Maior casa prisional da Serra, a Penitenciária Estadual de Caxias do Sul foi alvo de três apontamentos da Justiça nos últimos seis meses — duas das decisões, inclusive, ocorreram em um intervalo de menos de uma semana, na segunda quinzena de novembro. No documento mais recente, de segunda-feira (18), a juíza Paula Moschen Brustolin Fagundes determinou a suspensão do serviço e a abertura de investigação na cantina da unidade. Uma das suspeitas da magistrada é de que itens proibidos em presídios, como sorvetes, bolachas recheadas e alfajores, tenham entrado sem registro fiscal e em um possível esquema de lavagem de dinheiro.
A situação da penitenciária tornou-se pública a partir da primeira decisão, no final de julho, que previa a interdição parcial da estrutura a pedido do Ministério Público. O pedido foi sustentado após uma vistoria do órgão que identificou infiltrações, rede elétrica com risco de colapso, falta de extintores de incêndio e a superlotação do local. À época, o presídio estava com 1.247 detentos, quando a capacidade é de 432 pessoas.
Na última quinta-feira (14), o mesmo assunto ganhou outro desdobramento, com a decisão de interdição total da unidade. A superlotação e a precariedade das instalações elétricas motivaram a ordem para suspender o recebimento de condenados. Outro apontamento é que a situação anterior não foi regularizada e que vagas novas não foram criadas. A nova decisão estabelece que o teto de ocupação fique em 200%, o que totaliza, de forma provisória, 864 presos.
Há, entretanto, casos específicos em que a penitenciária poderá receber detentos. São presos em flagrante, preventivos, temporários e aqueles que ingressarem ou retornarem para o regime fechado em regressão cautelar até a audiência de custódia. Nesses casos de recebimento obrigatório, a Susepe deverá providenciar a remoção em 15 dias, em caso de exceder o teto.
A superlotação da Pecs é um problema antigo. Em 2018, o excesso de detentos interditou as unidades de Caxias do Sul, fazendo com que presos tivessem que aguardar por vagas nas celas de passagem da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). A então titular da Vara de Execuções Criminais (VEC), juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, havia definido o teto de ocupação em 2017 e chegou a dizer que "o próprio Estado serve de RH (Recursos Humanos) para o crime. (O Estado) faz a seleção do público-alvo que vai entrar para a criminalidade".
Suspeita de irregularidades suspende serviço na cantina
Na decisão mais recente envolvendo a Pecs, a Justiça determinou a suspensão do serviço e a abertura de investigação na cantina da unidade. A suspeita da juíza Paula Moschen Brustolin Fagundes, que assina a decisão, é de lavagem de dinheiro, além de práticas que possam favorecer a presença de organizações criminosas dentro do presídio.
A decisão é baseada em uma inspeção realizada pela juíza na casa prisional no dia 8 de novembro. Ela argumenta que itens teriam entrado na cantina do presídio sem registro fiscal e tais materiais e alimentos observados por pela magistrada também não constariam na lista de permitidos pela Superintendência de Serviços Penitenciários do Estado (Susepe).
O contrato estipula que a empresa Mais Sabor Alimentos Ltda. forneça produtos diretamente aos presos, com pagamento feito por meio de dinheiro trazido por visitantes. Contudo, a inspeção revelou que o Estado não manteria controle sobre a quantidade e os tipos de produtos fornecidos, nem sobre a circulação do dinheiro dentro do presídio.
Na decisão, a juíza determina o encaminhamento do documento para instauração de inquérito por parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do Sul e também por parte da Polícia Civil. Os órgãos devem também investigar a prática de improbidade administrativa. Em nota, o MPRS informou que acompanha os fatos e foi intimado da decisão pelo Poder Judiciário. "A Promotoria da Comarca, dentro do prazo legal, analisa as medidas a serem tomadas", diz o informe.
Em outro trecho da decisão judicial, a magistrada aponta que servidores da 7ª Delegacia Penitenciária Regional assumam os cargos de direção e chefia da Pecs para que a decisão seja efetivamente cumprida. A justificativa é de que a atual estrutura organizacional "em muito dificulta a realização dos trabalhos". Em nota, a Polícia Penal não informou se pretende realizar trocas nos cargos de direção da penitenciária — veja mais abaixo.
O que dizem os envolvidos
Conforme Pablo Laurindo Garcia Simas, advogado que representa a Mais Sabor Alimentos Ltda, a empresa segue o contrato proposto pela Susepe para operar o serviço.
Questionado pela reportagem se a cantina da casa prisional conta com um colaborador para atender aos apenados, o advogado não soube precisar a informação. Contudo, Simas atribuiu a entrada de produtos irregulares na penitenciária aos processos de fiscalização realizados pela Suspe.
— Nada é vendido sem autorização da casa, até porque não entraria [na penitenciária]. Os agentes penitenciários têm um sistema de filtro que passam todas as mercadorias para ver se há alguma irregularidade — declara.
Simas indicou que essa não é a primeira vez que a empresa responde por supostas irregularidades, e que nas outras vezes conseguiram provar que atuam dentro da legalidade.
— Não é a primeira vez que a gente é demandado para prestar explicações. A cantina é algo que gera muito essa questão da dúvida, até mesmo entre as autoridades. Quando levantaram suspeito, a empresa apresentou todos os documentos que comprovaram a adequação — afirma.
Já a assessoria de imprensa da Polícia Penal do Rio Grande do Sul informou, na segunda-feira, que "recebeu a decisão judicial sobre a suspensão da cantina na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul. Cabe salientar que decisões judiciais são cumpridas pela Instituição e que caberá à Procuradoria-Geral do Estado eventuais discussões sobre o mérito da decisão. Por fim, reafirmamos nosso compromisso com a legalidade dos atos realizados nas unidades prisionais e que auxiliaremos toda e qualquer apuração sobre o referido tema."
Nova cadeia deve aliviar superlotação
Uma nova cadeia anunciada pelo governador Eduardo Leite em setembro deve aliviar a superlotação de presídios da Serra. A penitenciária vai ser erguida em um terreno do Estado ao lado do presídio do Apanhador, no limite com São Francisco de Paula. A previsão é de que o espaço tenha 800 vagas e custe em torno de R$ 120 milhões.
Segundo o governador Eduardo Leite, a expectativa é de que as primeiras movimentações das máquinas vão demorar pelo menos um ano e meio. Enquanto isso, o município também terá que implantar uma rede de água de 10 quilômetros de extensão para atender a localidade.
Não há uma data estimada para que a nova unidade entre em funcionamento.