O discurso "não sou político, sou gestor" emplacou não só no centro do país, mas em Caxias do Sul também. Com o tom apolítico, Daniel Guerra (PRB) conseguiu desbancar o ex-prefeito Pepe Vargas (PT) no primeiro turno e sagrar-se campeão de votos, derrotando Edson Néspolo (PDT) e o projeto de 12 anos de 21 partidos políticos.
A "estratégia" foi muito similar às de João Doria (PSDB), eleito ainda no primeiro turno prefeito da maior cidade brasileira, São Paulo, Marcelo Crivella (PRB), no Rio de Janeiro, e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte – os dois últimos venceram no segundo turno. Todos eles, embora políticos, adotaram o discurso da antipolítica.
Para o cientista político e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis Quadros, o fenômeno no Brasil resulta, principalmente, dos casos de corrupção e da ação da Operação Lava-Jato, que acabou demonstrando a falência das estruturas. Mas, segundo ele, não é novidade nem exclusividade brasileira. A candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, por exemplo, demonstra que as pessoas em todo o mundo estão buscando alternativas para além das instituições tradicionais.
– Guerra, mesmo sendo político, a gente sabe que ele atua na política há bastante tempo, conseguiu encarnar essa bandeira da alternativa, da disparidade, de ser capaz de construir diretamente com a população – constata o coordenador de graduação do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG).
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João Ignácio Pires Lucas, sociólogo e doutor em Ciência Política, concorda que o prefeito eleito foi a opção para quem está cansado da política tradicional. No entanto, ele cita uma diferença na eleição de Guerra em relação à de Doria, por exemplo. Enquanto Doria venceu o pleito ainda no primeiro turno, Guerra ficou em segundo lugar na primeira etapa, conquistando 29% da preferência do eleitorado.
No segundo turno, Guerra acabou atraindo, provavelmente, os votos de Pepe Vargas e Assis Melo (PCdoB), candidatos que são contrários ao discurso que nega os partidos e os políticos. Para Pires Lucas, Guerra, sem dúvida, atraiu aqueles que simpatizam com a ideia do não político, mas ganhou também o voto daqueles que querem a política.
– O problema foi menos o Néspolo e mais o Guerra, porque o próprio Néspolo, fazendo menos votos no segundo turno, demonstra que o sentimento era realmente oposicionista. Agora, entre os discursos oposicionistas, prevaleceu aquele com mais cara de antipolítica. Mas como ele foi engordado pelos votos da esquerda, então, fica difícil dizer que todos os votos dele são favoráveis a essa nova política – explica o professor da UCS.
'Desligar o modo eleição'
Uma vez eleitos, os candidatos com perfil de Guerra precisam fazer política. Não há, na opinião de Marcos Paulo dos Reis Quadros, como conduzir a gestão pública sem conversar com os partidos e fazer alianças. Medidas simples, como a aprovação de um projeto na Câmara de Vereadores, dependem disso.
No caso de Guerra, que terá oposição da ampla maioria dos parlamentares no Legislativo, a habilidade em negociar terá que ser maior ainda. Será preciso, conforme Quadros, sentar à mesa, conversar e fazer concessões, se necessário.
– Guerra vem apostando nesse discurso de que "o que é bom para a cidade, não acredito que os vereadores vão vetar". Mas a gente sabe que o jogo político é mais profundo e penso que o candidato, que não é mais candidato, é prefeito eleito, precisa desligar, por assim dizer, o "modo eleição". Precisa entender que agora é um gestor público, precisa incorporar esse hábito o quanto antes, precisa esquecer o discurso eleitoral e partir para a construção de uma gestão na cidade. Nada contra, até penso que é positiva essa questão dos técnicos, mas os partidos políticos são fundamentais, porque, do contrário, iríamos, a partir da própria elite política, deslegitimar a política e o sistema representativo – entende.
Para João Ignácio Pires Lucas, Guerra também não pode esquecer que, da mesma forma que foi eleito, os vereadores também foram escolhidos democraticamente. Se não houver habilidade política por parte de Guerra, uma paralisia decisória pode ser gerada, nas palavras do cientista político.
– A política, sendo velha ou nova, depende de negociação, de acertos, e acho que, provavelmente, ambos os lados tenham esse interesse, por mais que possam ser oposicionistas. Vamos ter que ter uma dose de negociação, que é bem característico da boa política, porque mais importante que velha e nova política, é a boa política, que é do pessoal convergir para temas importantes. Mas os vereadores têm todo o direito, toda a legitimidade de fazer oposição, de defender as suas ideias, assim como o Guerra tem todo o direito de procurar implementar a sua proposta – diz Pires Lucas.
Determinado e independente
Guerra, embora esteja na política há 12 anos, gosta de frisar que é um gestor. Graduado em Direito e especialista em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ele cita, seguidamente, sua experiência no Bank Boston, onde permaneceu por três anos. O agora prefeito eleito ingressou no banco em 2002, contratado por Fred Graef. Além de qualificado para o cargo, Guerra mostrou-se determinado e motivado, o que chamou a atenção da chefia.
Quando resolveu desligar-se do banco para concorrer a vereador, foi persuadido a ficar, mas não mudou de ideia.
– Lembro que falava para ele: "Daniel, poxa, aqui no banco você tem uma carreira fantástica pela frente, você está performando, tem resultados". E ele sempre destacava: "é um chamado, sinto que é por aqui que tenho que ir." Na época, eu dizia que ele ia ganhar a metade do que ganhava como diretor-executivo. Estava trocando nem seis por meia dúzia, era seis por um – conta Fred, que hoje é coach, consultor e palestrante.
A determinação de Guerra revela também sua autonomia, característica marcante durante seus mandatos na Câmara. A independência é, aliás, qualidade que ele traz desde criança. O representante comercial Ivan Furlan, conheceu Guerra ainda pequeno na Igreja São Pelegrino. Coroinha, estava sempre no templo, e quando um turista chegava, ele fazia questão de mostrar a igreja e as pinturas de Aldo Locatelli nas paredes e teto.
– Se chegava alguém, ele já queria explicar as pinturas, tomava a dianteira, não precisava alguém mandar. Sempre teve esse espírito de se colocar à disposição – lembra Furlan.