A Justiça do Rio Grande do Sul condenou o Hotel Travel Inn Axten, de Caxias do Sul, a indenizar um hóspede que entrou com ação civil após ter sofrido discriminação racial por parte da equipe. A decisão é de primeira instância, portanto, o hotel pode recorrer. A sentença do juiz Silvio Viezzer foi publicada na última quinta-feira (17). O caso é de outubro de 2021.
A Rede Travel Inn, por meio de nota, informou que "embora a decisão judicial de primeira instância tenha determinado uma indenização ao hóspede, é importante observar que o processo criminal referente ao suposto incidente de discriminação racial foi arquivado por falta de provas que sustentassem a acusação" (veja a íntegra abaixo).
Na decisão, o juiz lembra que o hóspede, o consultor comercial Neferson Martins, um homem negro, que na época tinha 28 anos, teve a privacidade invadida. Essa invasão, segundo o magistrado, ocorreu quando funcionários do hotel entraram no quarto em que Martins estava hospedado e abriram as malas dele sob a alegação de que ele estaria furtando objetos. O hóspede também foi expulso do hotel, atos que o juiz entendeu que ocorreram por discriminação:
"A forma como foi ele expulso do hotel e a invasão de sua privacidade quanto a residência (quarto do hotel) por certo não teria ocorrido se as "supostas infrações ao regramento do hotel" tivessem sido praticadas por pessoa com outro "status" social, quiçá empresário, político, servidor público ou alguém que se apresentasse como pessoa de boa instrução. O agir dos prepostos foi incorreto e discriminatório, tendo em conta ser o autor uma pessoa negra." — citou o juiz, na decisão.
O magistrado condenou o hotel a pagar uma indenização ao hóspede por danos morais.
"Dano moral puro, uma vez que atinge a dignidade da pessoa humana no seu sentido mais amplo. Os efeitos danosos são dor, tristeza, constrangimento, humilhação, vexame, opressão, que advém de uma ofensa injusta, que agride intensamente a condução da vida", explicou o juiz.
O que diz a defesa do hóspede
O advogado que representa Neferson Martins, Felipe Alves, afirma que o valor da indenização não será divulgado para resguardar a segurança do cliente.
— O que posso dizer é que a condenação indenizatória cumpre a expectativa de punir o hotel pela prática de discriminação racial ao mesmo tempo que dá um caráter pedagógico para não ocorrer mais. Esse processo traz uma mensagem para a população negra e também para as empresas estarem atentas que atitudes racistas não serão toleradas em um estado democrático de direito — frisou o advogado.
O que diz o hotel
A reportagem entrou em contato com o hotel por telefone na manhã desta terça-feira (22). À tarde, o estabelecimento enviou nota sobre o caso, na qual diz ainda não ter se inteirado do conteúdo da decisão civil. E defende-se, frisando que o processo criminal referente ao caso já foi arquivado. Confira a íntegra:
"A Rede Travel Inn tem o propósito de fornecer esclarecimentos sobre o alegado incidente de discriminação racial que teria ocorrido com um hóspede no Hotel Travel Inn Axten Caxias do Sul. Embora a decisão judicial de primeira instância tenha determinado uma indenização ao hóspede (ação civil essa que diz respeito a outras circunstâncias ligadas ao período em que o autor estava hospedado nas dependências do hotel), é importante observar que o processo criminal referente ao suposto incidente de discriminação racial foi arquivado por falta de provas que sustentassem a acusação.
A Rede Travel Inn não teve acesso ao conteúdo da decisão judicial da ação civil e, consequentemente, ainda não teve a oportunidade de considerar a possibilidade de recurso. Continuamos comprometidos em garantir que todos os nossos hóspedes sejam tratados com igualdade e profissionalismo.".
Relembre o caso
Neferson Martins é baiano, de Feira de Santana, e estava na Serra em 2021 para prestar consultoria a uma multinacional. Ele desembarcou em Caxias do Sul no dia 8 de outubro e estava com a reserva paga até o dia 31. A expulsão do hotel ocorreu em 26 de outubro, quando Martins regressou do trabalho e afirmou ter encontrado um funcionário do hotel dentro do seu quarto, mexendo na mala dele sem autorização. O consultor foi até a recepção para reclamar e admitiu que estava nervoso. A discussão e a expulsão foram filmadas pela vítima, que as divulgou nas redes sociais.
— Eu falei que não iria me retirar, o chefe de segurança disse que ele mesmo iria tirar as minhas coisas do quarto — relatou, na época, à reportagem.
O consultor decidiu ir até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Quando retornou ao hotel da rede Travel Inn, a mala dele estava no saguão.
— Ninguém me explicou nada, não fiz checkout. Abri minha mala e as roupas estavam dentro de um saco de lixo. Eles acionaram policiais para que eu pudesse ir até o quarto ver se tinha mais algo dos meus pertences. Os policiais subiram juntos e filmaram a situação — relatou ele, na ocasião.
Martins trocou de hotel junto de outros cinco colegas de empresa. Segundo o consultor, os companheiros de trabalho foram convidados a permanecer no Axten, mas se recusaram. À polícia, o hotel justificou o que fez, alegando que o hóspede foi notificado por não respeitar as medidas preventivas de combate à pandemia de covid-19.
Eles também relataram que ele fumava no quarto, causou danos ao patrimônio do hotel e violava normas, como levar alimentos do café da manhã para o quarto. O estabelecimento também alegou que o hóspede furtou objetos, como copos e toalhas. Ao longo da investigação, a polícia constatou as notificações feitas ao hóspede. Também não foi esclarecida a razão de o hotel ter optado por invadir a privacidade do hóspede ao invés de procurar a polícia:
"Ora, se haviam fundadas suspeitas de que o autor estava cometendo crimes em prejuízo do patrimônio do hotel, antes de tomar qualquer providência deveria ter promovido o registro da ocorrência policial para a apuração dos fatos", concluiu o juiz Silvio Viezzer.