Após um início de ano desafiador na segurança pública, Caxias do Sul apresentou queda expressiva nos crimes com mortes no segundo semestre, que se acentuou ainda mais desde o fim de agosto. De lá para cá foram três casos entre setembro e outubro, sendo que nenhum deles têm relação com o tráfico de drogas — principal motivador de homicídios no município. A redução expressiva é fruto do trabalho integrado das forças de segurança, que inclui ainda a polícia penal e o Poder Judiciário. Ou seja, como destacam representantes dos órgãos do Estado e da cidade, um combate contra a criminalidade que envolve todo esse sistema.
— Entendo que os resultados positivos alcançados na segurança pública de Caxias do Sul refletem o amadurecimento de um modelo de gestão por resultados, pautado na integração, inteligência e transversalidade. Todo mês nos reunimos com as demais Polícias, o Poder Judiciário, o Ministério Público, o Instituto Geral de Perícias, o Corpo de Bombeiros Militar e a Secretaria Municipal de Segurança para avaliar os indicadores criminais da cidade e reavaliar nossas boas práticas e pontos de atenção — explica o comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), tenente coronel Ricardo Moreira de Vargas.
Vargas acrescenta que a Brigada Militar possui ainda um sistema de inteligência, com compartilhamento de informações com outras corporações para antecipar crimes. O comandante lembra que Caxias está com redução nos índices de roubo a pedestres e roubo a veículos. Até agora, o 12º BPM realizou mais de 2,9 mil prisões em flagrante neste ano, entre todos os tipos de crime.
Já o delegado regional da Serra, Augusto Cavalheiro Neto, avalia que o trabalho integrado passou por grande aperfeiçoamento. O amadurecimento, segundo ele, leva ao resultado significativo desse momento. Quando trata-se dos homicídios, há ainda um protocolo que é seguido e que envolve todos os atores desse sistema. A lógica dessa medida é aumentar as desvantagens aos criminosos, com cada uma das forças fazendo a sua parte.
— A Polícia Civil tem uma elucidação muito alta dos casos de homicídio. Os grupos criminosos se deram conta de que praticar homicídio em Caxias do Sul traz mais desvantagens do que vantagens a eles — explica Neto.
O delegado lembra que o tráfico de drogas costuma operar com a lógica empresarial, em que o lucro é visado. Assim, uma das formas é também dar prejuízos a essas organizações criminosas. Ao mesmo tempo, apenas a Delegacia de Homicídios realizou a prisão de 146 pessoas envolvidas em homicídios neste ano, sejam executores ou mandantes. A repartição atendeu 60 dos casos (situações como feminicídios, por exemplo, tem uma delegacia própria para investigação).
O titular da delegacia, Caio Márcio Fernandes, analisa que o cenário também "é fruto de um trabalho de parceria e um trabalho de alinhamento de percepções e alinhamento de entendimentos com o MP e Judiciário".
Fernandes lembra da troca de informações entre as forças de segurança e aparatos, como as câmeras de monitoramento.
— Isso tudo viabiliza no sentido de que a gente consiga elaborar inquéritos policiais, investigações bem detalhadas, com robustas provas, provas concretas, provas materiais e que praticamente tornam irrefutáveis a imputação da autoria, não só aos executores, mas também aos mandantes — conta.
O delegado recorda ainda que o momento oportuniza para que outros casos mais antigos e que estavam em andamento possam ser elucidados. Apenas neste ano, a delegacia concluiu 140 casos (entram também crimes de anos anteriores). Eles são remetidos ao judiciário. Segundo o delegado, 80% deles elucidados — o que é uma taxa considerada alta.
O cercamento eletrônico
Desde o fim de 2023, Caxias conta com outro reforço importante na segurança pública: o cercamento eletrônico. Feito a partir do Centro Integrado de Operações (CIOp), que reúne policiais militares, civis, guardas municipais e fiscais de trânsito, o monitoramento em vídeo permite além da fiscalização, a identificação de veículos, o que é um ganho importante para uma operação ou investigação. O secretário de segurança pública e proteção social de Caxias, Paulo Roberto Rosa da Silva, lembra que o município está chegando a instalação de 400 câmeras - eram 275 quando o CIOp foi lançado.
— Antes, nós não tínhamos isso em Caxias. Eu falo com tranquilidade isso, porque eu fui delegado regional por muitos anos, que se reivindicava isso e não acontecia. Hoje, nós temos um centro integrado que é modelo do Estado. É o melhor centro integrado que existe no Estado, fruto desse investimento do município — destaca o secretário, reconhecendo também que a redução do índice ocorre graças ao trabalho integrado das forças de segurança, polícia penal e judiciário.
O trabalho realizado no sistema prisional e na Justiça, como destacam os representantes das forças de segurança, também são cruciais para esse combate a criminalidade que está ocorrendo.
No sistema prisional
No sistema prisional, a Polícia Penal reforçou uma série de ações que tem consequências fora da Penitenciária Estadual de Caxias e do Presídio Regional. Como explica a assessoria da Secretaria de Segurança Pública do RS (SSP-RS), foram feitos movimentos como a transferência de apenados que são identificados como lideranças de organizações criminosas. As remoções são para penitenciárias em que esses apenados ficam isolados desse contexto. Ao mesmo tempo, operações de revista geral foram aumentadas.
