Muitas mãos conduziram o 12º Batalhão da Brigada Militar, em Caxias do Sul, nestas cinco décadas de atuação, completadas neste mês de setembro. Para contar a trajetória de 50 anos do Doze, como o batalhão é carinhosamente chamado, conheça algumas histórias, como os primeiros comandantes, a primeira turma de mulheres formada no município e o casal que percorreu mais de 3 mil quilômetros, desde Aracaju (SE), para trabalhar na polícia militar em Caxias.
Conheça também o tenente-coronel da reserva Carlos Roberto Noll, 72 anos, as pioneiras Adriana Pacheco da Silveira, 52 anos, Dione Rodrigues da Silva, 55, e Roseli Navarini, 55. E o casal Breno Lucas Carvalho Gomes, 30, e Larissa Batista Solaris Gomes, 31.
"Sócio fundador do Doze"
A Brigada Militar no Rio Grande do Sul começou em 1837. Em Caxias do Sul, as forças policiais foram companhias e pelotões de outros batalhões até 9 de setembro de 1974, quando os primeiros 299 soldados iniciaram as atividades no 12º BPM em um pavilhão na Rua Visconde de Pelotas. O primeiro comandante, Jorge Auri Campos da Silva (in memoriam) e o sub Claudio Araújo Nunes foram nomeados.
Dois meses depois, chegou a Caxias o aspirante Carlos Roberto Noll, aos 21 anos, que foi o 11º comandante, em 1997, acompanhando o início do batalhão e a criação de companhias que complementam o trabalho da BM. Por isso, ele brinca que foi um "sócio fundador do Doze". Noll é natural de Montenegro e conheceu a BM em um baile de debutantes, onde os cadetes da época dançavam a valsa na festa de gala. Ele ingressou na academia da BM em Porto Alegre em 1970 e formou-se no final de 1974, vindo em seguida para Caxias do Sul. O primeiro trabalho foi instruir novos soldados.
— Naquela época, acredito que Caxias tinha no máximo 80 mil habitantes, a cidade acabava no mato Sanvitto, onde hoje é o Shopping Villagio. Foi um começo ótimo, fui o primeiro comandante do pelotão especial, que hoje é o Choque, então chegamos já trabalhando — relembra Noll.
De 1976 até meados de 1990, o ex-comandante do Doze trabalhou em outros municípios da Serra e da Região Metropolitana, sempre com a intenção de atuar no policiamento. Mas, devido à formação em Ciências Contábeis, acabava sendo nomeado para cargos administrativos. A partir da década de 1990, após uma reformulação do Doze, criou-se em Caxias do Sul a 1ª Companhia, que seria responsável pelo policiamento ostensivo na área central. Noll foi o primeiro comandante da companhia, auxiliando na construção do módulo no Parque dos Macaquinhos e no recebimento da primeira turma de mulheres.
A chegada da mulher completou a Brigada, porque a mulher tem observação maior e boa relação com a sociedade
EX-COMANDANTE DO 12º BPM, CARLOS ROBERTO NOLL
Além disso, foi um dos idealizadores do canil. O animal de estimação dele, um cachorro da raça pastor alemão, foi o primeiro cachorro a integrar o espaço. Como já era adestrado, serviu de exemplo aos demais que chegaram.
Noll foi o 11º comandante a assumir o Doze e se aposentou como tenente-coronel, aos 46 anos, em 1997. Durante o período de atividades, presenciou diversas mudanças, desde a comunicação feita por telégrafo, a instalação do rádio amador e o rádio FM para comunicar-se com as equipes nas viaturas. Diz que a instalação da sala de operações foi uma das evoluções de maior importância. Assim como a chegada do colete à prova de balas também — no início, os policiais usavam chapas de raio X em algumas ocorrências que necessitavam maior segurança.
— Meu trabalho foi ainda antes do boletim de ocorrência, essa inovação tecnológica eu não acompanhei no serviço militar. No meu tempo, tinha que levar o preso ou registrar qualquer ocorrência direto na 2ª Delegacia, que ficava na Rua Treze de Maio — relembra.
Noll é casado e tem dois filhos. Para ele, os 50 anos do Doze se misturam à sua história de vida.
Após a aposentadoria na Brigada Militar de Caxias, trabalhou por 12 anos no executivo municipal. Nas gestões de José Ivo Sartori (2005 a 2012) e Alceu Barbosa Velho (2013 a 2016), integrou a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (STTM). Foi o responsável pelo início dos agentes de trânsito, função que até então era feita pela polícia militar e, devido à mudança de legislação, o trânsito virou responsabilidade do município.
