Não precisou de convencimento para o delegado Augusto Cavalheiro Neto, 43 anos, vir para Caxias do Sul e assumir a Delegacia Regional da Serra. A família dele já possui uma grande relação com a região. Tanto que o processo foi extremamente ágil. O convite e parte burocrática foram resolvidos em menos de uma semana e, nesta segunda-feira (9), o trabalho já iniciava no novo gabinete.
A troca ocorre após o delegado Cleber dos Santos Lima aceitar um convite para a delegacia regional de Porto Alegre, o que o permitiu retornar a Região Metropolitana, onde fez a maior parte de sua carreira. Cleber ficou pouco mais de um ano na chefia da Polícia Civil da Serra.
O novo delegado acredita ter um perfil mais de interior, por isso recebeu com tanto entusiasmo o convite para a Serra. Ele estava há nove anos atuando em Lajeado. Sobre os primeiros dias de adaptação, o delegado Cavalheiro fala que o momento é de dar continuidade ao trabalho desenvolvido e manter a redução do número de crimes vistos nos últimos anos:
— É a nossa missão. Se não mantivermos os índices de criminalidades em patamares aceitáveis, isso afeta toda a comunidade. Afeta a vida das famílias, o desenvolvimento e a lucratividade das empresas, o crescimento da cidade... A violência é um fenômeno que requer muita atenção, porque, em descontrole, desorganiza todo o tecido social. Deixa de ser só "um problema de polícia" e envolve a comunidade inteira — afirma.
Na Serra, Cavalheiro coordenará 22 delegados e centenas de agentes policiais em 12 municípios: Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, Flores da Cunha, São Marcos, Garibaldi, Carlos Barbosa, Nova Petrópolis, Veranópolis, Antônio Prado, Cotiporã e Nova Roma do Sul. Nesta última, o delegado também assumirá como substituto e será responsável pelos inquéritos policiais.
O primeiro evento social do novo delegado regional foi a reunião-almoço da CIC, na segunda-feira (9), quando prestigiou os colegas de Polícia Civil que lideram o trabalho do Programa de Incentivo ao Aparelhamento da Segurança Pública (Piseg). No dia seguinte, Cavalheiro recebeu a reportagem do Pioneiro e expressou sua opinião sobre a missão na Serra. Confira na íntegra:
Pioneiro: Como recebeu o convite?
Delegado Augusto Cavalheiro Neto: Fui convidado na semana passada, em uma ligação do diretor de DPI (Departamento de Polícia do Interior). Ele informou que o delegado Cléber estava voltando para Porto Alegre e que meu nome tinha sido lembrado. Me fez o convite para assumir a regional da Serra e de pronto aceitei. Teve algumas questões internas necessárias, mas dois dias depois estava tudo certo. E disseram que segunda-feira já poderia assumir. Foi muito rápido o convite, a aceitação e este início de trabalho. Abri mão deste período de mudança com a família, para começar o mais rápido possível. Estou trabalhado e fazendo isso ( a mudança) ao mesmo tempo, então está uma certa "muvuca".
Qual sua relação com Caxias do Sul e a Serra?
Tenho uma relação antiga com a região. A minha bisavó era de Antônio Prado. Meus pais moraram em Caxias do Sul na década de 1970. Depois, retornou apenas o meu pai. Ele trabalhava com futebol e foi treinador da SER Caxias. Me lembro de criança pegar o ônibus Caxiense para vir de Porto Alegre e assistir os jogos no Centenário. Sempre estive presente em Caxias do Sul e admirei a cidade, admirei o povo desta região. A Polícia Civil da Serra traduz o que é a região. Uma regional de policiais muito comprometidos, empenhados e acredito que trabalhar aqui será muito bom.
Qual a sua história na Polícia Civil?
São 18 anos de Polícia Civil. Sou delegado da turma aprovada em 2004. Tomei posse em General Câmara, na região Carbonífera. Alguns meses depois, fui para Charqueadas, assumir a delegacia no complexo prisional. Mais tarde, fui para o Vale do Taquari, onde trabalhei em delegacias de três municípios diferentes. Depois, fiz carreira em Porto Alegre, onde fui titular de três distritos. Em 2012, retornei para o Vale do Taquari, me estabeleci em Lajeado e montei minha estrutura familiar lá. Foram nove anos até receber este convite.
O que lhe passaram sobre o trabalho na regional da Serra?
O delegado Cleber e o delegado Paulo (Rosa, atual secretário municipal de Segurança Pública) me passaram a realidade, os índices criminais da região. Embora já tivesse verificado este índices no sistema, são números frios, eles me deram este contato maior. Em Caxias temos uma realidade de cidade grande, muito semelhante com os problemas de Porto Alegre. Bento Gonçalves, eu também coloco como uma cidade grande do interior, que é parecida com o que encontrei em Lajeado. Me falaram de Farroupilha também. A primeira coisa que disseram foi o que o trabalho estava sendo bem desenvolvido. Também que a integração com as outras forças é muito boa na região. E não vejo de outra forma. Para ter sucesso, em segurança pública, é preciso esta integração entre todas forças estaduais, municipais e federais.
