Foi num horário incomum, entre a noite de quinta e madrugada de sexta dos dias 19 e 20 de dezembro de 2019, que Daniel Guerra (Republicanos) fez sua última aparição oficial antes de ser cassado do cargo de prefeito de Caxias, fato que se consumaria dois dias depois. Era inauguração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central 24 Horas. Mesmo naquele momento, como alvo central de um tumultuado cenário político no município, Guerra era figura pouco vista publicamente e de raras conversas com a imprensa. E se nos últimos dias do governo já havia se voltado a um número reduzido de apoiadores, após o impeachment, o ex-prefeito sumiu, trocou número de celular, limitou-se a emitir opiniões em redes sociais e negou-se reiteradamente a falar com a imprensa.
Na tentativa de saber qual o paradeiro do ex-prefeito, o Pioneiro buscou contato com duas figuras de maior proximidade do seu governo e que estão entre os poucos personagens políticos a manter contato constante com Guerra: seu irmão e vereador Chico Guerra, e o presidente do Republicanos, Júlio César Freitas da Rosa.
— Logo após o impeachment, ele resolveu se recolher e não falar. Teve todo um processo com ele mesmo que teve de absorver, esse golpe, esse processo de impeachment forjado. Amadurecer, fazer sua análise, tirar suas conclusões. Tomou a decisão de que a primeira manifestação dele vai ser na convenção do Republicanos, onde vamos oficializar as candidaturas a prefeito e vice e os candidatos a vereadores — revela Júlio César Freitas da Rosa.
A primeira declaração pública de Daniel Guerra desde a cassação, portanto, deve acontecer até 16 de setembro, prazo limite para apresentação de candidatos em convenções partidárias.
Daniel, entretanto, não deve ser o candidato do partido para o pleito, uma vez que está impedido de concorrer para cargos eletivos por oito anos a contar da cassação. O Republicanos, no entanto, nega essa vedação.
— Temos a certeza que o prefeito Daniel Guerra não está inelegível. Ele tem hoje uma certidão de quitação com a Justiça Eleitoral, que diz que ele está com os plenos poderes sobre os direitos políticos dele. Não é essa a questão. Agora, o que estamos avaliando é se vale a pena ou não irmos com o nome do prefeito Daniel Guerra, porque os adversários políticos vão querer a todo momento desqualificar a participação dele na eleição ou dizer para a população que ele não pode concorrer ou ainda se travar uma disputa jurídica na esfera da Justiça Eleitoral que não vai ser salutar para o bom debate e entendimento da população para os rumos para Caxias do Sul — alega Júlio.
Ainda segundo Júlio, Daniel Guerra continua sua rotina pessoal, mesmo que não seja mais tão visto em público.
— O prefeito Daniel Guerra continua andando normalmente de cabeça erguida pelas ruas de Caxias do Sul, continua indo nas suas missas com regularidade, mas ele resolveu estrategicamente não falar (até então) para falar no momento adequado. Primeiro teve um sentimento muito forte de indignação e raiva nos primeiros meses de processo de impeachment. Por isso, toda a pessoa que fala com raiva, às vezes não pode ter uma leitura muito clara. Então, esse período para absorver o golpe e entender, ele foi e é necessário.
Conforme revelou Chico Guerra, Daniel Guerra estaria no momento dedicando-se à sua vida pessoal e "estudando" para definir qual será o seu próximo passo, seja na carreira política ou na iniciativa privada.
INELEGIBILIDADE
O cartório eleitoral de Caxias esclarece que a inelegibilidade é uma anotação interna da Justiça Eleitoral, que não consta na certidão mencionada. Guerra, no entanto, poderia se registrar como candidato, assim, como por exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva fez, em 2018, para concorrer à presidência e que acabou impugnada pela Justiça Eleitoral. Caberia, portanto, à Justiça Eleitoral decidir quanto ao deferimento ou não da candidatura de Daniel Guerra, caso fosse registrado como candidato ao pleito.
