O número de medidas protetivas concedidas em 2022 na Serra foi o maior dos últimos quatro anos, segundo o Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul. Dados mostram que em 2019 foram aplicadas quase 10 mil medidas na região. Em 2020, primeiro ano de pandemia, houve redução, com cerca de 8 mil documentos. Mas a procura por ajuda vem subindo e chegou a mais de 13 mil no ano passado, crescimento de 46% em relação ao ano anterior (ver quadro abaixo). É como se a cada 40 minutos, uma mulher buscasse auxílio das autoridades para evitar ser morta ou agredida.
O levantamento abrange 16 comarcas da região, o que inclui municípios como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha e Flores da Cunha.
Os números também mostram que só em janeiro deste ano, as medidas protetivas praticamente dobraram em relação ao mesmo mês de 2022: de 759 para 1.490 na região.
Esse meio jurídico de pedir ajuda é fundamental para proteção de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A medida prevista pela Lei Maria da Penha e busca preservar a vítima de agressões físicas, psicológicas, morais e patrimoniais, mantendo o agressor afastado. É possível pedir a medida em delegacias, no Ministério Público ou na Defensoria Pública.
Diante da gravidade, a lei prevê que a resposta a esse pedido chegue em, no máximo 48 horas. Contudo, um projeto de lei aprovado na Câmara nesta semana pretende agilizar a concessão das medidas. O texto aguarda sanção presidencial e prevê que medidas protetivas de urgência sejam concedidas no momento da denúncia da mulher à autoridade policial. A lei também deve garantir o documento independentemente de boletim de ocorrência ou inquérito policial e permanecer ativo enquanto houver risco à vítima ou a seus dependentes.
— Ela (a medida) é bastante importante para fixar um ponto em que essa segurança passa a ser verificada e fiscalizada. Nós temos meios de fiscalização da medida e, com base nela, se o agressor descumprir, é possível que seja feita uma nova ocorrência por descumprimento de medida. Nesse caso, o agressor possivelmente será preso, será requerida uma prisão com relação a esse descumprimento, e à prática de novos crimes que ele pode estar praticando — diz a delegada Thalita Giacometti Andrich, que responde pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) em Caxias do Sul.
Sobre a alta dos números, a policial faz uma ponderação:
— A gente pode falar também tanto que a violência aumentou, mas também os registros aumentaram agora em razão dessa diminuição, desse encerramento (das restrições) da pandemia, e a retomada das pessoas com suas atividades normais. Saindo às ruas, indo para o trabalho, para as escolas, para as UBSs, que são porta de entrada dos registros e das solicitações dos pedidos de ajuda — frisa Thalita.
"Se não fosse a Maria da Penha, nem estaria aqui"
Um dos exemplos práticos da importância das medidas preventivas é o trabalho desenvolvido pela Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar (BM). A equipe atua há oito anos em Caxias do Sul. Nesse tempo, nenhuma das vítimas acompanhadas foi alvo de feminicídio. A unidade monitora os casos considerados mais graves, conforme apontamento da Justiça.
Uma das mulheres monitoradas pela equipe relata que violência e ameaças eram parte da rotina ao lado do ex-companheiro. O homem só se afastou após determinação da Justiça. Com a medida, a vítima passou a ser o olhar atento da patrulha.
— Ele (agressor) prometia botar fogo na casa, prometia matar, prometia isso, aquilo, então dava medo. Se não fosse a Maria da Penha, acho que nem estaria aqui mais — conta a mulher.
A sensação de segurança também é compartilhada por outra vítima, que recebe visitas recorrentes dos policiais militares.
— Às vezes saio de casa, fico já pensando "será que ele vai estar lá na esquina esperando? Será que está me espiando?" Daí pelo menos assim eu saio, já sei que se eu chamar, eles (Patrulha Maria da Penha) vão vir.
A soldado Catiele de Carvalho, integrante da Patrulha, reforça que toda vítima precisa se conscientizar e procurar ajuda para evitar um desfecho pior:
— A gente entende que a mulher, na maioria das vezes, não acredita que aquele companheiro pode ser capaz de vir a cometer feminicídio porque, enfim, foi alguém que ela conheceu que é o pai dos filhos dela, que no começo foi muito bom, foi maravilhoso. E ela acredita que, com boletim de ocorrência, vai prejudicar e acaba não registrando. Infelizmente, às vezes, acaba acontecendo a situação de feminicídio e não havia um boletim de boletim de ocorrência, não havia solicitação de uma medida protetiva.