A Justiça concedeu ontem liminar para suspender os efeitos da portaria 072/2021, editada pelo prefeito de São José dos Ausentes, Ernesto Valim Boeira (PSB), que nomeou a sua namorada, Amanda Godinho Stecanela, para o cargo de secretária do Gabinete do Prefeito. A medida decorre de Ação de Improbidade Administrativa da qual o chefe do Executivo é alvo, por suposto nepotismo cometido por ele no ato da nomeação.
Em março deste ano, a Promotoria de Bom Jesus instaurou inquérito civil para apurar a denúncia de irregularidade pela nomeação de Amanda como chefe de departamento na prefeitura de Ausentes — a nomeação ocorreu ainda em 2018, quando Boeira estava no seu primeiro mandato. A nomeação acabou sendo configurada como nepotismo e, em 12 de abril deste ano, o MP expediu recomendação para que o prefeito exonerasse sua namorada do cargo em comissão, o que foi atendido pelo chefe do Executivo no dia seguinte. Nove dias depois, entretanto, Boeira voltou a nomear a namorada para outra função, agora secretária do gabinete do prefeito. O novo ato motivou a ação de improbidade administrativa ao considerar "situação de nepotismo e desvio de finalidade".
— Recebemos nova denúncia e o inquérito, que seria arquivado, decidiu-se dar seguimento a ele. Identificamos então que o cargo de secretária de gabinete, muito embora tivessem alegado que fosse cargo político, que não estaria abarcada pela vedação da Súmula Vinculante 13 do STF contra nepotismo, na verdade trata-se de um cargo em comissão, que só tem nome de secretário, pois a própria lei atribuiu essa natureza ao cargo, de ser em comissão, e não político — explica o titular da Promotoria de Justiça de Bom Jesus, Raynner Sales de Meira.
Segundo o promotor, foi constatado desvio de finalidade na nomeação, pois a própria nomeada reconheceu em depoimento que mudança de cargo havia ocorrido somente em razão da recomendação do MP. Ela também teria admitido pouca ou nenhuma mudança nas atribuições após a alteração:
— Antes de ela ser nomeada pela segunda vez, ninguém ocupava a função. Após ela ser nomeada, o cargo de que ela foi exonerada também não houve substituição. Os próprios servidores e a própria servidora nomeada de certa forma confirmaram que (ela) desempenha mesmas funções que desempenhava antes. Disse que possui uma maior autonomia, mas não se viu mudança de funções na prática. O que mudou foi atribuição de outro cargo. Como forma de tentar burlar a fiscalização do MP.
Assim, conforme Raynner, ficou caracterizado "desvio de função não para atender interessse público, mas meramente conferir cargo para pessoa que (o prefeito) mantém relação íntima de afeto". E como Boeira já havia sido informado sobre as consequência jurídicas caso descumprisse a recomendação, houve configuração de ato de improbidade, na interpretação do MP.
Além da suspensão da nomeação, o Ministério Público requereu a condenação dos réus à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, a proibição de contratar com o poder público, bem como o pagamento de multa.
"Vou lutar até a última instância", diz prefeito
O prefeito de São José dos Ausentes, Ernesto Valim Boeira (PSB), reconhece a narrativa do Ministério Público, mas defende a natureza política da nomeação e garante que vai lutar "até o fim" para conseguir reconduzir a namorada ao cargo.
— Houve uma denúncia, num primeiro momento acabei demitindo ela, aí esperei nove dias e acabei recontratando ela como secretária de gabinete, pois o nome já diz, CC, tem que ser cargo de confiança. Mas aí o promotor entrou com liminar para suspender a portaria, mas agora vou esperar ser intimado e vamos entrar com agravamento para reconduzir ela para o cargo. Vou até Brasília se precisar, vou lutar, ela não é minha esposa ainda, é minha namorada, mas vou lutar até a última instância. Não vou abrir mão — assegura Boeira.
Boeira afirma que a relação com a Amanda (que já foi soberana de São José dos Ausentes) iniciou-se em 2019, quando ela já ocupava o cargo de chefe de departamento, o que, na visão dele, demonstra que não houve favorecimento.
— Início de 2019 começamos a namorar. Não tinha me 'provalecido', ela estava como chefe de governo (de departamento). A partir do momento que a gente começou a ter um caso, eu não me 'provaleci'. (...) Bem que poderia passar ela para secretária a partir do momento que passamos a ter relação,, mas a gente pensou na economicidade. Aí fizeram denúncia, acatei a denúncia, mas passando nove dias eu contratei ela como secretária de gabinete — narra.
Boeira ressaltou que Amanda é qualificada para a função, e possui formação em Relações Internacionais — durante a entrevista, pediu para a própria, no momento da conversa, qual era sua graduação.
— Ela é formada, qualificada, quando não estou, ela resolve todas as coisas. É um dos meus braços direitos _ definiu.
SEM RECEIOS POLÍTICOS
Sobre os impactos na opinião pública, Boeira disse não temer qualquer dano à sua imagem política:
— Fui uma candidatura única com quase 80% de aprovação. A minha comunidade sabe com quem está lidando. A população me conhece. E antes da minha eleição ela já era minha namorada e trabalhava comigo.
ENTENDA O CASO
- A Promotoria de Bom Jesus recebeu denúncia, em março deste ano, sobre suposto nepotismo cometido pelo prefeito de São José dos Ausentes, Ernesto Valim Boeira (PSB), pela nomeação da namorada, Amanda Godinho Stecanela, para o cargo de chefe de departamento no gabinete do prefeito.
- O parecer de inquérito civil do MP reconheceu irregularidade no ato e, em 12 de abril deste ano, o órgão expediu recomendação para que o prefeito exonerasse sua namorada do cargo em comissão, o que foi atendido pelo chefe do Executivo no dia seguinte.
- Nove dias depois, em 23 de abril, Boeira nomeou Amanda para um novo cargo, secretária de gabinete do prefeito.
- O inquérito, prestes a ser arquivado, foi retomado e novas irregularidades identificadas (além do nepotismo): desvio de finalidade de função para burlar investigação do MP. Com isso, Boeira foi denunciado por improbidade administrativa.
- O prefeito alega que Amanda já ocupava o cargo antes de eles iniciarem a relação. Ela está lotada desde abril de 2018 e ele alega que o namoro iniciou em janeiro de 2019.
- O prefeito também defende que a função é designação política, no entanto, a natureza do cargo na própria legislação municipal a caracteriza como cargo em comissão, segundo o MP, o que tornaria ilegal o ato.
- Nesta segunda, a Justiça determinou a suspensão da portaria que nomeou Amanda para o cargo. O prefeito afirma que irá recorrer da decisão liminar.
- Além da suspensão da nomeação, o MP requereu a condenação dos réus à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, a proibição de contratar com o poder público, bem como o pagamento de multa.