A velha artimanha de arremessar celulares e drogas para dentro das cadeias voltou com força neste período de pandemia. Embora não exista um levantamento de anos anteriores, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a Brigada Militar (BM) apontam que o número de apreensões cresceu consideravelmente a partir de meados de março. Foi neste período que as visitas de familiares às casas prisionais foram suspensas para evitar o contágio do coronavírus no sistema carcerário.
A Susepe relata que foram 54 arremessos interceptados nos oito presídios da Serra entre os dias 23 de março e 17 no junho. Uma média de duas apreensões a cada três dias. No total, foram recolhidos 10,4 quilos de drogas e 104 celulares. As tentativas acontecem em diversas formas e horários, inclusive em plena luz do dia.
— Vemos um aumento considerável. Sempre aconteceram (arremessos), mas em uma escala bem menor. Aparenta um desespero. Em princípio, relacionamos (o aumento) com a suspensão das visitas. Mesmo com a pandemia, e o efetivo reduzido pelos servidores do grupo de risco, trabalhamos intensamente para evitar a entrada de ilícitos e temos conquistado bons resultados — comenta o delegado penitenciário regional Marcos Ariovaldo Spenst.
O maior número de arremessos interceptados aconteceu na casa prisional mais moderna da Serra. Foram 27 apreensões na Penitenciária de Bento Gonçalves, que foi inaugurada em outubro do ano passado. A casa é a única da região que conta com um scanner corporal para revistas, o que já dificultava a entrada de ilícitos durante as visitas.
— Em Bento, temos a situação da geografia. Fica no interior e existe um barranco com um matagal, com a cadeia ficando para baixo. É muito fácil o arremesso. As características dificultam a visualização de pessoas que se aproximam. Mas, como na maioria das casas da região, a maioria dos arremessos não chegam onde (os detentos) possam "pescar" — relata Spenst.
Responsável pela guarda externa dos presídios, a BM tem números que diferem um pouco dos dados da Susepe. O 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) contabiliza 20 arremessos interceptados nas duas casas prisionais de Caxias do Sul, além da detenção de 12 pessoas por tráfico de drogas nestas situações. As ações resultaram em nove quilos de maconha apreendidos e 1,1 quilos de crack, além de 19 celulares.
— A partir do momento que houve a suspensão das visitas, imaginamos que poderiam acontecer tentativas de entrada de drogas por outras maneiras. Infelizmente, é uma realidade nacional o consumo de drogas nos presídios, e a necessidade e o interesse em manter. Mas, nós também ficamos surpreendidos com a quantidade expressiva de tentativas de arremessos e de apreensões — afirma o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º BPM.
A entrada de ilícitos em cadeias brasileiras é um problema antigo, mas agentes penitenciários e policiais apontam que foi potencializado pela legislação que proíbe as revistas íntimas. Um exemplo apareceu em 2017, quando a Polícia Civil desarticulou um esquema que injetava um quilo de drogas por semana na penitenciária no Apanhador. Os traficantes que cumpriam pena coagiam mulheres de outros presos para ingressar na cadeia com pacotes escondidos em seus corpos. A droga era vendida para outros presos, o que estabelecia relações de poder nas galerias.
Criminosos utilizaram drone, remédios e dentista comparsa
Os arremessos são a forma mais simples, mas os detentos e seus comparsas usaram de diversas formas para tentar colocar drogas dentro das cadeias neste período de pandemia. Um dos métodos envolveu um drone avaliado em R$ 7 mil. O equipamento estava em um carro, com quatro tripulantes, que se aproximou da cadeia no Apanhador na tarde de 15 de abril. Na ação, os PMs apreenderam sete tijolos de maconha e 400 gramas de cocaína que seriam despejados na casa prisional.
Ainda no início da pandemia, no dia 25 de março, um outro esquema para injetar ilícitos no Apanhador foi descoberto. Um dentista servidor municipal foi preso com 11 celulares, 258 gramas de cocaína, 516 gramas de maconha e 247 gramas de crack. Ele foi abordado logo após repassar parte da droga para um apenado, que tinha participado de uma consulta.
— Também tem aumentado as apreensões nas sacolas de alimentos, que os familiares levam para os presos. Antes, não vinha droga dentro da erva-mate, por exemplo. Agora, já pegamos. O trabalho precisa ser cada vez mais minucioso, porque as formas vão se alternando — conta o delegado penitenciário Spenst.
Outra apreensão inusitada aconteceu no primeiro final de semana de junho. Uma mulher foi presa ao levar cocaína escondida dentro de remédios para gripe. O crime foi descoberto após os agentes penitenciários desconfiarem da espessura da embalagem do medicamento. As embalagens foram abertas e algumas cápsulas testadas com um reagente, que confirmaram a existência da droga. O teste contou com apoio do Instituto-Geral de Perícias (IGP).