Por vezes, conversar com outra pessoa é o suficiente para não cair em um golpe. No caso de um caxiense de 84 anos, foi um taxista que o ajudou contra um falso sequestro. Por telefone, os criminosos exigiam R$ 50 mil para libertar a filha do idoso. Desesperado, o homem não encontrava as chaves do seu carro e por isso acionou o táxi. Aos poucos, o taxista conversou com o idoso e conseguiu avisar a Brigada Militar (BM). A filha estava a salvo e se descobriu que tudo não passava de um golpe.
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O caso aconteceu na segunda-feira (27), no bairro Sagrada Família. O idoso era perturbado pelas ligações criminosas desde a noite anterior e não havia conseguido dormir. Ao procurar o táxi, ele solicitou uma corrida até o bairro Serrano.
— Ele estava nervoso e atrapalhado, e o celular tocava toda hora. Ele respondia que ia fazer algo pela filha. Tentei conversar e ele cochichou que não poderia falar alto, nem pra ninguém, porque eles escutavam tudo. Perguntei: eles quem? Ele respondeu que eram sequestradores que estavam com a filha dele num cativeiro — conta o motorista de 33 anos, que pediu para não ser identificado.
O idoso passou a contar o que estava passando e que já havia transferido dinheiro para os criminosos, mas que as exigências continuavam. Os bandidos queriam R$ 50 mil. Desconfiado, o taxista passou a dirigir devagar e ajudar aquele pai desesperado.
— Ele estava completamente abalado. Chorava, tremia e falava baixo. Tinha medo de fazer qualquer coisa, pois iriam matar a filha dele. Eu tinha 99% de certeza que era um golpe, pelo histórico, né? Mas, fica aquele sentimento. Afinal, estávamos lidando com uma vida. Tu te colocas no lugar daquele pai e o desespero por um filho, mas tentei pensar sobre toda a situação — relata o taxista.
O motorista perguntou se o idoso tinha certeza que a filha havia sido sequestrada. A vítima respondeu que ouviu a voz de uma mulher chorando, mas admitiu que não conseguia ter certeza. O taxista falou em chamar a polícia, mas o idoso negou com todas as forças, respondeu que os sequestradores iriam ficar sabendo. A ideia do taxista foi acionar, pelo WhatsApp, um brigadiano conhecido. O policial militar reforçou para o motorista ganhar tempo e esperar que uma viatura estava indo até eles.
— Tentei ligar do meu celular, mas a filha não atendia. O idoso não conseguia lembrar onde ela trabalhava, mas tinha anotado o número do genro. Foi uma ligação estranha, eu perguntando se a esposa dele estava bem. Contei que desconfiava que o sogro dele podia estar caindo no golpe do falso sequestro e ele confirmou que a mulher estava bem.
O motorista conta que a disponibilidade e rapidez dos policiais militares foram essenciais, pois o idoso não aguentava esperar. Os brigadianos ajudaram a acalmar a vítima. Ao mesmo tempo, outra viatura foi até a casa da filha e a encontrou. Os policiais acompanharam o idoso até o banco para tentar estornar as transferências.
— Quem faz isso já tem o tempo e a trama para convencer as pessoas. Parece que é um vagabundo do outro lado do país, pois a conta que (o idoso) transferiu o dinheiro era do Rio de Janeiro. Mas, não sei como ele tinha tantas informações. Ele tinha certeza que a filha estava em risco — salienta o taxista.
Três dias antes, empresário também foi enganado
O golpe do falso sequestro é antigo e pode parecer óbvio para quem ouve falar, mas as autoridades alertam que o telefonema criminoso está cada vez mais elaborado e consegue abalar o psicológico de pessoas distraídas no seu cotidiano – e, por isso, continua a fazer vítimas. Também na semana passada, um empresário de Caxias do Sul ficou horas atento ao telefone e passou em diversas agências bancárias para reunir o dinheiro exigido pelos criminosos. Além de encontrar o filho supostamente sequestrado, os policiais precisaram procurar pelo pai desesperado que só atendia ligações de fora do Estado – como era o número dos criminosos.
O caso aconteceu no dia 24 de abril e mobilizou a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Os contatos também eram feitos por telefones com código do Rio de Janeiro e os golpistas exigiam depósitos em contas bancárias daquele Estado.
— O que chegou para nós foi a comunicação de um sequestro e mobilizamos toda a equipe. Fizemos contato com os familiares e buscamos entender o cenário. As características apontavam que não era um sequestro, mas ainda precisávamos confirmar — conta o delegado Luciano Pereira.
O primeiro passo foi localizar o filho, que supostamente tinha sido sequestrado, para confirmar que ele não estava em perigo e as ligações realmente eram de golpistas. O rapaz foi encontrado em seu local de trabalho. Na sequência, os policiais tiveram que continuar nas buscas para encontrar o pai, que estava influenciado pelo terror psicológico criado pelos criminosos.
— Este senhor estava passando em diversas agências bancárias para fazer os saques e transferências para as contas do Rio de Janeiro. A dificuldade é que ele não atendia telefones de código 54, apenas os números de fora, que eram dos "sequestradores". Assim, os criminosos passaram a dizer que este senhor também estava sequestrado e, assim, exigir dinheiro do outro lado da família — relata o delegado.
A estratégia deste tipo de criminoso é segurar a vítima no telefone, o que é feito com diversas ameaças e choros ou gritos ao fundo. A intenção é justamente não dar tempo para a vítima pensar, o que é a principal característica dos estelionatos por telefone e redes sociais. Assim, os falsos sequestradores evitam que a vítima tente telefonar para o parente "sequestrado". No desespero, a pessoa faz tudo que é exigido.
O delegado Luciano Pereira explica que, ao ouvir que algum familiar foi sequestrado, muitas vítimas costumam deixar escapar o nome de um filho, seja pelo susto ou para avisar outro parente próximo. É assim que o criminoso consegue informações e monta a trama. Conforme Pereira, esse tipo de golpe começou de um jeito, mas já está bem arquitetado e mais complexo.
— São criminosos do Rio de Janeiro aplicando em moradores da Serra. Se for aprofundar a investigação, veremos que são detentos do sistema prisional de lá. Um sequestro real tem características diferentes.
Cinco vítimas enganadas por dia
O estelionato é o crime que mais cresce no Rio Grande do Sul, principalmente os golpes por telefone e internet. No primeiro trimestre, 511 pessoas foram enganadas em Caxias do Sul — uma média de cinco casos por dia. Denúncias e informações sobre golpes ou outros crimes podem ser repassados anonimamente para Brigada Militar de Caxias do Sul pelo Whatsapp no número (54) 98414-1178.