O filósofo e teólogo Leonardo Boff estará nesta terça-feira em Caxias do Sul para proferir a palestra Seres Humanos e o Planeta: a Mística do Cuidado, às 19h, no teatro da Faculdade Murialdo (Rua Marquês do Herval, 701, Pio X). Em entrevista concedida por e-mail ao Pioneiro, defendeu os governos do PT e criticou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão.
Boff é autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. Em 2001, foi agraciado com o Prêmio Nobel Alternativo, na Suécia, honraria dada a personalidades que trabalham pela sustentabilidade e por mudanças positivas para o planeta.
Como assistir a palestra
A palestra é gratuita, mas os convites devem ser solicitados no gabinete da deputada Marisa Formolo (PT), que promove o evento, pelo telefone (54) 3222.5505, ou no Murialdo, (54) 3221.2890. O número é limitado, devido à capacidade do teatro. A palestra ocorre nesta terça-feira, às 19h, no teatro da Faculdade Murialdo.
Confira a seguir a entrevista
Pioneiro - Qual é a questão principal que o senhor abordará na palestra Seres Humanos e o Planeta: a Mística do Cuidado, em Caxias do Sul?
Leonardo Boff - Vivemos tempos dramáticos para o futuro do sistema Terra e do sistema vida. Criamos uma máquina de morte que nos pode destruir a todos. Habitamos o planeta exaurindo seus bens e serviços naturais de forma que, dentro de um prazo não muito longínquo, podemos conhecer um desastre ecológico-social sem precedentes na história. Para evitar esse desastre, precisamos de novas virtudes, como o respeito pela natureza, preservação das bases químico-físicas que sustentam a vida, uma produção que respeite os limites da Terra e que ao mesmo tempo atenda as demandas humanas, com um consumo responsável, solidário e sóbrio.
Pioneiro - De que forma que a agricultura ecológica poderia ser melhor incentivada no Brasil? Falta apoio do governo?
Boff - O governo tem uma secretaria para a agricultura ecológica e familiar. É dela que vem mais da metade da alimentação que vai para a mesa dos brasileiros. Existe uma vasta rede de agroecologia no Brasil inteiro, que conta com o apoio dos governos estaduais e do federal. Mas há muito ainda por fazer.
Pioneiro - Como preservar a Terra, mantendo a economia forte, de forma a garantir emprego e renda?
Boff - Com o modelo depredador que já existe há mais de quatro séculos, não conseguiremos salvar a vitalidade da Terra e a biodiversidade. A agressão humana é tão violenta que o maior biólogo vivo hoje, Edward O. Wilson, atesta que estão desaparecendo por ano até cem mil espécies de seres vivos. Isso representa uma devastação que ameaça a reprodução da vida, que vive da interdependência de todos os seres entre si. Ou superamos esse modelo industrialista e de antivida ou corremos o risco de não termos futuro. Graças a Deus que por todas as partes se procuram formas diferentes de produzir, de tratar as águas, as sementes, o consumo consciente e o cuidado pelos ecossistemas. E a resistência a esse modelo, inimigo da vida, cresce dia a dia.
Pioneiro - O que o senhor achou do programa Fome Zero, implantando pelo ex-presidente Lula?
Boff - Foi o programa mais importante do governo Lula. A principal função do Estado é garantir a vida dos cidadãos, e não garantir a acumulação das empresas. Não se trata de assistencialismo, mas de um humanitarismo básico que dignifica um governo. Junto com o Fome Zero vão outros tantos programas que permitiram incluir na sociedade cerca de 40 milhões de pessoas. Por que as elites que governaram por 500 anos o Brasil não fizeram nada disso? É porque para elas o povo pouco conta. O que conta é enriquecer explorando a natureza ou pela corrupção com dinheiro público.
Pioneiro - De que forma é possível acabar com a fome no Brasil e no mundo?
