O pacote de projetos de autoria do Executivo recém aprovado na Câmara de Vereadores se sobressaía com uma principal justificativa: a intenção de baratear o custo da tarifa de transporte público. Entre as propostas, isenção tributária à concessionária do serviço, revogação de meia passagem para professores e funcionários de escolas e uma que lidava diretamente com uma gratuitade plena: a redução do passe livre de 12 para três dias ao ano.
Sancionada em dezembro de 1998, durante o governo de Pepe Vargas, o benefício garantia o passe livre todos os últimos domingos de cada mês, como uma forma de benefício social.
— A criação do passe livre se deu com o objetivo de possibilitar que as famílias se encontrassem e pudessem se divertir. Nossa cidade tem áreas de lazer muito concentradas, quase todas centralizadas, tem pouca área de lazer em bairros. Tem algumas, mas mesmo assim distantes. Por isso, a ideia do passe livre é pensar que a vida além de trabalho é lazer e lazer é saúde, uma vez por mês que fosse — relata a presidente da Associação de Moradores (Amob) Villa Lobos-Vergueiros, Tania Menezes, que foi integrante do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte por oito anos.
Desde o início da pandemia, o direito de gratuidade nos últimos domingos do mês está revogado. Com a consolidação da redução efetiva após a aprovação da Câmara, o município estima que o valor da tarifa possa ser barateado em cerca de R$ 0,05 (cinco centavos). Na opinião de Tania, a diminuição de poucos centavos não justificaria a redução de uma conquista histórica:
— Não é por cinco centavos que se deve tirar todo um investimento na área da saúde, do lazer e do bem viver que isso acarreta. O transporte coletivo está sendo muito mal discutido, deveríamos estar pensando num subsídio com mais força. Em vez de fazermos a discussão sobre o custo efetivo, estão discutindo só como prejudicar o bem-estar das pessoas.
A ideia do poder público é conseguir restabelecer o fluxo de usuários de um domingo normal naqueles em que havia o passe livre. Segundo a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade, nos últimos anos, nos domingos em que não há gratuidades, a média diária de número de passageiros transportados tem se mantido entre 25 mil e 30 mil usuários.
A REDUÇÃO DE PASSAGEIROS
Conforme levantamento da Secretaria de Trânsito e Transportes, em 15 anos (de 2004 a 2019, último ano fechado antes da pandemia), o número de passageiros diminuiu de 47,8 milhões para 43,5 milhões ao ano. No mesmo período, as gratuidades do sistema aumentaram de 10,5% do total de usuários transportados em 2004 para 34% do total em 2019.A queda do número de usuários, somada ao aumento de benefícios foi uma das bases do poder público para alegar inviabilidade em baixar o valor da tarifa. Na opinião de Tania Menezes, no entanto, o debate deveria ser mais amplo acerca do tema.
— Já faz muito tempo que vem diminuindo número de usuários e hoje mesmo pode tirar todas as gratuidades que não vai resolver, do ponto de vista do preço. Quero ver como o prefeito vai cumprir a promessa de passagem a R$ 3,50.
Segundo ela, a própria discussão se concentra em esferas que não necessariamente traduzem os gargalos do transporte:
— O Conselho é composto por gente que faz muito tempo que não deve andar de ônibus _ dispara.
O lazer impedido
Tanto a operadora de Caixa Elenice Gonçalves Machado quanto os cinco filhos que moram com ela faziam uso efetivo da gratuidade nos domingos.
— Eu usava bastante, ia visitar as amigas, a comadre, principalmente no São Caetano e na Parada Cristal. E tenho filhos que usam também. São adolescentes, querem sair — relata.
Com salário de R$ 1,2 mil mensais e filhos de 13 a 18 anos sem renda, ela vê como inviável bancar a passagem de todos. A falta de opções também se estende no bairro onde mora, o Villa-Lobos, que não dispõe de áreas de lazer.
— As pessoas que têm carro tem condição de sair, de passear com a família, a gente não. Aqui é um bairro bom, mas não tem divertimento, não tem lugares para lazer e é longe do Centro. A meninada gosta para ir para o shopping.
