Após mais de um ano, a 1ª Vara Criminal de Caxias do Sul volta a ter um juiz titular. O magistrado Max Akira Senda de Brito, 42 anos, chega com a missão de dar sentença a 245 processos, que estão prontos apenas por júri, e diminuir o sofrimento de quem perdeu um familiar e há anos aguarda por Justiça.
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O novo juiz será responsável por aplicar a lei diante de crimes contra a vida na maior cidade da Serra. A Vara do Júri acumula 1.242 processos em tramitação. Em 2019, foram apenas 13 júris realizados e, em média, uma audiência a cada dois dias. A baixa produtividade é explicada pela falta de juízes no Rio Grande do Sul.
Chegar a Caxias do Sul é o maior desafio da carreira do jovem magistrado. Nascido no Paraná, mas criado em São Gabriel, Max Akira foi aprovado no concurso para juiz em 2010. Sua carreira começou no Litoral, em Terra de Areia e Capão da Canoa, até chegar na Vara Criminal de Esteio.
Na Região Metropolitana, fez parte da Associações dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) como vice-presidente e, no atual mandato, como diretor de Comunicação. A promoção por merecimento à entrância final o trouxe para a Serra.
— Caxias do Sul é uma cidade referência e uma região próspera e com qualidade de vida. É um desafio trabalhar numa comarca de grande porte — aponta.
Nas primeiras semanas, o magistrado buscou conhecer as peculiaridades da cidade. O primeiro júri foi realizado na semana passada e outros dois acontecem nesta semana. Akira estima que será preciso dois anos de muito trabalho para colocar a pauta em dia.
Pioneiro: O que o senhor sabe sobre a comarca?
Juiz Max Akira Senda de Brito: É uma vara que tem um volume grande de processos e que ficou muito tempo sem um titular. Quem viesse teria um grande desafio e muito trabalho. É uma criminalidade que se equipara a Porto Alegre, com casos mais complexos. São 245 processos aguardando designação de plenário de júri e outros 416 esperando audiência de instrução, sendo que temos 81 processos de réu preso. Um júri demora pelo menos um dia para fazer, fora a preparação. São processos demorados para instruir. É um volume para no mínimo dois anos para conseguir resolver este resíduo.
Como é a rotina da Vara de Júri?
O procedimento de júri é dividido em duas fases. Há toda uma instrução como se fosse um processo criminal normal, com oitiva de testemunhas, produção de provas e interrogatório do réu. Há sentença de pronúncia, onde o juiz decide se há elementos para submeter o réu ao Tribunal do Júri ou não. Depois acontece o júri. São duas fases, o que torna os processos mais longos. Também são casos mais complexos, pois tratam dos crimes mais graves do ordenamento, que são os dolosos contra a vida: homicídios, infanticídio, aborto, etc. Em Caxias, temos a peculiaridade de ter muitos homicídios ligados ao tráfico. Também há muitos crimes passionais. Apesar que, o índice de homicídios, neste ano, ter reduzido e se compara a violência de 20 anos atrás. É um dado relevante e positivo para a comarca. É um reflexo de um bom trabalho dos órgãos de segurança.
É possível acelerar estes processos?
A ideia é fazer o máximo de júris possíveis para dar uma resposta a comunidade. São processos de grande repercussão, com comoção social, pois se trata da morte de alguém. Mas não adianta tentar marcar cinco júris em uma semana e deixar a instrução (dos demais processos) de lado. A ideia é tentar fazer dois ou três júris por semana, com os demais dias para audiência de instrução e o trabalho de gabinete. É preciso tomar decisões e despachar. Temos que dar prioridade aos réus presos. Também iremos priorizar feminicídio, o que faremos em maio que é o mês da mulher. Também vamos agilizar os processos mais antigos.
A pauta já está agendada?
Se fosse organizar tudo, daria para agendar para três anos. Preferi deixar marcado até a metade de 2020. Em abril irei agendar o próximo semestre, para evitar necessidade de cancelamentos ou troca. Até porque, ainda preciso sentir a comarca.
Por lei, o réu preso tem prioridade. Mas, os demais casos são os que costumam se estender por mais anos. Como o senhor fará este balanço?
Deixarei uma data por semana para réus presos. Em dezembro e janeiro só farei esses júris. Para fevereiro, já estou mesclando. Em maio, já marquei pelo menos oito júris de réus soltos que são os mais antigos. Irei fazer esta dosagem para tentar equilibrar. Tentaremos dar esta resposta social que as pessoas procuram. Chego com muita vontade de trabalhar e dar esta resposta que Caxias do Sul espera.
É uma situação bem incomum uma vara ficar 18 meses sem um titular?
