O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota na última semana repreendendo a conduta de procuradores da República e o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, em conversas divulgadas em nível nacional pelo site The Intercept Brasil. A entidade manifestou "perplexidade e preocupação" pelas mensagens expostas, afirmando que "ameaçam caros alicerces do Estado Democrático de Direito".
Ao Pioneiro, o presidente da subseção da OAB em Caxias do Sul, Rudimar Luiz Brogliato, explicou por que a entidade máxima de representação dos advogados do país considera grave o episódio.
De modo didático, quais são os problemas dessa relação demonstrada entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol nas mensagens divulgadas?
A OAB considerou extremamente nociva a relação, até um tanto promíscua, entre o procurador (Deltan Dallagnol) e o juiz federal Sergio Moro. Existem diversas leis, desde a Constituição Federal, que falam da imparcialidade da Justiça e do equilíbrio entre defesa e acusação. No momento quem vêm à tona essas conversas, se verifica que não existia imparcialidade entre procurador e juiz, e isso acaba contaminando o processo. O sistema prevê um órgão acusador, um de defesa e um de julgamento. O promotor (ou procurador) tem exclusividade de elaborar a ação penal, não é do juiz (a tarefa) e nem do advogado. A defesa tem de fazer a defesa. E cabe ao juiz julgar em cima das ponderações da acusação e da defesa. O que as interceptações (das conversas) revelam é que o juiz estava trabalhando junto com acusação. Então esse triângulo, acusação, defesa e juiz, não estava sendo um triângulo, estava desproporcional, uma parte (a defesa) estava desfavorecida. Põe sob suspeita todas as decisões.
Essa relação contamina todo o processo?
A OAB não é contra a Lava Jato, não é contra a apuração desses crimes (de corrupção) e também entende que isso (diálogos divulgados) não invalida as provas colhidas. Pode invalidar as decisões, mas não as provas colhidas.
Sobretudo, não só para o caso, o episódio abre um precedente a todo o funcionamento do Judiciário?
Exatamente. A grande preocupação não é nem o caso específico, que vai ser trabalhado nas defesas de cada advogado, mas essa forma de atuação abre precedente muito complicado, pois esse princípio de separação entre acusação, defesa e imparcialidade juiz vale para qualquer tipo de julgamento, de processo, não só para criminal. Daqui a pouco, estará sendo permitido num processo cível. Por exemplo, esses processos da própria Lava-Jato, de recuperação dos valores, a maioria não é feita nos processos criminais, a não ser quando há delação premiada, daí é feito um acordo de devolução de valores. Mas a busca de valores é feita em ações civis. A Advogacia-Geral da União promove contra as empresas que causaram os danos aos cofres públicos. Então, essa mesma imparcialidade deve valer nos processos criminal, cível, trabalhista, de família, ou qualquer ato em que há juízo de valor de outras pessoas, até no próprio futebol.
Independente dos desdobramentos, essa fissura pode ser irreparável ao sistema judiciário brasileiro?
O lado positivo dessa história é mostrar que as pessoas não podem endeusar personagens. Todas as instituições são compostas por seres humanos, que são falhos. Membros do MP e do Judiciário se excederam no objetivo de atingir qualquer meio para chegar a um fim, isso até filosoficamente é errado. Mas, o que precisa ser feito é o trabalho institucional. Nem Dallagnol, nem o Moro, é o MP que tem de desempenhar o papel dele, Judiciário também, assim como a defesa. Pode ser momento de correção, no sentido de preservar a instituição, não as pessoas.
E que correção seria?
Seria abrir a investigação, fazer a apuração, dar oportunidade de defesa para o procurador e para o Sergio Moro, oportunidade de defesa imparcial, coisa que eles não estão fazendo com os réus, e fazer um julgamento sério da validade dessas decisões ou não. E seria ideal que eles se afastassem dos cargos que ocupam, permitindo que seja feita abertura da investigação.
Você acha que os personagens envolvidos esqueceram o papel que desempenham?
Esse estrelismo subiu na cabeça de ambos (Moro e Dallagnol) e de outras figuras e acabaram contaminando o processo, fazendo o que não deveriam fazer, ultrapassaram o limite da ética. É preciso ter cuidado em não achar que é maior do que a instituição. O irônico é que as conduções coercitivas tinham a justificativa de que réus não falassem entre si e não combinassem alegações. A intenção desse mecanismo legal é não dar tempo de um réu articular defesa com outro réu, ou combinar depoimentos. Isso é usado porque a lei não proíbe que os réus falem entre si. Por outro lado, juiz e promotor, que não poderiam falar entre si sobre o processo, falavam. Uma inversão total dos valores. Alguns eram presos para não falar e outros que não podiam falar por lei, falavam.
Que lição pode ser tirada em termos institucionais?
É preciso tornar mais transparentes atos entre juízes, advogados e promotores. Porque aquilo que foi divulgado eram mensagens, mas o que não era mensagem? O que foi tratado pessoalmente? Talvez houvesse relação mais forte até. Isso tem de mudar.
Esse episódio ganhou forte conotação política. As pessoas perderam o foco da discussão?
A sociedade em geral está cansada da corrupção, da crise econômica, da violência. De certa forma, a sociedade está transigindo com algumas coisas, está aceitando algumas posturas na busca de um resultado imediato. Querem ver as pessoas presas, condenadas, que a violência urbana acabe, e que o país saia da crise. Mas a utilização dos meios ilegais para chegar a isso é muito perigoso. Quando tomou poder, Hitler não dizia que ia matar 6 milhões de judeus, senão provavelmente os alemães não teriam votado nele. Foi um crescente: a Alemanha para sair na crise que estava foi permitindo que ele fizesse várias ações até se tornar o que se tornou. Quando Stalin transformou a Rússia numa ditadura, não dizia que ia transformar num regime totalitarista por 70 anos. As pessoas têm de ter cuidado, esses precedentes vão abrindo margem para coisas bem mais graves.
Defensores da Lava Jato não entendem o quanto isso pode prejudicar a própria operação que defendem?
Além dessas nulidades, estamos falando em milhões de reais gastos para repetir os processos todos.
O senhor acredita que isso pode reverter a condenação do ex-presidente Lula?
Há possibilidade, mas eu não confirmaria porque é preciso fazer análise mais profunda do processo, sobre o quanto que tudo isso contaminou.
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