Um dos julgamentos mais aguardados de Caxias do Sul irá acontecer nesta quarta-feira (2). Após dois anos e oito meses, Juliano Vieira Pimentel de Souza, 34 anos, enfrentará o Tribunal do Júri por raptar, estuprar e assassinar Naiara Soares Gomes, sete anos, no dia 9 de março de 2018. A menina desapareceu quando caminhava sozinha para a escola no bairro Esplanada. Após 13 dias de buscas e orações pela estudante, a Polícia Civil prendeu o suspeito, que mostrou onde havia escondido o cadáver da criança: um matagal nas imediações da represa do Faxinal, em Ana Rech. Na delegacia, Juliano confessou a morte. Ele permanece recolhido em isolamento na Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan 2) desde o dia 22 de março de 2018.
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O réu é acusado pelo Ministério Público (MP) de ter cometido quatro crimes: homicídio qualificado, estupro (por duas vezes) e ocultação de cadáver. A defesa sustenta que foi um crime único, no caso, estupro de vulnerável qualificado pela morte (não intencional) da criança. Desta forma, o processo não seria de um crime contra a vida e, consequente, da competência do júri. No entanto, os recursos neste sentido foram indeferidos pelo Tribunal de Justiça.
O júri está marcado para as 9h e, conforme decisão judicial, será fechado, ou seja, nem o público nem a imprensa poderão assistir. Apenas o magistrado, o réu e seus defensores, representantes do Ministério Público e da assistência de acusação e os jurados poderão ter acesso. Em razão da repercussão, a defesa também postulou levar o plenário para outra cidade, o que foi negado.
A previsão é que este seja um júri extenso e a sentença só seja proferida ao anoitecer. Pelo menos cinco testemunhas devem prestar depoimento no plenário. A defesa afirma que Juliano irá prestar depoimento frente ao Conselho de Sentença, ao contrário do acontecido nas audiências, quando exerceu o direito constitucional de permanecer em silêncio. Os debates entre acusação e defesa devem utilizar as cinco horas possíveis.
O que será debatido
A autoria do rapto e morte é considerada esclarecida desde a fase policial, quando Juliano confessou os crimes aos delegados e levou os investigadores até onde estava escondido o cadáver de Naiara. Também há um exame de DNA que comprova o estupro praticado pelo réu. Assim, o debate será sobre a interpretação da lei e o enquadramento dos atos criminosos praticados.
Para o Ministério Público (MP), o réu cometeu crimes distintos: homicídio qualificado, estupro (duas vezes) e ocultação de cadáver. Desta forma, a pena mínima prevista seria de 29 anos e a máxima de 63 anos de reclusão. A acusação será realizada pelo o promotor de Justiça João Francisco Ckless Filho.
— Tem uma certa complexidade porque o réu sustenta que não tinha a intenção de matar. No entendimento da acusação, foram duas condutas autônomas: o estupro e depois, mas no mesmo contexto, o homicídio. O homicídio visava a ocultação e a impunidade do crime de estupro. A defesa sustenta que a morte decorre da violência do estupro e, assim, seria um crime único de estupro. Consequentemente, a pena será menor. A acusação vê três crimes diferentes, estupro, homicídio e ocultação — afirma o representante do MP.
A defesa de Juliano será feita pelos advogados André Willian Brites Parmanhani, Andrey da Silva Moreira e Marcelo Von Saltiel de Andrade, de um escritório de Porto Alegre. A visão defensiva reforçará um entendimento que foi apresentado pela própria Polícia Civil durante a investigação. Na ocasião, o delegado Caio Márcio Fernandes indiciou o autor confesso por estupro de vulnerável seguido de morte. A diferença fundamental é se o acusado teve a intenção de matar a menina ou se a morte aconteceu em razão da violência do estupro praticado.
— A tese defensiva segue com a conclusão da Polícia Civil de Caxias do Sul e o próprio depoimento do Juliano na delegacia (na época a prisão). Ele é parcialmente confesso, pois admitiu a prática do abuso sexual. Ele não teve a intenção de matar a menina, portanto, foi um estupro seguido de morte — aponta o advogado André Parmanhani.
O réu foi representado pela Defensoria Pública durante toda a primeira etapa do processo. A mudança na defesa aconteceu em março, quando Parmanhani visitava outros clientes na Penitenciária de Canoas e foi convidado para conversar com Juliano e houve o acordo.
— O réu tem direito de escolher aquele que se alinha com a sua tese de defesa. O Juliano tem a sua defesa, o que nós fazemos é a defesa técnica, direcionando conforme o que ele nos passa. A defesa vem para também, junto com a sociedade, promover a justiça. Queremos um julgamento dentro do que a Constituição e o Código Penal preveem, com todos o direitos do réu sendo respeitados. E também exaltar a investigação que a Polícia Civil fez deste crime, que foi exemplar e eficaz. Não há o que questionar nesta parte — afirma Parmanhani, que reforça contrariedade com a denúncia por homicídio qualificado feita pelo Ministério Público.
Conforme o advogado assistente de acusação, a família de Naiara optou por se manifestar somente após o resultado do júri.
RELEMBRE O CASO
:: Naiara saiu de casa por volta das 6h30min do dia 9 de março de 2018, uma sexta-feira. Ela morava na Rua Vesúvio, no loteamento Monte Carmelo, e seguiu a pé até a Escola Municipal Renato João Cesa, no bairro São Caetano, onde estudava — cerca de dois quilômetros distante da moradia. Um primo de 15 anos deveria acompanhá-la no trajeto, porém o rapaz deixou a menina sozinha no caminho e retornou para esperar a namorada.
:: Pouco depois das 7h11min, momento em que as últimas imagens de câmeras mostram a menina com vida, Naiara foi abordada por Juliano Vieira Pimentel de Souza em um Palio Branco na Rua Júlio Calegari, perto da esquina com a Rua Mozart Perpétuo Monteiro.
:: Para conseguir que Naiara entrasse no veículo, o homem ofereceu uma mochila de bicho de pelúcia. Dentro do carro, ele fez a menina tomar uma bebida alcoólica adocicada com sabor de laranja.
:: Ao chegar na casa de madeira alugada onde morava com a esposa, no bairro Serrano, Juliano carregou Naiara, já embriagada, no colo para o interior do imóvel, que tinha dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A mulher não estava em casa.
:: Ele levou a vítima ao quarto do casal e cometeu o estupro. Conforme o depoimento do réu a policiais civis, a menina chorou e, ao tentar silenciá-la, o homem lesionou a coluna da criança e sufocou ela até a morte.
:: Em seguida, Juliano carregou a criança envolta em um cobertor com os objetos — mochila e calçados —, de volta ao carro. Do Serrano, ele dirigiu cerca de 12 quilômetros até uma estrada vicinal às margens da Rota do Sol (RS-453), perto da Represa do Faxinal, em Ana Rech, onde escondeu o corpo um matagal.
:: Ele largou a mochila e calçados pelo mato e, 40 metros adiante, deixou o corpo da menina com as roupas que ela usava ao sair de casa — camiseta, blusa e calça rosa.
:: No início da tarde de 21 de março de 2018, Juliano foi preso pela Polícia Civil em frente à residência que morava no bairro Serrano. Ele apontou o local onde escondeu o corpo de Naiara. A morte da menina foi confirmada oficialmente às 16h55min daquele dia.
:: Por medida de segurança, Juliano foi transferido para o isolamento da penitenciária de Canoas no dia 22 de março de 2018, onde permanece recolhido.