Boff - Temos todos os meios técnicos, temos abundância de capital para erradicar a fome do mundo. Basta cobrarmos dez centavos dos capitais especulativos que rolam nos mercados mundiais para termos um fundo que erradicaria a fome, daria moradia e educação a todos os membros da humanidade. Não o fazemos porque não temos coração, somos ainda bárbaros e não amamos os nossos semelhantes. Precisamos de um coração novo, que sinta o sofrimento dos famintos, uma mente lúcida para encontrar os meios para superar esse flagelo. A fome é o que mais humilha uma pessoa, sabendo que a Terra é de todos e Deus não deu escritura a ninguém para se apoderar dela e explorá-la em benefício individual.
Pioneiro - Qual sua opinião sobre o governo Dilma Rousseff? Por que aquela expectativa que se tinha para um governo de esquerda de conseguir a igualdade social não está sendo possível?
Boff - Importa reconhecer que pela primeira vez na história a desigualdade caiu em 17%. Antes o fosso entre ricos e pobres sempre aumentava. Considero um escândalo e uma ofensa à nação brasileira que 5 mil famílias detenham 43% da renda nacional, que os rentistas que emprestam dinheiro ao governo recebam anualmente 120 bilhões de reais em juros e se destinem apenas 60 bilhões para os projetos sociais. Se fizemos algo, falta muito por fazer. Não vejo, no espectro partidário brasileiro, nenhum partido que tenha a força que o governo Lula-Dilma mostraram e mostram em criar políticas sociais que beneficiaram o povo, e com isso diminuir as desigualdades. Desigualdade de 500 anos não se supera com dois ou três governos. Precisa-se de uma redistribuição forte da riqueza acumulada para termos a verdadeira democracia. Democracia supõe igualdade social diante das leis e das oportunidades. Por esse critério a nossa democracia se parece antes uma farsa do que uma realidade verdadeira.
Pioneiro - Qual a visão do senhor sobre o episódio do mensalão até o julgamento e a condenação?
Boff - Sou da opinião que, se houve crimes, devem ser apurados e punidos. Ocorre que a Justiça espetacularizou todo o processo, de forma que não se respeitaram os preceitos básicos de todo o julgamento. Como por exemplo: deve haver presunção de inocência e alguém só pode ser condenado com provas claras e inequívocas. Isso não foi respeitado. Notáveis juristas como Dallari, Yves Gandra (que sempre se opôs ao PT) e outros se deram ao trabalhado de analisar o processo de José Dirceu e não acharam nenhuma prova suficiente que o condenasse. O STF criou a figura jurídica, tirada do tempo do nazismo, segundo a qual eles, pelos cargos que possuíam, deviam saber do que ocorria. A Justiça não funciona com deduções, mas com provas. Por isso acho esse julgamento viciado do começo ao fim, sentindo-se a clara intenção de atingir o PT e liquidar seus líderes. Mas o ministro Joaquim Barbosa levou uma fragorosa derrota, pois, para ele, o importante era provar que Dirceu e companhia formavam uma quadrilha para assaltar o Estado. Esse fato não foi comprovado e rejeitado em plenário, o que ocasionou uma ofensa aos demais ministros que votaram contra formação de quadrilha.
Pioneiro - Como é possível um partido como o PT se manter com conceitos de esquerda mesmo que para ter governabilidade foi preciso se aliar a figuras como José Sarney e Renan Calheiros?
Boff - A democracia brasileira é parlamentar. Deve criar uma base partidária para fazer passar seus projetos. Às vezes devem se aliar com antigos adversários e notórios corruptos para evitar outros corruptos ainda piores que prejudicariam a governabilidade. Em política temos de ser realistas. Ninguém faz o quer, faz o que pode e o que a correlação de forças permite.
Pioneiro - O que o senhor conhece Caxias do Sul? Tem alguma lembrança da cidade?
Boff - Estive algumas vezes dando palestras, para professores, na universidade. Admiro a cidade por seu dinamismo e sua capacidade de produção industrial e não em último lugar por sua culinária e bons vinhos. Apenas lamento o excessivo engarrafamento da cidade, coisa que está ocorrendo em quase todo o país, até em cidades menores.