoa, pegava a esposa e fazia um rancho. Não pedia um centavo em troca, só que fosse justo."
- "Parlamentares que deram tiro em plenário, que cometeram roubo, corrupção, não passaram pelo o que eu passei."
- "Eu errei. Não tinha a intenção de errar. O que eu posso fazer, voltar a fita? Não dá, né? O que eu podia fazer, explicar, dar a entender para quem está me vendo, é que eu me arrependi. Que isso jamais vai se repetir. E, mais que isso, não sei o que poderia dizer."
- "Não lembro do que aconteceu logo após as falas. Lembro que me perguntaram se queria que tirasse dos anais da Casa e automaticamente disse que sim."
- "Seria muito importante refrescar a memória dos jornalistas, que depois da minha fala eu pedi imediatamente para que fosse retirado dos anais porque ela (fala) não me representava. Crime teria sido se eu tivesse dito 'digo e afirmo'. Não falei de raça, não falei de credo religioso. Retirei, e ninguém divulgou. Se tivessem divulgado, não teria tido o ibope que teve. E o que importa era vender. No meu pequeno expediente, automaticamente me retratei. No mesmo dia, na mesma sessão."
- "No primeiro momento, quando aconteceu o estrondo, muitas pessoas entraram em contato comigo, até me perguntando porquê estava acontecendo aquilo. Me desejaram força, coragem, fé. Quando essas pessoas começaram a ser atacadas, aí (as mensagens de apoio) pararam."
- "Uns quatro ou cinco dias depois, quando já estava mais calmo e tomando medicamentos, comecei a bloquear os perfis que estavam me atacando na internet. Existiam perfis que iam em postagens minhas do ano passado, atacavam, depois trocavam a foto, iam em outras postagens, atacavam de novo, e ficavam nisso. Foram 476 perfis bloqueados. Aí pararam os ataques. A média era um ataque a cada 30, 40 segundos. Não fui nas sessões (nos dois dias seguintes às falas, quando faltou às sessões sem justificar à Casa) porque não sabia se tinha segurança para ir à Câmara. Mas prezei pela segurança minha e da minha família, e fiquei escondido em casa."
- "Meu filho não quis ir à faculdade, minha mãe só ficava chorando e teve dois princípios de infarto. Pergunto a quem fez os ataques, e se a minha mãe tivesse partido? Que culpa ela tinha? Uma pessoa que só faz o bem."
- "Povo baiano e nordestino que está me ouvindo. Vocês foram vítimas de um sistema distorcido que só se preocupa em vender jornal em cima da desgraça do próximo. Se por acaso alguém se sentiu ofendido, peço mais uma vez perdão. Não tive intenção de ofender ninguém."
- "Há poucos dias um cara matou os quatro filhos para impressionar a ex-mulher. Um cara matou quatro crianças numa creche porque achava que tinha que matar. Qual deles vocês viram a foto e nome na televisão? Aí eu fui infeliz numa fala e a minha imagem, como bandido, girou o país inteiro, e a Europa também. Julguem vocês. É essa a jurisprudência que queremos? Essa é a justiça?"
- "Amo a política. Se me tirarem isso, vão tirar minha vida. Fui infeliz, mas não fiz mal a ninguém. Aí quem matou, talvez amanhã esteja caminhando entre nós só pagando uma fiança."
- Na sequência, Fantinel destacou que o projeto de doação de alimentos, Agro Fraterno, do qual ajuda com recursos próprios, auxilia mais de 2 mil famílias de baixa renda, das mais variadas origens, como venezuelanos, haitianos e baianos. Segundo ele, já foram distribuídas cerca de 330 toneladas de alimentos no programa.
- "Meu sogro é... fico até com medo de proferir a palavra aqui. Ele é afrodescendente, bem afrodescendente, não é meio."
- Questionado sobre o Reurb, projeto de regularização fundiária, Fantinel conta que adequou uma lei federal de regularização das favelas para a regularização de loteamentos irregulares em Caxias do Sul.
- Após os questionamentos da defesa, o vereador Edi Carlos, que é relator do caso, começou os questionamentos e reforçou que o motivo da audiência e do processo é apenas para verificar se houve quebra de decoro parlamentar ou não. Ele resgatou o caso em que Fantinel acusa um ministro do Supremo Tribunal Federal de participar de uma orgia com menores no exterior, que também faz parte do pedido de cassação protocolado no início de março.