Mulheres ocupam espaço
A primeira formatura de soldados femininas do 12º Batalhão foi no chuvoso 22 de maio de 1992, nos Pavilhões da Festa da Uva. Antes delas, mulheres já estavam inclusas na BM, mas o curso ocorreu em Porto Alegre e, em 1991, o primeiro grupo veio a Caxias do Sul para trabalhar na segurança Festa da Uva e no policiamento ostensivo, conforme registros no livro Doze: Memórias de Um Batalhão de Caxias do Sul, organizado pelo escritor Charles Tonet com publicação pela Kallós Editora Multimídia.
Pioneiras, Adriana Pacheco da Silveira, 52, Dione Rodrigues da Silva, 55, e Roseli Navarini, 55, estavam no grupo de 44 mulheres. Segundo elas, do número iniciante, 42 concluíram a formação. O grupo se reúne até hoje, promovendo encontros, viagens e participando de atividades para demonstrar o pioneirismo feminino militar. Nestes 50 anos, duas policiais faleceram.
Adriana é natural de Caxias do Sul, atuou de 1991, quando tinha 18 anos, até 2015. É esposa de brigadiano e tem dois filhos. Dione é natural de Cambará, mas mora em Caxias desde o primeiro ano de vida. Entrou na BM aos 22 anos, depois casou com um bombeiro militar e tem um filho. Já Roseli é natural de Cacique Doble, e também ingresso na corporação aos 22 anos. Após, casou-se com um servidor público que conheceu durante atendimento de uma ocorrência. O casal não tem filhos.
Elas contam no início sofreram dificuldades e preconceito. O trabalho na Brigada Militar na época não era igualitário, devido ao pensamento de que o grupo feminino não teria a mesma capacidade do masculino. Com isso, na época, após formadas, a primeira oportunidade que as policiais militares tiveram foi para trabalhar na patrulha escolar. Faziam o policiamento ostensivo no entorno de escolas, participavam de eventos e desfiles. A mulher militar não dirigia viaturas e até chegavam a passar muito frio porque a vestimenta não era adequada.
— Nossa farda era uma calça-saia, uma saia até o joelho que tinha costura no meio das pernas. Não tinha calça no inverno, a gente passava frio porque era a saia com bota, nem todas tinham bota, às vezes usava meia calça e sapatilha. Na parte superior, era uma blusa fina. Após anos é que tivemos a possibilidade de usar uma blusa mais quente por baixo — recorda Adriana.
Aos poucos foram conquistando espaço no trabalho noturno e outros cargos. Dione, em 1993, saiu da patrulha escolar e foi a primeira a se habilitar para dirigir viaturas. A partir daí ela começou a ir para as ruas e ficou no patrulhamento até se aposentar, em 2015. Dione nunca baixou a cabeça para as dificuldades, tanto que é a única mulher do 12º batalhão habilitada para dirigir ônibus. Diz que a persistência foi a palavra que sempre a moveu.
Adriana saiu da patrulha escolar em 1994 para o setor administrativo da corporação. Tinha curso de datilografia, capacitação que lhe permitiu transcrever boletins e passar no mimeógrafo (uma máquina de fazer cópias que usava álcool para dissolver a tinta da folha estêncil). Ao longo dos anos, participou de um projeto sobre educação no trânsito nas escolas de Caxias. Entre idas e vindas, encerrou a carreira no administrativo da companhia.
Já Roseli saiu da patrulha escolar e passou a trabalhar com o policiamento ostensivo, na segurança do presídio de Caxias, no Case e depois foi para a sala de operações do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), onde concluiu a carreira militar em 2015.
— Eu me recordo de ficar nervosa em frente ao rádio repassando as ocorrências. Em casos mais perigosos, eu ficava em pé, até pulando. Tinha uma folha enorme onde eu colocava cada ação das viaturas, para onde elas estavam se deslocando, era adrenalina — relembra Roseli.
As três ficam felizes em reconhecer que deixaram um legado de garra e persistência às demais policiais femininas. Segundo elas, atualmente, sentem orgulho sempre que enxergam policiais fardadas pelas ruas, de batom e de unhas pintadas, demonstrando a feminilidade. Isso não era possível no início da carreira militar, numa época em que nem podiam ser casadas e ter filhos.
Para elas, os 50 anos do 12º Batalhão representam amadurecimento pessoal e profissional. Onde entraram meninas e saíram mulheres com experiência e reconhecimento.