Outras duas ações são destacadas pelas pasta. Em 2024, segundo a assessoria, todas as decisões judiciais para instalação de tornozeleiras eletrônicas foram solucionadas. Da mesma forma, as guaritas das duas casas prisionais voltaram a ter efetivo da Polícia Penal. Isso fez com que os policiais militares que ficavam ali pudessem retornar para o policiamento nas ruas.
Integração traz um êxito maior
A promotora de Justiça Alessandra Moura Bastian da Cunha, coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas do Ministério Público (MPRS), lembra que após o aumento de homicídios em janeiro e fevereiro em Caxias, em que 32 casos foram registrados nos dois meses, houve o movimento de as forças de segurança, MPRS e Judiciário se reunirem para diagnosticar a situação e quais ações tomar. Alessandra acredita que a aproximação entre os órgãos, que também possibilita uma troca de informações, é decisiva para uma tomada certeira de medidas.
— No momento em que há uma integração entre as polícias, que passa pela Polícia Militar, pela Polícia Civil e pela própria Polícia Penal, que também é muito valiosa nesse momento - porque parte desses delitos eles estão relacionados ao sistema prisional, quando existe essa integração, inclusive dos setores de inteligência dessas polícias, e essa integração passou a acontecer de uma forma bem mais efetiva. Então, a partir desse movimento de março, a chance de êxito nas identificações, ela aumenta muito — relata a promotora.
Levando a júri
Na 1ª Vara Criminal de Caxias do Sul, os juízes Mauro Peil Martins e Thiago Dias da Cunha procuram dar celeridade aos processos. Cada um realiza duas audiências e dois júris por semana. Nos últimos 12 meses foram mais de cem júris. Para os magistrados, o trabalho integrado tem se mostrado eficiente, especialmente na identificação de autores e mentores dos homicídios ligados ao tráfico de drogas.
Como os juízes explicam, o Brasil como um todo tem um "problema crônico" quando se trata dessa investigação por conta do funcionamento do crime organizado, o que dificulta chegar até os responsáveis. Mas, em Caxias, o trabalho integrado tem se mostrado eficaz. Um exemplo é a quantidade de prisões e inquéritos realizados pela Delegacia de Homicídios neste ano.
Cunha liga ainda o trabalho integrado a uma análise comportamental do direito, em que uma consequência punitiva pode reduzir a reprodução de determinado comportamento:
— Na prática aqui em Caxias, nós estamos sendo um laboratório a céu aberto. Então, você tem com a atuação da polícia, os pedidos de prisão preventiva, os júris sendo realizados, com casos em que há condenação - a imprensa também tem um trabalho muito bom nisso, da prevenção geral, de levar o conhecimento da comunidade de que está havendo uma resposta para os crimes graves. Então, para quem se inferir essa teoria da análise comportamental do direito, tudo isso leva à redução de determinado comportamento que recebe uma consequência punitiva.
Martins também recorda que os dois juizados da 1ª Vara Criminal também estão com a pauta em dia. Caxias chegou a ficar quase cinco anos sem um magistrado titular na repartição, o que fazia acumular processos.
— Viemos tocando e diminuindo. Hoje, nós temos poucos processos que estão na primeira fase do júri, que é definir se o réu deve ou não ser levado a júri popular — conta o magistrado.
Os números
Neste ano, em Caxias do Sul, são 67 casos com mortes até esta quinta-feira (7). São contabilizados homicídios, feminicídios, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e aborto. Os meses de janeiro e fevereiro registraram quase a metade desse índice: 32 homicídios. Os casos eram relacionados principalmente ao tráfico de drogas.
Entre os semestres, como explica o delegado regional Augusto Cavalheiro Neto, a redução pode ser vista de forma mais clara. No primeiro semestre foram 56 casos. Enquanto, até aqui, são 11. Em comparação com o mesmo período do ano passado, já é uma redução de 21%.
Dos três casos que ocorreram nos últimos dois meses, um é um feminicídio, outro foi um homicídio - sem ligação com o tráfico, e o terceiro caso foi na quarta-feira (6), que envolveu um confronto com a polícia após um assalto em Farroupilha.
Mais ações ocorrendo
Como todos os representantes entrevistados destacaram, o trabalho continua e focado em todas as áreas da segurança. Há mais ações em andamento, inclusive. Conforme o tenente coronal Ricardo Moreira Vargas, do 12º BPM, o batalhão está recebendo mais cem policiais militares. Com isso, dois núcleos de Policiamento Comunitário em Caxias do Sul serão reativados, além da criação da nova Companhia do 12° BPM, sediada na zona leste do município, que é considerado um ponto estratégico para a Brigada Militar no município.
O comandante lembra ainda que junto ao trabalho diário, que hoje conta também com tecnologias como Inteligência Artificial (IA) para operações de inteligência em busca de drogas, armas e foragidos, há mais medidas importantes que foram realizadas em 2024. Algumas, implantadas neste ano, como a criação das Áreas de Segurança Prioritárias (ASP), que trazem policiamento ostensivo por 24 horas, a reativação do policiamento rural e do policiamento comunitário. Além disso, os policiais militares seguem com ações como a Operação Cerco Fechado, que visa autores de homicídios, mandantes e líderes de grupos criminosos.
Já o município, como lembra o secretário de segurança pública, Paulo Roberto Rosa da Silva, também instalou torres de segurança em três paradas de ônibus, além do monitoramento nas estações de transbordo. As torres possuem um botão de emergência, que em caso de alguma situação, as pessoas podem apertar e acionar Brigada Militar ou Guarda Municipal.