É uma dificuldade. Há falta de juízes no Rio Grande do Sul. As movimentações acabam demorando um pouco. Como diz o ditado, é desvestir um santo para vestir outro. É preciso ponderação, pois irá prejudicar um lado ou outro. Em janeiro, teremos a posse de mais 29 juízes. Irá ajudar um pouco, mas ainda assim não irá suprir o gargalo. Não é o ideal, mas infelizmente é a realidade desta dificuldade tanto financeira como de seleção. No último concurso tínhamos 90 vagas, mas apenas 29 aprovados. Há cerca de 150 vagas em aberto e um novo concurso marcado para março, com 45 vagas no edital.
Atualmente, se fala muito em impunidade. Qual é o problema do sistema brasileiro?
São necessárias algumas modificações na lei. O juiz deve interpretar o que a lei diz, não pode decidir de forma ilegal. Às vezes, não é sobre o juiz que quer desta ou daquela forma, mas é porque a lei não pode ser contrariada. O processo pode demorar por inúmeros motivos. Temos um sistema recursal muito arcaico e com muitos recursos, que acabam gerando a possibilidade de uma demora maior no processo. Esta carência de recursos humanos que temos, tanto de magistrado quanto de servidores, também faz demorar o andamento. Hoje, em Caxias, acredito que deveríamos ter dois juízes de júri para conseguir dar vazão ao volume de trabalho. Precisa de dois, mas ficou um ano e meio sem nenhum. Dentro do humanamente possível, tentaremos agilizar.
O senhor concorda com quem diz que as penas no Brasil são brandas?
Não acho que sejam, mas penso que o sistema de execução penal deveria ser revisitado. Algumas questões não parecem adequadas. O regime semiaberto não existe na prática. Muitos falam, e vejo uma certa razão, que poderíamos ter penas menores, mas que fossem cumpridas na totalidade. Hoje, quando há progressão, mas não há vagas no semiaberto, por vezes nem tornozeleira, então o apenado vai para prisão domiciliar. Isso gera o sentimento de impunidade. Mas, não acho que as penas sejam baixas, em alguns crimes até considero altas. A realidade é que não estamos conseguindo executar como manda a lei.
Sobre o debate sobre a prisão em segunda instância, como isso afeta o trabalho na 1ª Vara Criminal?
Há uma grande discussão doutrinária sobre o que seria trânsito e julgado para efeitos da execução da pena. Acredito que o problema não está na prisão em segunda instância, mas neste excesso de recursos que temos. Deveria reduzir o número recursal e as cortes superiores atuarem em sua função primordial. Uma corte constitucional em qualquer lugar do mundo não julga o fato, mas a interpretação do Direito frente à Constituição. Hoje, nossa corte do STF (Supremo Tribunal Federal) acaba sendo uma instância recursal. Isso está errado. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte não deve julgar 80 processos por ano. Aqui, cada ministro recebe 10 mil processos por mês. Este é o problema que precisa ser pensado e modificado, não a situação da prisão em segunda instância, que não é a solução para o problema.
Para enfrentar o crime organizado e a crise financeira do Estado, se fala na atuação conjunta dos órgãos de segurança pública. Qual o papel de um juiz numa situação desta?
O papel do Judiciário é dar a resposta estatal mais rápido possível, assim que a demanda chegar. Isso, a comunidade de Caxias do Sul pode ter certeza. Iremos tratar com prioridade para dar a resposta e combater esta criminalidade organizada da narcotraficância. Dentro da neutralidade de um juiz, iremos dar todo o apoio aos órgãos de segurança. Sempre trabalhei de forma tranquila e com uma ótima relação institucional.
Quando será vencido o atraso nos processos da 1ª Vara Criminal?
Dois anos é uma previsão, mas ainda preciso entender a realidade da comarca. Cheguei há 15 dias e ainda estou me adaptando. Dentro do possível, verificaremos a forma mais rápida de dar vazão (nos processos). Há um estudo na Corregedoria para fazer um regime de exceção e assim venha outro juiz para ajudar a fazer os plenários do júri. No interior, só Caxias do Sul tem um volume tão grande de processos aguardando.
"Polícia prende e juiz solta". Como o magistrado percebe esta frase repetida nas redes sociais?
A frase tem um erro de semântica, porque quem prende e solta é o juiz. A polícia só pode prender em flagrante delito, assim como qualquer pessoa que vê um crime. A polícia tem o dever de prender, o cidadão pode. Nos demais casos, só cabe a prisão mediante ordem judicial. O juiz só pode prender ou manter preso alguém que cometeu um delito e estiver enquadrado nas hipóteses do Código de Processo Penal. O juiz não tem a faculdade ou o arbítrio de prender ou soltar alguém por vontade própria. Precisa estar adstrito ao que prevê a lei. O juiz está para assegurar os limites da lei. Pode haver uma comoção grande sobre uma situação, mas não ter elementos para manter preso ou nem que demonstrem que aquela pessoa é realmente o autor. Por vezes, é meramente um suspeito. São muitos fatores para serem ponderados em um fato concreto. Se enquadrou dentro dos parâmetros legais? Prende. Não se enquadrou? Tem que soltar.