As fases de Guerra
Quando confirmado como candidato do Republicanos (na época PRB) para as eleições de 2016, Guerra reverberou posicionamentos polêmicos que já defendia quando exercia cargo de vereador. As falas, especialmente em provocação a governos anteriores, se popularizaram e o resultado foi uma votação expressiva e recorde.
Como prefeito, Guerra optou por manter uma postura semelhante a que tinha como parlamentar. Com isso, no primeiro ano frente à administração, os desafetos já se acumularam.
Como efeito, aos poucos, o então visível Daniel Guerra refugiou-se dos olhares públicos, com aparições esporádicas em obras e inaugurações pela cidade, e evitou contato com a imprensa, diferente da época quando candidato.
Ex-integrante do Governo Guerra que prefere não se identificar revela que a desconfiança do ex-prefeito tornou-se crescente já no primeiro ano de sua gestão e se estendeu para dentro da própria administração, onde haveria uma disputa interna de bastidor.
— Desde o começo do governo, ainda em 2017, o Daniel Guerra sempre disse que não queria ir para a reeleição, que ele preferia a sucessão. Depois que ele viu que todos os membros da equipe queriam ele como pré-candidato, claro que isso mudou um pouco. Mas da metade do ano passado para cá, ele vinha fazendo movimentos pensando nessa sucessão e trabalhava com todos da equipe como possíveis sucessores. Isso até gerou uma espécie de disputa — relata.
Parte das reduções de aparições públicas, afirma essa fonte, também ocorreu pela própria atuação do ex-prefeito, que muitas vezes passava da meia-noite trabalhando:
— Saíamos (secretários) de reuniões às 23h muitas vezes. Ele sempre saía muito tarde, depois da meia-noite, e mandava coisas aos secretários altas horas. Ele se dedicou bastante, por isso que o impeachment o abalou tanto.
Segundo a fonte, paralelamente, o clima de insegurança também fez com que Guerra reduzisse seu círculo de confiança na prefeitura. Nos meses que antecederam sua cassação, apenas um grupo de secretários, em especial o titular da Secretaria de Saúde da época, Júlio César Freitas da Rosa, e o chefe de Gabinete e irmão de Daniel, Chico Guerra (Republicanos), tinham contato mais próximo com o ex-prefeito, especialmente, revela, mais Júlio do que o próprio irmão Chico. Atualmente, além deles, o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, Emílio Andreazza, estaria também mais próximo de Daniel.
Guerra candidato a governador?
Embora, por enquanto, Daniel Guerra esteja impedido de concorrer à prefeitura, para o partido, o futuro dele depende de sua própria decisão, com um caminho praticamente livre à disposição;
— O Daniel, pela sua qualificação, pode concorrer a vários cargos de envergadura maior. Poderia concorrer ao Senado, ao governo do Estado. É uma pessoa muito qualificada e versátil para vários projetos — declara o presidente estadual do Republicanos, deputado federal Carlos Gomes.
A fala é reforçada pelo presidente municipal, Júlio César Freitas da Rosa:
— Não há declarações (de Daniel Guerra) nesse sentido, mas posso afirmar que o deputado Carlos Gomes tem deixado as portas abertas para ele tanto para concorrer ao governo do Estado, quanto ao Senado, pela capacidade e por tudo que ele demonstrou nesses três anos de administração em Caxias do Sul. Ele é, dentro dos quadros do Republicanos no Rio Grande do Sul, o nome mais preparado para poder nos representar num projeto para o Estado ou para o Senado.
Segundo Júlio, no entanto, o desempenho do partido nas eleições deste ano é que deve definir o potencial político de Guerra para o futuro.
— Eleição de 2020 vai ser divisora de águas para o futuro político do prefeito Daniel Guerra. Se ganharmos as eleições, não tenha dúvida que o prefeito (Daniel Guerra), sendo ele candidato ou não, está mais vivo do que nunca no cenário político tanto de Caxias quanto do estado do Rio Grande do Sul. A gente sabe que a política se faz de vitórias — afirma Júlio.
Caso a inelegibilidade de Guerra se mantenha pelo período de oito anos, apenas quando esse prazo terminar é que ele poderia concorrer novamente a cargo eletivo. Guerra estaria elegível apenas a partir de dezembro de 2027, sendo assim, as próximas eleições nacionais a partir dessa data seriam em 2030.