- Fantinel argumentou que havia ouvido falar sobre este assunto na rua, em uma parada de ônibus, quando alguém citou o caso. "E então citei, para um colega vereador que falava sobre proteção às crianças, dizendo que, se está acontecendo isso com as crianças, o que posso esperar? No dia seguinte, descobrimos que era fake news, e me retratei ao delegado da Polícia Federal quando fui interrogado por ele."
- Sobre a expulsão do partido Patriota, Fantinel afirmou que quem pagou e bancou todas as despesas da sigla em Caxias do Sul foi ele. Ele afirmou que na campanha em 2016 não recebeu um centavo para sua campanha, e que o partido não tinha dinheiro nem para o diretório de Porto Alegre. "Na hora que eu mais precisei de um apoio, que deveria vir em primeiro lugar do partido, eles podiam pelo menos ter a hombridade de me ligar e oferecer ajuda, e não fizeram. Qualquer outro partido teria feito isso."
- O vereador Felipe Gremelmaier, que é integrante da comissão processante, questionou sobre o sentimento de Fantinel quando sofria discriminação na Itália, conforme relatado pelo próprio, que respondeu: "Eu me sentia muito triste, porque desde pequeninho, quem me criou até os 10 anos de idade foi a minha vó, que falava o dialeto italiano. Eu tinha dentro do meu coração, e tenho hoje também, aquele orgulho de ser italiano, aquele amor pela Itália. Quando aconteceu eu senti aquele castelo desmoronar. Senti que aquilo que eu sonhava e amava não era um lugar bom como eu pensava que fosse. Com o passar do tempo, eles começaram a gostar de mim por quem eu era. E aí voltou aquele amor de novo, pela Itália. Aquele período foi um período negro, e só suportei porque precisava mandar dinheiro para o pai e a mãe. São lições que fazem a gente aprender que não se deve fazer aos outros o que não quer que faça com a gente. Eles não sabiam de início se eu estava lá para aprontar, para fazer sem-vergonhice, porque tinha gente que ia daqui pra lá enganar eles. Eles são diferentes de nós."
- O vereador Gremelmaier questionou se Fantinel reassistiu às suas falas de 28 de fevereiro. Ao que ele disse: "Escutei só uma vez. Depois de uma semana, foi que eu consegui escutar de novo o que eu falei. Foi onde me motivou a ter esse total arrependimento do que aconteceu e, então, pedi perdão por terem feito se sentirem constrangidos, não tinha a intenção de ofender. Foi um momento triste que eu gostaria de poder esquecer."
- A vereadora e presidente da comissão, Tatiane Frizzo, questionou se Fantinel entende a importância e relevância das falas de um vereador. Ele respondeu apenas com "sim".
- Tatiane Frizzo: "o senhor acha que, depois de toda essa situação, o senhor consegue olhar suas falas e ter outra percepção a respeito do impacto que elas causam?"
- Fantinel: "com certeza. O que aconteceu comigo transforma qualquer um. Não há ser humano que passe pelo o que eu passei que não se transforme."
- "Palavra ideologia morreu para mim. Se tiver essa chance, vai ser uma pessoa bem diferente do que vocês viram. Eu julgo que o primeiro ano de mandato de uma pessoa que nunca teve cargo na política tem muitos erros. A gente aprende com o tempo, ninguém nasceu sabendo. É errando que se aprende. Difícil uma pessoa que nunca tenha errado. Não tem um funcionário da Casa que diz que eu o discriminei ou tratei diferente."
- O vereador reconhece que as falas ditas por parlamentares impactam negativamente e incentivam discursos de ódio. "Talvez tinha que acontecer esse impacto tão grande para mudar minha forma de ver certas coisas."
- "Pra quem diz que precisa ter uma punição, eu digo o seguinte: comecei a trabalhar com 8 anos e vou fazer 55 anos. Nunca na vida tive um processo na Justiça, nem briga com vizinho, nada. Agora, independente dos meus colegas me condenarem a pena máxima ou me absolverem, eu já estou condenado. A indenização que estão me pedindo, passa de R$ 1 milhão, e tenho que vender minha casa três vezes para pagar esse valor. Mesmo que baixem esse valor pela metade, não tenho como pagar. Vou ficar o resto da vida inadimplente, sem crédito, sem poder financiar um curso para o meu filho, um veículo para mim, nem sequer um calçado. Serei um homem sem crédito, um homem que sempre teve crédito em todas as instituições. Não terei como pagar essa dívida e, por isso, já estou condenado. Independente do que acontecer nessa Casa. Já tenho uma imputação que me perseguirá até o último dia minha vida."
- Às 16h06min, o depoimento foi encerrado.