O consultor comercial Neferson Martins, de 28 anos, registrou, na última terça-feira (27), uma ocorrência relatando ter sido vítima de preconceito racial em um hotel de Caxias do Sul. Segundo o relato aos policiais, Martins afirma que foi expulso do hotel Axten, da rede Travel Inn, sem motivo declarado, mesmo com a estadia paga até o final do mês. Por comunicado, a Travel Inn afirma que "não constatou discriminação nas suas dependências" e colaborará para a elucidação do ocorrido.
Martins é baiano, de Feira de Santana, e veio para a Serra prestar consultoria a uma multinacional. Ele desembarcou em Caxias do Sul no dia 8 de outubro e estava com a reserva paga até o próximo domingo (31). Contudo, foi expulso do hotel nesta terça.
— Eles (funcionários do hotel) se incomodaram com a minha presença, um cara preto em hotel frequentado por grandes executivos — afirma o consultor comercial.
Martins relata que notou um tratamento diferente nas dependências do hotel desde a primeira semana de estadia. Ele afirma que o quarto em que estava hospedado não era arrumado e que suas toalhas e lençóis não eram trocados. Os itens de higiene, segundo ele, eram apenas retirados sem reposição. Desta forma, o consultor afirma que precisava ligar diariamente à recepção solicitando itens básicos, incluindo papel higiênico.
— Percebi que o tratamento comigo era diferente, os olhares eram diferentes. Eu não podia usar as mesas (no restaurante) porque sempre estavam reservadas. O serviço de quarto não existia para mim. Faltava toalha de chão, de banho, lençol e cobertores — relata.
Diante da situação, Martins afirma que, depois que solicitava à recepção, guardava os itens básicos junto aos seus pertences para não ficar sem.
A expulsão do hotel aconteceu na terça-feira, quando Martins regressou do trabalho e afirma ter encontrado um funcionário do hotel dentro do seu quarto, mexendo em sua mala sem autorização. O consultor foi até a recepção para reclamar. Admite que estava nervoso. A discussão e a expulsão foram filmadas pela vítima, que as divulgou na sua rede social.
— Eu falei que não iria me retirar, o chefe de segurança disse então que ele mesmo iria tirar as minhas coisas do quarto— relata Martins.
O consultor decidiu ir até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Quando retornou ao hotel da rede Travel Inn, sua mala estava no saguão.
— Ninguém me explicou nada, não fiz checkout. Abri minha mala e as roupas estavam dentro de um saco de lixo. Eles acionaram policiais para que eu pudesse ir até o quarto ver se tinha mais algo dos meus pertences. Os policiais subiram juntos e filmaram a situação — conta Neferson, que continua:
— (Os policiais) Pediram para abrir minha mala e ver se tudo estava lá. As roupas estavam reviradas — reclama.
Martins trocou de hotel junto de seus cinco colegas de empresa. Segundo o consultor, os companheiros de trabalho foram convidados a permanecer no Axten, mas se recusaram.
O boletim de ocorrência foi registrado, conforme o relato da vítima, como "preconceito raça cor". O caso foi repassado à 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP). Segundo a delegada Thaís Sartori Postiglione, a partir de agora o inquérito irá apurar se a conduta de algum funcionário do hotel se enquadra na lei de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. As pessoas envolvidas estão sendo identificadas e chamadas para prestar depoimento na delegacia. Como a investigação ainda está em fase inicial, a delegada evita comentar sobre os fatos narrados e diz que não tem previsão para a conclusão do inquérito.
Diante da repercussão do episódio, a Travel Inn divulgou uma nota em suas redes sociais nessa quarta-feira (27). O comunicado afirma que a empresa "não constatou discriminação nas suas dependências" (leia nota na íntegra abaixo). A reportagem entrou em contato com a equipe do hotel Axten por telefone na manhã desta quinta-feira (28), contudo, a gerência não retornou até a publicação desta matéria.
Leia o comunicado na íntegra:
"O Hotel Travel Inn Axten Caxias do Sul, em seus procedimentos internos de controle, não constatou a prática de discriminação em suas dependências, de sorte que levou o fato ao conhecimento das autoridades públicas por meio de registro de ocorrência policial e seguirá colaborando para a correta elucidação do episódio. A rede Travell Inn repudia e não autoriza a prática de qualquer tipo de discriminação, trabalha com a inclusão social e o respeito à diversidade. A Direção."
Expulsão precisa ser justificada, diz Procon
Se houve ou não discriminação racial no caso de Martins, a investigação caberá à Justiça, no entanto, sobre a relação de consumo, o coordenador do Procon, Jair Zauza, afirma que é preciso que o hotel tenha uma justificativa para expulsar um hóspede.
— É um contrato existente e o o hotel precisa apresentar um motivo. Pode ser o descumprimento de regras, mas precisa esclarecer e justificar esta regra. O hóspede dever ser comunicado e ser feito o acerto financeiro dos dias utilizados. Se foi pago antecipadamente, o hotel tem que devolver o valor dos dias restantes da reserva. O certo seria comunicar a expulsão e o hóspede sair por conta própria. Invadir o quarto (do hóspede), em uma situação genérica, me parece ultrapassar os limites permitidos, se assemelha a uma invasão de domicílio. O consumidor não perde os direitos só porque o hotel decidiu expulsá-lo — aponta Zauza, que diz ainda que a expulsão de hóspedes é uma situação muito incomum.
Em casos como o relatado por Martins, o hóspede deve procurar a Polícia Civil e o Poder Judiciário, segundo o coordenador do Procon:
— Nossa competência é só se for um caso de consumo e, nessa situação, iremos cumprir nosso papel de intermediar a relação.