— Trabalhei sempre no Doze, para mim isso é tudo, conquistei amizades, me tornei pessoa pública graças à Brigada, conheci lugares. Hoje eu olho e agradeço, nem sabia o que era um concurso público, então caiu a ficha, tudo que eu tenho até hoje é graças à BM — complementa Dione, emocionada.
De Aracaju (SE) para Caxias
O 12º Batalhão também atrai pessoas de todos os lugares do Brasil que sonham em seguir carreira militar. Por exemplo, o casal Breno Lucas Carvalho Gomes, 30 anos, e Larissa Batista Solaris Gomes, 31, trocou Aracaju, Capital do Sergipe, no nordeste, por Caxias há cinco anos. São os policiais que atuam no Doze de origem mais distante — os dois municípios estão separados por mais de 3 mil quilômetros, e uma viagem de carro leva mais de 40 horas.
A história do casal de sotaque leve e simpático é entrelaçada à profissão. Breno e Larissa começaram a namorar graças ao concurso militar no Rio Grande do Sul. Gomes cresceu com outros três irmãos, e os pais sempre incentivaram a fazer concursos Brasil afora:
— Lá em Aracaju não há empresas investindo e oportunidade de emprego. Por isso, a grande maioria dos nordestinos estuda para concursos. Na minha família, minha irmã trabalha concursada no Tribunal de Justiça de Manaus e meu irmão é também policial militar em Minas Gerais, fomos criados com esse pensamento de ser concursados para crescer — diz.
Já Larissa vem de uma família que também preza pela oportunidade de crescimento. Os pais e os avós moram próximos na região da Grande Aracaju. Formou-se em Psicologia, mas, devido à falta de oportunidade na cidade natal, ingressou nos concursos pelo nordeste. Larissa tem só um irmão mais velho.
Entre uma prova e outra em diversas cidades brasileiras, Larissa e Gomes souberam do concurso militar no Rio Grande do Sul, em 2019. Vieram separadamente para fazer a prova teórica e ambos passaram. Na primeira fase do concurso, conta Larissa, foi criado um grupo de WhatsApp com todos os participantes que iriam para as próximas etapas.
— Eu, olhando o grupo, vi o DDD 79 e puxei conversa por ele ser de Aracaju também. Ali começamos a conversar. A gente ia e vinha a cada etapa do concurso, mas nos conhecemos pessoalmente só na segunda etapa e nos tornamos amigos. Na terceira etapa começamos a ficar e na quarta já viemos namorando — brinca ela.
Mais tarde, o casal descobriu que na cidade de origem moravam há poucos quilômetros, tinham amigos em comum e uma prima de Larissa havia estudado na mesma sala de aula que Breno na adolescência.
O casal fez o curso preparatório em Lajeado e, após formados, em agosto de 2019, se mudou para Caxias do Sul. Em ambas as cidades, segundo Gomes, foram bem recebidos e isso tem ajudado na distância da família. No sul do país, nenhum dos dois tem familiares próximos, sendo um a rede de apoio do outro. Agora que eles têm um filho pequeno, Brian, 2 anos, e a rotina mudou, por estarem tão longe da família, pois pesa um pouco pela quantidade de atribuições.
Gomes trabalha no policiamento ostensivo do 12º Batalhão, fazendo horários por escala. Já Larissa, pela maternidade, saiu do policiamento de rua e está no administrativo da companhia. Essa troca auxiliou a família no cuidado com o filho e na possibilidade de colocá-lo em uma escolinha. Larissa, além de soldado, é "um pouco psicóloga" dentro da corporação. Participa do Projeto Anjos, onde integrantes da BM passam por capacitações para identificar colegas que estão passando por situações difíceis e tendo atitudes suicidas. Nesta percepção, ouve o colega e o encaminha ao atendimento médico especializado dentro do Doze.
O casal complementa que a qualidade de vida em Caxias do Sul e o bom trabalho no Doze são as motivações que os mantêm no município. Segundo eles, em comparação com a cidade natal, Caxias tem maior segurança e proporciona que o filho brinque na rua, além de possibilidade de crescimento profissional dentro da corporação. Ambos relatam que sentem orgulho de participar da história dos 50 anos do Doze.
— Fomos muito bem acolhidos aqui, somos respeitados e temos facilidade diante da estrutura que o Doze tem. É uma sensação de pertencimento. A gente quer crescer aqui — afirma Gomes.