No quarto mês de enfrentamento da pandemia de coronavírus, as aglomerações continuam sendo a principal preocupação em Caxias do Sul. A fiscalização conjunta combateu encontros em postos de combustíveis, festas em sítios, um rodeio clandestino e até uma invasão ao Jardim Botânico — que estava fechado para visitantes. Situações que são crime, conforme o artigo 268 do Código Penal, e que a pena pode chegar a um ano de prisão. Em 96 dias, a Brigada Militar (BM) efetuou 40 termos circunstanciados e outros sete registros de pessoas infringindo regras para evitar propagação de doença contagiosa. A média é de três flagrantes por semana. Para combater esse cenário, foi publicado o novo decreto municipal, ampliando as sanções e multas para, talvez, conscientizar as pessoas pelo bolso.
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As autuações feitas pela BM foram em locais públicos e, em maioria, em decorrência de situações de perturbação do sossego. Em regra, a fiscalização de comércios, bares e outras atividades foram deixadas para os agentes municipais. O que chama ainda mais atenção para estas 47 situações de flagrantes é que, seguindo a orientação estadual, a BM considera uma aglomeração quando há 30 ou mais pessoas reunidas.
— São pessoas aglomeradas em determinados locais, principalmente ruas e entorno de postos de combustíveis. Não fazemos a autuação do estabelecimento, mas sim das pessoas. A aglomeração em si constitui em um ilícito penal. É um número elevado — aponta o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
A maioria das denúncias sobre aglomerações é feita à prefeitura pelo Alô Caxias, no telefone 156. O canal já chegou a receber 600 informações por dia. No total, já foram 4,5 mil denúncias recebidas na pandemia.
— O encontro de duas ou três pessoas já pode configurar uma aglomeração. Estamos trabalhando para endurecer e prevendo sanções. É um absurdo. As pessoas deveriam ter a consciência de não ir a estes locais. A mesma coisa sobre uso de máscaras, pois tem o 1% que não aderiu. É uma minoria que prejudica toda a cidade — afirma o secretário de Urbanismo, João Uez.
O entendimento da prefeitura é que, mesmo com a mobilização na região para aumento de leitos de UTI da semana passada, a Serra voltará para bandeira vermelha, e talvez alcance a preta, se a população não se conscientizar que há uma situação de emergência sanitária.
— Existe uma parcela da população não está consciente, frequentando lugares e sem tomar os cuidados de saúde publicas. Estas ações e atividades podem geram o fechamento do comércio, indústria e impactar diretamente na economia da cidade — afirma Uez.
Aglomeração é crime. Não usar máscara também
Encontrar amigos para uma "cervejinha" ou um chimarrão pode parecer algo trivial, mas diante da situação de calamidade pública é crime. Em situações de aglomeração, a BM realiza autuação conforme o artigo 268 do Código Penal: infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Inicialmente, os fiscalizadores buscaram o bom senso e a conscientização da população, inclusive por meio de multas. Contudo, o passar dos dias na pandemia mostrou que uma parcela da população subestima o vírus e se recusa a seguir as medidas de prevenção.
— Sim, é necessário aplicar o 268. Quando uma pessoa está andando sem máscara, a Brigada, ao pará-la, verifica que fez aquilo deliberadamente e faz um termo circunstanciado, mostra que de fato a força do Estado está se impondo quando é necessário uma medida para resguardar a saúde pública. Existe um tipo penal dizendo que quem não cumpre a determinação está praticando o crime. Muitas pessoas só entendem a linguagem do Estado quando é feito uso da força policial. Se isso é o necessário, que assim seja feito — afirma o promotor Ronaldo Lara Rezende, que atua em Farroupilha.
O representante do Ministério Público cita o exemplo de um grupo de taxistas que se recusaram a usar máscaras de prevenção, pois não acharam necessário. Eles foram autuados pela BM e será ofertado um acordo para não responderem criminalmente. Em Farroupilha, este benefício de transação penal costuma ser estipulado em aproximadamente três salários mínimos — ou seja, R$ 3.135.
Como a pena prevista no artigo 268 o categoriza como crime de menor potencial ofensivo, os policiais efetuam um termo circunstanciado (TC). O cidadão flagrado pode assinar este documento de compromisso para se apresentar em audiência no Juizado Especial Criminal (Jecrim) em data a ser marcada. Caso a pessoa se recuse a assinar o TC, poderá ser presa em flagrante delito. A polêmica, como também acontece em outros crimes, é que a pena de um mês a um ano de detenção — o que possibilita o benefício de transação penal — é considerada baixa na atual situação.
— O Direito Penal não é suficiente, não serve para controlar estas questões de pandemia. Direito Penal é para crime grave. A sugestão é uma multa efetiva, que evite tais circunstâncias. O caminho é o Direito Administrativo, para dar uma resposta mais adequada e efetuar cobranças. E, claro, a manutenção de políticas públicas permanentes. O que fica difícil quando temos pouco interesse (de representantes públicos). Olha a situação que tivemos, um juiz federal ter determinar que o presidente (Jair Bolsonaro) se apresente de máscara quando estiver em público — aponta Ivandro Bitencourt Feijó, advogado criminalista e secretário-geral da OAB/Caxias.
O ponto central é que o crime é considerado de menor potencial ofensivo, um cenário que teria se alterado com o atual risco do coronavírus. Para o professor de Direito Penal, Edson Dinon Marques, os legisladores deveriam ter atuado e criado um texto especial para enfrentar estas situações em época de pandemia.
— Deveria ser criado algum tipo de norma repressora, mais rígida, com data de início e validade ao término da pandemia. Hoje é preciso usar a lei (em vigor), só que a detenção de um mês a um ano se transforma em um crime que o criminoso acaba negociando o seu agir contra lei com o Poder Judiciário. Só que enxergamos que esta exposição graciosa e gratuita nesta condição de pandemia não é de pouco potencial ofensivo, é de muito dado a letalidade da doença. Mas longe de imaginar que o Direito Penal, por si só, dissuadirá a intenção de um criminoso. Temos penas duras para alguns crimes e estes crimes continuam a acontecer — aponta o professor de Direito Penal da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Artigo 268
Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - de um mês a um ano de detenção, e multa.
Flagrantes pela BM em Caxias do Sul:
Março: 9 TCs e dois registros
Abril: 16 TCs e dois registros
Maio: 8 TCs e um registro
Até 22 de junho: 7 TCs e dois registros
*Os registros são feitos quando os policiais militares não identificam o autor do crime, o que fica a cargo da investigação pela Polícia Civil.
O Código Penal também prevê o artigo 132, que determina como crime "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente". A pena é de três meses a um ano de detenção, se o fato não constituir crime mais grave. Há juristas e delegados que entendem que uma pessoa que sabe que está infectada pelo coronavírus e desrespeita a quarentena pode ser enquadrado neste crime. Na Serra, nenhuma pessoa foi indiciado em tal artigo em razão da pandemia.