"Fé e vida para mim sempre foram um ponto-chave, que vincula a gente a um compromisso social", declarou o padre Roque Grazziotin ao jornal Pioneiro em dezembro de 2011. A frase, de certa forma, sintetiza a filosofia do religioso que tornou-se referência pela dedicação humanitária em movimentos sociais e políticos. Roque Grazziotin, ou simplesmente Padre Roque, faleceu no último domingo, aos 73 anos. O corpo foi cremado nesta segunda-feira (23), em Caxias. Embora nascido em Antônio Prado, Padre Roque nunca negou o carinho e o vínculo que criou em Caxias.
— São quase 40 anos (na época, em 2011) em Caxias. As atividades nos bairros, nas paróquias, nos movimentos foram sempre em Caxias. Então, a gente se sente meio caxiense — afirmou na ocasião à jornalista Juliana Bevilaqua.
Leia mais
"Foi um sacerdote preocupado com os mais pobres, afirma bispo sobre trajetória de padre Roque Grazziotin, em Caxias Veja a repercussão da morte de padre Roque Grazziotin nas redes sociais Morre em Caxias do Sul padre Roque Grazziotin
O reconhecimento, inclusive, foi institucionalizado: em 2011, Roque Maria Bocchese Grazziotin recebeu da Câmara de Vereadores o título de Cidadão Caxiense. Na época, a homenagem foi proposta pela vereadora Denise Pessôa, do Partido dos Trabalhadores (PT), sigla que Padre Roque ajudou a fundar em Caxias e pela qual concorreu a prefeito (representando a Frente Popular, que incluía também PCB,PSB e PCdoB) em 1988, em eleição vencida por Mansueto Serafini. Foi também pelo PT que ele foi eleito deputado estadual em 1998.
A vinculação com o movimento de esquerda foi consequência das causas sociais defendidas por Padre Roque. A relação do religioso com a política surgiu em 1964, quando iniciou a faculdade de Filosofia no Seminário Imaculada Conceição, em Viamão, justamente no ano em que se iniciaria a ditadura militar.
— Os movimentos de ação católica a que nós pertencíamos foram fechados por exigências do governo e também por setores da Igreja que achavam que se estava caminhando para a consolidação do comunismo no Brasil —lembrou em 2011 ao Pioneiro.
Os movimentos eram as juventudes católicas Agrária (JAC), Estudantil (JEC), Operária (JOC) e Universitária (JUC). Padre Roque participava de duas delas e viu muitas pessoas serem presas, inclusive dirigentes nacionais da JOC. A repressão motivou que novas formas de organização fossem encontradas. Surgiram, então, as pastorais. A Operária foi fundamental para a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Além do Brasil
A experiência acumulada na luta por direitos humanos foi também motivadora para Roque ser indicado para assumir como assessor do Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC), pelo qual atuou na América do Sul e Central. Ajudou a localizar desaparecidos, presos políticos e a organizar trabalhadores em países que vivenciaram regimes ditatoriais, como Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Foi justamente o empenho no trabalho solidário com marginalizados e reprimidos que motivaram a presença de mais de 200 pessoas na Paróquia Santa Catarina na despedida de padre Roque Grazziotin na tarde desta segunda-feira (23).
— Ia onde os marginalizados e esquecidos estavam, não tinha medo da crítica. Era capaz de fazer qualquer coisa para defender a vida e o direito das pessoas. Foi um homem profundamente indignado pelas injustiças, e sua inspiração vinha das palavras do apóstolo Tiago: "a fé sem obras é morta" — leu-se em sua homenagem na missa.
TRAJETÓRIA
:: 7 de maio de 1946: nasce, em Antônio Prado, Roque Maria Bocchese Grazziotin.
:: 1957: ingressa no Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias.
:: 1964: inicia a faculdade de Filosofia no Seminário Imaculada Conceição, em Viamão.
:: 1967: leciona na Escola Normal São Domingos, em Torres.
:: 1969: ingressa no curso de Teologia da PUC, em Porto Alegre. É monitor na Febem.
:: 1972: retorna para Caxias. Atua no bairro Boa Vista, no Centro de Orientação Missionário e na Pastoral Operária.
:: 1979: passa a atuar no Setor Norte de Pastoral, no bairro Fátima.
:: 1984: participa da Fundação do Centro de Direitos Humanos de Caxias.
:: 1988: concorre a prefeito pelo PT.
:: 1998: é eleito deputado estadual pelo PT.
:: 2003: integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
:: 2004: é assessor parlamentar do MEC.
:: 2005: é indicado para representar o MEC no Conselho Diretor da UCS
:: Maio de 2011: é eleito presidente da Fucs, a Fundação Universidade de Caxias do Sul.