O secretário da Saúde de Bom Jesus, Júlio Godoy Tessari, foi afastado por 120 dias de suas funções por determinação da Justiça. A decisão faz parte de uma operação do Ministério Público (MP) deflagrada nesta terça-feira (10) contra supostas cobranças indevidas e em duplicidade envolvendo exames pelo SUS, bem como o favorecimento de pessoas em atendimentos no hospital do município da Serra. A operação cumpre mandados de busca e apreensão na sede da Secretaria e em residências, além de ordens judiciais nas três sedes de dois laboratórios credenciados que ficam em Bom Jesus, Vacaria e São Francisco de Paula.
O promotor João Beltrame, responsável pela investigação, diz que os delitos apurados são associação criminosa, estelionato, peculato, inserção de dados falsos em sistema de informação e organização criminosa. Segundo ele, a cobrança irregular de exames pelo SUS envolve a Prefeitura e os dois laboratórios. Foi descoberto que muitos pacientes — que necessitavam realizar exames pelo SUS — procuravam Tessari para que ele intermediasse a marcação dos procedimentos. Beltrame diz que o secretário ligava diretamente para os laboratórios investigados para marcar as consultas em nome das pessoas. Durante os agendamentos, Tessari afirmava que os pagamentos seriam realizados pelos pacientes.
— Assim, os laboratórios recebiam valores em duplicidade, tanto das pessoas, quanto da prefeitura, via SUS — explica Beltrame.
Pagamento ilegal
Um paciente, por exemplo, pagou R$ 230 por uma tomografia computadorizada de tórax, mesmo valor que também foi pago pela prefeitura de Bom Jesus a um dos laboratórios. Mas além disso, o MP ressalta que o valor desse exame pelo DataSUS é de R$ 136,41. Assim, além do lucro do laboratório, que recebeu em duplicidade, houve sobrepreço pago pelo Executivo municipal.
Em outro caso, mesmo com requisição do SUS, o paciente pagou o valor do exame com cheque, não obteve qualquer informação por parte da clínica sobre a gratuidade do exame e, inclusive, recebeu nota fiscal.
A outra denúncia apurada envolve o chamado "fura-fila". As investigações flagraram o secretário municipal negociando vaga em um hospital para realização de uma cirurgia, em benefício do pai de uma possível eleitora.
O MP diz que Tessari foi pessoalmente negociar que a paciente fosse encaixada no sistema, já que não havia vaga disponível. O fato teria ocorrido mediante pagamento por parte da pessoa que buscava o atendimento, mesmo que o encaminhamento tenha sido feito pelo SUS.
Beltrame lembra que a ex-diretora administrativa do hospital de Bom Jesus também é investigada e foi afastada das funções na semana passada.
— Ela manteve a mesma praxe criminosa: ficou clara a existência de um "sistema próprio de saúde", no qual o usuário é cobrado e não tem a opção de escolha — ressalta.
A ex-diretora,Janaína Torres, também foi secretária da Saúde de Bom Jesus. O MP também vai apurar posteriormente a denúncia de suposto desvio de medicamentos pela ex-diretora. O hospital da cidade é uma fundação de direito privado sob intervenção municipal.
"Iremos instaurar procedimentos internos também", diz prefeito de Bom Jesus
Diante do afastamento por ordem judicial do secretário municipal da Saúde, o prefeito de Bom Jesus, Diogo Grazziotin Dutra (PP), anunciou, no início da tarde desta terça-feira (10), que irá assumir a pasta pelos próximos quatro meses.
— Eu responderei, mas, claro, terei auxílio de outros secretários. Já passei as primeiras orientações para a equipe do posto de saúde. Não tenho o costume de passar a mão na cabeça de ninguém, e os crimes descritos são gravíssimos. Todos que praticaram irregularidades devem responder legalmente. Iremos instaurar procedimentos internos também.
O prefeito Dutra garante que, com o afastamento do secretário, não haverá prejuízo ao serviço público. Por outro lado, o administrador municipal afirma que irá verificar como são feitas as marcações de exames e cirurgias.
— Obviamente irei verificar esta questão. Quero me inteirar desta questão e, se precisar mudar, faremos as alterações. É preciso lembrar que estou há cinco meses no governo, tomei posse em 14 de junho, então ainda estou em começo de administração e há situações que ainda não tinha conhecimento.
Sobre o secretário Júlio Godoy Tessari, o prefeito de Bom Jesus afirmou que ainda não conseguiu questioná-lo:
— Ele teve que ser atendido pelo Samu (durante a operação do MP) e foi levado às pressas para o hospital de Vacaria. Claro que irei conversar com ele, pois era um cargo de confiança e quero saber a sua versão. Quero saber o que ele tem a dizer.
Defesa do secretário afirma desconhecer teor das acusações
O advogado Marco Antônio de Boni informa que o secretário Júlio Nagiby Godoy Tessari recebeu com surpresa a chegada dos policiais em sua casa e a defesa ainda não tem conhecimento das acusações. O defensor lembra que Tessari é um profissional dedicado a comunidade há mais de 30 anos, incluindo mandatos como vereador, e jamais sofreu qualquer punição por prática de ato contra o orçamento público.
— O meu cliente desconhece o teor e as razões dos mandados de busca e apreensão na casa dele e nos demais lugares. Ficamos espantados que a imprensa tenha mais conhecimento do caso que o próprio investigado. É muito cedo, ainda precisamos ter acesso aos dados, mas temos certeza que iremos provar a inocência dele — afirma De Boni.
O advogado confirma que Tessari passou mal durante a operação.
— Aparentemente uma crise hipertensiva, mas não tenho notícias do quadro clínico dele. Sei apenas que está hospitalizado. Ninguém nunca está preparado para uma operação carnavalesca como esta que o Ministério Público e a polícia fizeram na cidade — opina De Boni, ressaltando que este é um momento pré-eleitoral em Bom Jesus.
Contraponto
A reportagem não conseguiu contato com Janaína Torres ou seus representantes até a última atualização desta matéria. A informação é que, desde o afastamento na semana passada, a ex-diretora mora na Região Metropolitana.