Situação semelhante é a vivida pelo garçom desempregado, Éverton Jesus da Silva. Morador do loteamento Campos da Serra, também enxerga o futuro de seu lazer restrito diante da diminuição considerável do benefício.
— Sempre ocupei o passe livre para visitar meus familiares, principalmente no Santa Fé. Se fosse desembolar passagem, eu, minha esposa e meus dois filhos, seriam oito passagens desembolsadas, só pra ir. Eu ocupava bastante. Não vamos conseguir ter lazer com crianças nos domingos. É complicado sair com quatro pessoas para gastar R$ 40, R$ 50, que poderiam ser gastos pra tomar um sorvete, comprar alguma coisa pras crianças — lamenta.
Com os filhos de 8 e 12 anos, a única renda da família é da esposa, que trabalha como auxiliar de limpeza e ganha R$ 1.050 por mês.
Os estigmas que cercam a gratuidade
Um dos maiores entusiastas do projeto de redução do passe livre e que inclusive defendia o fim do benefício é o vereador Ricardo Daneluz (PDT). Durante a defesa da proposta, o parlamentar (junto com Santo Fantinel, do Patriota) alegou que a medida também reduziria ocorrências de baderna e depredação. Embora reconheça que haja sim registros de "bagunça" nos dias de gratuidade, a usuária do transporte, Elenice Gonçalves Machado, acredita que não há justificativa de cessar o direito da maioria que utiliza o serviço da forma correta.
— Uns fazem bagunça, mas nem todos têm de levar a culpa — lamenta.
Na opinião de Tania Menezes, a argumentação da baderna representa uma fuga do real debate.
— Não é porque as coisas dão errado que tem de acabar com elas. Se tem algum problema, vê quais são e tenta resolver. Um dos problemas é que a frota é muito reduzida nesses dias, aí há sobrecarga. Além disso, ela tira o operador de sistema, que seria uma forma de regular para que não haja baderna, depredação. Também pode ser discutido isso do ponto de vista da segurança, pode-se trabalhar isso — afirma.
Apesar de representa a limitação de um benefício, a proposta recebeu respaldo parcial da população, o que a líder comunitária acredita ser uma indução promovida pelas alegações dos projetos:
— Como não se tem uma discussão mais aprofundada, você pinça alguns problemas e decide em cima daquele problema. Pois, se fosse fazer uma discussão mais aprofundada, duvido que as pessoas fossem a favor da redução do passe livre.
UAB concorda com redução de benefício
Enquanto movimentos sindicais e partidários se mostraram resistentes à proposta, o mesmo não se viu da União das Associações de Bairros (UAB), que silenciou sobre o tema e não apareceu em manifestações públicas sobre o projeto.
O Pioneiro procurou o presidente da UAB, Valdir Walter, e perguntou a ele sobre a posição da UAB. Em sua resposta, admitiu posicionamento favorável à limitação do benefício.
— Não tem outra escolha. Temos de ajudar o transporte coletivo, as pessoas que utilizam o transporte coletivo, senão a coisa vai ficar pior. Infelizmente não tem muito o que se fazer, porque vemos a situação da passagem cada vez aumentando mais, em algum lugar tem de ser mexido. Quem paga mesmo essa passagem inteira é o trabalhador. É o momento de refletirmos e ajudar a cidade — defende.
Walter acredita que a medida "não deve surtir muito impacto", mas assegurou que a entidade vai buscar alternativas para ajudar famílias mais carentes.
_ Não somos contra tirar o passe livre, mas sim fazer uma redução, tem três datas que vai ser feito e a gente vai dar mais sugestões, pois de uma forma ou outra precisamos ajudar essas pessoas de baixa renda. Famílias numerosas que não têm condições vamos solicitar ao prefeito que viabilize um passe livre para essas pessoas.
Segundo o presidente da UAB, as propostas devem ser apresentadas ao prefeito Adiló Didomenico (PSDB) ainda nesta semana.
O secretário-geral da UAB, Salvio Fontes, o número dois da entidade, disse que a posição de Valdir Walter é uma posição pessoal do presidente, pois o assunto não foi debatido na UAB, que não tirou uma posição a respeito.
— Ele pode ter a opinião dele, mas não é a posição da direção da UAB — sustenta Fontes.