Como, afinal, está a saúde financeira da prefeitura de Caxias do Sul? Enquanto o prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT), que esteve à frente da administração de 2012 a 2016, diz que deixou a prefeitura com superávit, o eleito, Daniel Guerra (PRB), afirmou, em reunião-almoço da CIC, no último dia 25, que “na economia de um município, os valores têm contemplado não somente o que tem na conta bancária, mas tudo o que tem de compromisso assumido e firmado”. Guerra diz que recebeu migalhas e que está procurando o superávit e colocou o pé no governo cortando despesas.
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Alceu está correto quando diz que deixou superávit. E Guerra está certo em informar que a economia do município é mais que isso.
O superávit do qual o prefeito anterior fala refere-se à diferença, a mais, entre receitas e despesas realizada pelo município no ano de 2016. O saldo positivo entre o dinheiro que entrou ano passado e as despesas com compromisso de pagamento entre janeiro e dezembro de 2016 é de R$ 57 milhões. O valor é confirmado pelo secretário municipal da Fazenda, José Alfredo Duarte Filho, que abriu ao Pioneiro os resultados financeiros dias antes da publicação do balanço orçamentário da prefeitura, segunda passada.
O novo prefeito tem motivo para estar bem preocupado. Isso porque é preciso analisar além do resultado de 2016, mas para o caixa inteiro deixado na prefeitura. As informações do Portal da Transparência mostram que Guerra herdou em caixa um saldo de caixa positivo, de R$ 414 milhões. Porém, também revelam que as dívidas com vencimento nos próximos 12 meses somam R$ 540 milhões. Isto é, se a despesa e a receita continuarem andando de forma equilibrada, ao final do ano, o Executivo caxiense amargará um déficit em torno de R$ 126 milhões.
O rombo é agigantado pelos R$ 304 milhões de indenização que a Justiça mandou, em última instância, a prefeitura pagar à família Magnabosco. A dívida é pela ocupação irregular de uma área de 57 mil metros quadrados nos anos 1980, hoje conhecida como o bairro 1º de Maio. Ela deveria ter sido quitada até 31 de dezembro de 2016, mas virou precatório, como é prática nos governos, e só aumenta. Segundo o advogado dos Magnabosco, Durval Balen, o não pagamento acarreta desde janeiro a cobrança de juros. Caso não ocorra uma negociação, o valor pode chegar a R$ 358 milhões no final de 2017.
O caso está sendo analisado por um grupo de procuradores municipais. Não fosse essa indenização, o saldo de caixa deixado por Alceu voltaria a ser suficiente para a prefeitura honrar as contas até o fim do ano.
Números na história
Para enxergar como cada um dos últimos prefeitos entregou e recebeu as contas, o Pioneiro voltou a orçamentos anteriores. Os dados consideram o último ano das administrações dos ex-prefeitos Pepe Vargas (PT), José Ivo Sartori (PMDB) e Alceu Barbosa Velho (PDT).
A análise de 2016 revela que é o primeiro ano entre os recentes em que as dívidas de curto prazo acabariam em déficit ao final de 12 meses (confira no quadro abaixo os valores dos ex-prefeitos), caso não haja uma redução gigante na despesa projetada ou uma negociação da indenização.
A situação financeira fez o governo anterior adotar medidas de contenção como congelamento de reajuste dos salários de CCs, corte de horas extras, revisão de aluguéis e, por último, antecipação do pagamento do IPTU. Os municípios vêm enfrentando dificuldade em virtude da redução na receita, por conta da crise econômica, e do aumento das despesas, principalmente pela judicialização na saúde e na educação. Em 2016, a previsão de receita da prefeitura de Caxias era de R$ 2,2 bilhões, mas o que efetivamente entrou foram R$ 1,8 bilhão. A despesa foi de R$ 1,7 bilhão.
Na última quarta-feira, Guerra reafirmou a preocupação com as finanças e comentou que sua equipe está analisando o orçamento de R$ 1,9 bilhão deixado por Alceu. Em entrevista ao Pioneiro, Duarte Filho garante que não haverá atraso de salários e do 13º salário e que todas as contas estão sendo pagas em dia. Para cumprir com os compromissos, o secretário diz que Guerra determinou o corte de 30% de todas as despesas e prepara ações para agilizar a fiscalização e cobrança de impostos como o IPTU, ISSQN e ITCD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e ou Doações). O novo secretário da Fazenda promete detalhar as contas da gestão anterior na Câmara de Vereadores, ainda, em fevereiro.
Confira como cada prefeito passou e recebeu o caixa nos últimos anos:
O que diz Alceu
O ex-prefeito de Caxias do Sul, Alceu Barbosa Velho (PDT), garante que não deixou dívidas, como sugere o seu sucessor, e que a prova é o superávit de R$ 57 milhões em 2016. O pedetista afirma que o ano passado foi o pior momento dos quatro anos de sua administração:
– Em 2016, peguei o dinheiro de todas as secretarias e não apliquei mais nelas. Foi uma economia de guerra para dar o resultado que deu.
Segundo Alceu, a comprovação de que sobrou dinheiro em caixa foi o pagamento das contas realizadas em janeiro por Guerra. Sobre o saldo de caixa e as dívidas de curto prazo deixadas para o governo atual, Alceu prefere chamar de investimentos realizados e cita como exemplos, a construção da Barragem do Marrecas e Plano de Asfaltamento do Interior (PAI).
– O PAI feito no governo Sartori se paga uma prestação em junho e outra em dezembro de 1,5 milhão de dólares. Se a prefeitura não fizer investimentos com financiamentos, não vai fazer nada.
Em março, o ex-prefeito deverá convocar uma coletiva para apresentar o balanço de gestão.
– Tenho informação que o acumulado é bem maior. Não ficou absolutamente nenhuma dívida.
O conflito de números na troca de governo não é privilégio de Caxias. Em Porto Alegre, Nelson Marchezan (PSDB) afirmou que recebeu a prefeitura da Capital com uma dívida de R$ 507 milhões. O ex-prefeito José Fortunatti (PDT) diz que o valor é de R$ 185 milhões.
*Colaboraram: Luís Felipe Ferreira e Osmar Pessotti