Por onde anda Daniel Guerra?
Em entrevista ao Pioneiro, o vereador de Caxias Chico Guerra, irmão do ex-prefeito, comentou sobre o afastamento de Daniel Guerra da visibilidade pública e sobre as pretensões políticas dele.
DEDICAÇÃO A ESTUDOS E ATENÇÃO AO PARTIDO
Pioneiro: O Daniel Guerra sumiu da visão pública, como ele está? Está participando das atividades do partido?
Todo serviço na prefeitura tomava um grande tempo tempo, ele trabalhava madrugada adentro. Quando estava na prefeitura, ele era 100% focado na função, tinha pouquíssima disponibilidade para o partido. Tem também o lado particular dele, pessoal, que é em cima de estudos, leituras, (ele) está se preparando para algo novo. E também está ajudando o partido com opiniões, quando solicitado.
E por que ele sumiu?
Ser prefeito de Caxias, estar disponível 24 horas e com o volume todo de problemas que Caxias tem, o nível de estresse, de desgaste, é gigantesco. No momento que te tiram essa função, o corpo em si é óbvio que dá uma aliviada, fisicamente e mentalmente, a pessoa, vamos dizer, está de férias. O corpo fisicamente agradece. Mas a forma que aconteceu, o formato político que tirou ele de lá, isso não agradou. Então, nós todos achamos que houve uma injustiça muito grande. E enxergamos cada vez mais forte. O pedido que ele está recebendo para voltar é muito grande. São pessoas se pronunciando de querer fazer a justiça de novo, e ele está representando esses votos. Não foi só ele que sentiu, mas sim todos que estavam com ele. Fisicamente e mentalmente, ele está mais tranquilo, mas o sentimento de injustiça continua.
Então ele está num ano mais sabático, estudando?
Sim, sim. Possivelmente este ano e o ano que vem ele vai estar nessa função.
CARREIRA POLÍTICA OU INICIATIVA PRIVADA
Ele está se preparando para algo relacionado à política ou outra coisa?
Ambas as coisas. Ele está na questão do futuro político. E também na área privada, de iniciativa privada. Como ele sempre foi uma pessoa que no passado teve bom emprego, na época ele estava como diretor do BankBoston, então, óbvio que a situação financeira dele favorece muito. Então, ele tirou esse tempo para ele mesmo. Ele sempre fez o capital dele, então, agora ele consegue tirar esse tempo para se preparar, para estudar.
Onde ele pretende investir profissionalmente?
Na verdade, é muito genérico, muito abrangente. Não é tipo focado em voltar a ser diretor de banco, ele faz um estudo mais abrangente, pode ser um banco, uma empresa, um negócio novo. Pode ser algum ramo diferente do que ele vinha tomando.
Ele pode empreender então?
Pode, ele pode empreender também. Ele tem tempo para pensar. E também se optar por nenhuma dessas coisas, se ele perceber que não favorece, ele está tranquilo também.
A GARGALHADA DA FAMÍLIA
E ele chegou a buscar algum auxílio, algum suporte psicológico em razão da pressão?
Não, não, nunca teve esse problema. Desde quando ele era criança a gente dizia: "Tu tem cara de político, tu tem perfil de político. Tu aguenta no lombo o que falam de mal." O que as pessoas falavam ele conseguia separar. Tem muito boato, fakes de ex-CCs dizendo que ele precisou de tratamento psicológico em São Paulo e não sei o que, nossa, é a gargalhada da família no final de semana. Os comentários que as pessoas às vezes botavam, isso era motivo de risadas nos finais de semana.
CONVITE PARA ATUAR NO GOVERNO
Outro boato é de que ele estaria trabalhando em Brasília. Ele está realmente em Caxias no momento?
Até quando deu isso aí, houve convite, sim, não vou dizer de quem, mas houve convite, sim, para ir para Brasília para ele assumir um cargo lá dentro.
Mas no governo federal ou no Congresso?
No governo federal. Então teve isso aí, mas ele está focado em Caxias.
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