Qual é o seu perfil de policial?
Procuro ser um misto, mas não podemos negar nossa natureza. Tenho 18 anos de carreira e são 18 anos de "chão de fábrica", de delegacia. Paralelo a isso, tenho uma carreira como instrutor de tiro da Academia de Polícia. Então, o meu perfil é mais operacional. Sempre fui linha de frente, de entrar junto com os meus agentes, até em situação de risco. Claro, que na condição de regional, isso não poderá mais ser corriqueiro. Tenho que respeitar as áreas de atuação dos titulares das delegacias. O delegado regional é um facilitador, um meio de campo entre comunidade e as delegacias. Repassamos e orientamos as diretrizes que vem de Porto Alegre sobre como o trabalho deve ser realizado. Mas, dentro de cada delegacia, o delegado é livre para pautar o trabalho com sua delegacia. Só cobramos o resultado. Embora meu perfil é linha de frente, vou ter que me acostumar com o gabinete.
Qual é função de um delegado regional da Polícia Civil?
A missão do regional é ser um facilitador. Quero ser um elo entre as delegacias, a comunidade e suas instituições, sejam estaduais, municipais ou comunitárias. Tive 18 anos de delegacia, atuando na ponta e conheço os problemas que um delegado enfrenta. Vivi isso até anteontem. O delegado lá na ponta não tem cabeça para lidar com algumas situações pois ele está pensando quem é o autor daquele homicídio, quem é o integrante da facção ou quem é o cara que assaltou aquele minimercado. Nós, da regional, tem que suprir as demais necessidades. E passar as orientações institucionais da Polícia Civil. O regional é o representante do Chefe de Polícia na região.
Há algum foco para este início de trabalho?
Os crimes que afetam a comunidade são os mais violentos: homicídios, feminicídios e roubos. O furto não impacta nesta sensação de medo, mas incomoda muito pelo prejuízo, por levarem os pertences que a pessoa lutou tanto para conseguir. No Estado, temos o RS Seguro, que é um programa de governo, e a Serra tem três cidades vinculadas: Caxias, Bento e Farroupilha. Este programa estabelece as prioridades, que são estas que citei, os crimes violentos. E, obviamente, estes crimes passam muito pela atuações destes grupo criminosos, as facções, que desenvolvem o tráfico. É um problema complexo, que exige soluções multidisciplinares, e não basta apenas a ação de polícia.
O senhor citou homicídios, e Caxias do Sul teve uma sequência de mortes neste início de maio. Já acompanhas esta situação?
Estou desde sexta-feira (6) recebendo relatórios. O crime de homicídio é considerado pela ONU para medir os índices de desenvolvimento humano e de qualidade de vida de um município. Um índice baixo impacta toda a cidade, inclusive os negócios. E Caxias, sabemos, tem um PIB gigantesco, o segundo maior do estado. Especificamente sobre homicídios, precisamos intensificar nossas ações integradas. A Brigada Militar, dentro da sua atribuição, com os patrulhamentos ostensivos e abordagens. Tenho certeza que já estão fazendo. E, cabe a Polícia Civil, investigar. Homicídio não pode ficar impune. Essa sensação de impunidade incentiva mais crimes. Na cabeça do autor, "matei, não deu nada, vou matar de novo". Agora, se for identificado e preso, ele sabe que aquela ação terá um custo. A investigação é muito importante. Ainda não conversei com o delegado de Homicídios, mas tenho ótimas referências sobre o trabalho que aquela delegacia desenvolve. É um crime grave e precisamos buscar estas prisões. O que não pode acontecer é morte, morte e morte, e nenhum sucesso na investigação, ninguém preso, porque isso vira uma "bola de neve".
O fácil acesso de celulares dentro dos presídio é um desafio para as investigações?
A realidade do sistema prisional da Serra não difere muito do cenário que vemos no Estado e até no Brasil. A Susepe tem feito um trabalho de melhorar as condições carcerárias, tanto do cumprimento da pena como para restrição de objetos, como celulares, nos presídios. Infelizmente, é uma realidade... estamos longe de ter um resultado satisfatórios em razão da escassez de recursos do Estado. A Polícia Civil tem que observar e captar as informações necessárias. Um preso com um celular é ruim porque continua movimentando seus negócios ilícitos, mas este celular também é mais um chance de produzirmos provas contra ele, o vinculando a crimes que investigamos. Precisamos trabalhar a realidade que temos.