O crescimento dos casos de estupro desafia autoridades e serviços de proteção e prevenção nas duas cidades mais populosas da Serra. Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) indicam que os crimes sexuais contra mulheres aumentaram 90% em Bento Gonçalves e 20% em Caxias do Sul.
Os números são um alerta para a região. Em 2022, foram 31 casos entre janeiro e junho deste ano em Caxias contra 26 no mesmo período do ano passado. Já em Bento Gonçalves, o número saltou de nove para 17, quase o dobro, também considerando o mesmo recorte temporal.
Especialistas lembram ainda que o número, aliás, está longe de retratar a realidade, uma vez que muitas vítimas sofrem caladas e não denunciam a violência, sendo que outras ainda são muitos jovens e nem sempre sabem como pedir ajuda.
A quantidade de casos em Bento Gonçalves chama atenção. Para a delegada Deise Salton Brancher Ruschel, o cenário também é resultado de ações de conscientização, o que estaria fazendo com que mais vítimas denunciassem os agressores.
— Dos casos de estupro, diria que metade é referente a mulheres e metade é de estupro de vulnerável (menos de 14 anos). Nós temos trabalhado a prevenção e a importância de denunciar. Trabalhamos a questão das crianças nas escolas para elas revelarem quando são vítimas de violência. Esse aumento é fruto disso também, por isso nós esperávamos que acontecesse o aumento, e em relação às mulheres ocorre o mesmo.
A cidade já teve, neste ano, cerca de mil boletins de ocorrências de variados delitos em que mulheres figuram como vítimas. Como a delegacia também investiga crimes contra crianças e adolescentes, não há um detalhamento de quantos casos são de violência contra mulheres adultas. Ela ressalta que normalmente o ano se encerra com cerca de 1,5 mil ocorrências gerais, então a tendência é que os números aumentem nesse ano.
O número de mulheres agredidas também subiu na cidade enquanto os casos de ameaça e vias de fato (brigas) diminuíram:
— O aumento de registros não significa necessariamente que aumentou a violência, mas que um número maior de mulheres está buscando ajuda. Elas estão vindo até a delegacia. Os casos chegam mais graves com o aumento das lesões corporais, que significa que elas estão aguentando mais antes de registrar, e resolvem vir a delegacia quando são feridas, e muitas conseguem partir para uma nova vida.
Para ela, o ponto positivo é que ela não estão mais sofrendo caladas.
— Elas decidiram romper o ciclo de violência, porque em mais de 95% dos casos que atendemos, quando elas registram o boletim de ocorrência, não foi a primeira vez que foram vítimas de agressão.
Mortes violentas
O levantamento da SSP sobre a violência contra mulheres também traz outros dados. Enquanto houve queda de homicídios no Rio Grande do Sul, os feminicídios cresceram 12%, com 55 mortes nos primeiros seis meses deste ano, seis a mais que no ano passado. Na maior cidade da Serra, o número de assassinatos de mulheres também é superior ao total registrado de janeiro a junho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
Em 2021 , duas mulheres foram assassinadas pelas mãos de homens com quem tinham relacionamentos. Neste ano, até junho, já foram registrados quatro assassinatos do tipo na cidade, segundo dados do governo do Estado. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), no entanto, afirma que foram três mortes.
Já o número de mulheres agredidas que procuraram a policia caiu em Caxias do Sul, sendo que neste ano foram 274 ocorrências contra 293 em 2021. Em Bento Gonçalves, a situação foi inversa: em 2022 foram 136 ocorrências de lesão corporal, e em 2021, 96 mulheres foram agredidas na cidade, onde não foram registrados feminicídios. O levantamento dos Indicadores da Violência Contra a Mulher da Secretaria Estadual da Segurança Pública (disponível no site ssp.rs.gov.br) foi atualizado na quinta-feira (14).
Além disso, já foram registrados 1.783 boletins de ocorrência em Caxias. Para combater os números, a Deam tem intensificado os pedidos de prisão preventiva. Nesses seis meses, já foram protocolados mais de 50 pedidos de prisão preventiva devido ao descumprimento de medidas protetivas. A Polícia Civil também participa e incentiva a participação das vítimas em campanhas de prevenção para combater e prevenir os feminicídios.
Desafios da rede: ajudar a romper o clico de violência
A rede de proteção para acolher vítimas é essencial para mudar a realidade de mulheres que convivem com a violência em casa e não tem a quem recorrer. Uma das maneiras é o atendimento especializado nas coordenadorias e nos centros municipais de referência.
Entre as ações realizadas, estão palestras e atividades em escolas e postos de saúde. Essas ações levam informações sobre a rede de proteção para que as vítimas saiam desse ciclo de violência. Nas conversas, elas recebem informações mostrando os primeiros sinais, os tipos de violência, onde e como buscar ajuda e a importância de denunciar.
Em Bento Gonçalves, no Centro de Referência Revivi, até o final de junho foram realizados 900 atendimentos e, nos 12 meses do ano passado, foram 1.528. Por isso, a titular da Coordenadoria da Mulher e do Centro, Patricia Da Rold, acredita que o número do ano passado será superado em 2022:
— Já era esperado porque com a pandemia tivemos bandeira preta e muitas mulheres não procuraram a delegacia para denunciar. A violência é muito maior porque muitas sofrem caladas, então para nós esse número representa que um número maior de mulheres rompeu o silêncio, e está se fortalecendo, o que tem o lado positivo, já que elas estão buscando ajuda.
Em Caxias do Sul, já foram realizados 1.904 atendimentos. Tanto em Caxias quanto em Bento Gonçalves, segundo as representantes das coordenadorias, um dos maiores desafios é o mesmo: conseguir auxiliar as mulheres a romper o clico da violência. Para isso, elas não podem retomar o relacionamento com o agressor ou retornar para o ambiente onde ocorrem as agressões físicas ou psicológicas:
— A mulher tem que entender que está vivendo uma situação de violência, e o primeiro passo tem que ser dela. Ela tem que se perceber a violência e também o risco porque, às vezes, elas minimizam a situação, e até nos procuram nessa esperança de que os agressores mudem. O mais desafiador para a rede é que elas tomem uma atitude e mantenham essa postura. A lei existe, mas elas têm que fazer valer as medidas protetivas e se afastar, não abrir a porta e não voltar atrás — ressalta a assistente social e gerente do CRM de Caxias, Ilva Cunha.
ONDE BUSCAR AJUDA
Caxias do Sul
:: Patrulha Maria da Penha: (54) 98423-2154 (o número está disponível para ligações e mensagens de WhatsApp)
:: Central de Atendimento à Mulher: telefone 180
:: Brigada Militar: telefone 190
:: Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (54) 3220-9280 ou 197
:: Ministério Público: (54) 3216-5300
:: Defensoria Pública (54): 3228-2298
:: Coordenadoria da Mulher: (54) 3218-6026
:: Centro de Referência da Mulher: (54) 3218-6112 ou (54) 98403-4144
:: Saju (UCS): (54) 3218-2276
:: Sala das Margaridas: atende na Central de Polícia, onde funciona a Delegacia de Pronto-Atendimento, na Rua Irmão Miguel Dario, 1.061, bairro Jardim América. O atendimento especializado funciona 24 horas.
Bento Gonçalves
::Brigada Militar: 190
:: Central de Atendimento à Mulher: 180
:: Central de Atendimento à Mulher e o Centro Revivi : (54) 3055-7420 ou 3055-7418 ou pelo WhatsApp (54) 99132-8148 ou 99222-2207.
:: Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher: (54) 3454-2899