O número de assassinatos em Bento Gonçalves vem aumentando a cada ano. O total de vítimas cresceu 246% de 2013 para 2018 — de 15 para 52. E a explicação é quase sempre a mesma: o avanço do tráfico de drogas que, nos últimos anos, ganhou ares de guerra com a propagação de facções de diversas partes do Estado. Na noite de sexta-feira (7), a Capital do Vinho foi palco da maior chacina da história da Serra, com cinco homens executados dentro do Bar dos Amigos, no bairro Municipal.
Leia mais:
Seis policiais são destinados para investigar a maior chacina da história da Serra
Polícia busca duas pessoas que teriam se salvado após chacina em bar em Bento Gonçalves
"Ela me ligou dizendo 'entraram aqui e mataram todo mundo'", diz irmão da dona do bar onde aconteceu chacina
Em resposta, a Polícia Civil preparou uma força-tarefa para investigar exclusivamente este caso e o comando da Brigada Militar estuda a possibilidade de enviar mais policiais para Bento Gonçalves. O prefeito Guilherme Pasin (PP), por sua vez, aponta a necessidade de uma mudança de cultura:
— Tudo aquilo que estamos fazendo não será resolutivo se ainda existir o consumo de drogas. Tudo está acontecendo por disputa de postos de vendas de drogas. A responsabilidade não pode ser simplesmente atribuída ao bandidismo. Se baixar a procura e o consumo de drogas, não ficará atrativo para o criminoso cometer assassinatos.
O prefeito de Bento Gonçalves divide a culpa da criminalidade com os cidadãos de classe média e alta que consomem maconha e cocaína. Em sua manifestação, o comandante do 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (3º BPAT), major Álvaro Martinelli, utilizou uma argumentos semelhantes.
— Por que o tráfico quer tanto Bento Gonçalves? Com certeza é porque existe o consumo. Uma coisa está ligada diretamente com a outra. Não é um caso isolado, é uma sequência de fatos. O pano de fundo é esta disputa por espaço: uma "organização" da Região Metropolitana tentando tomar o espaço e a região da Serra tentando manter o seu — resume.
Confira entrevista com o prefeito de Bento Gonçalves, Guilherme Pasin:
Pioneiro: Como o senhor reagiu a um crime de tanta gravidade?
Guilherme Pasin: A gente fica consternado, independente do número de mortes. Toda vida é imensurável. Ficamos muito preocupados com o rumo das coisas tendo em vista a situação que a droga tem causado na sociedade brasileira.
A prefeitura criou a guarda municipal, o Consepro é atuante com apoio da comunidade, não há críticas às forças policiais. O que mais pode ser feito?
Estamos cobrando do Estado, obviamente, um reforço na questão do policiamento. Mas toda a estrutura que Bento Gonçalves criou nos últimos anos vem se mostrando insuficiente na questão dos homicídios ligados ao tráfico de drogas. É importante continuar falando com a nossa comunidade e explicando que tudo aquilo que estamos fazendo não será resolutivo se ainda existir o consumo de drogas. Tudo isto está acontecendo por disputa de postos de vendas de drogas. São brigas em nome do comando de pontos de venda. A responsabilidade não por ser simplesmente atribuída ao bandidismo. Se baixar a procura e o consumo de drogas, não ficará atrativo o suficiente para os criminosos cometerem assassinatos.
Uma delegacia especializada em homicídios, como acontece em Caxias, é uma ideia que a prefeitura apoia?
Estamos buscando junto ao Estado todos os esforços e investimentos, mas quero crer que a criação de uma nova delegacia não será, por si só, responsável pela mudança. Precisamos de um pensamento crítico que demonstre a situação de mercado da droga. Se não entendermos que a responsabilidade por tudo isso também é o do consumidor, do "Zé Droguinha", do consumidor de maconha, do cheirador de cocaína, continuaremos correndo atrás do rabo igual a um cachorro. Iremos achar que a criação de uma delegacia, por si só, irá resolver. Não vai. O trabalho da Polícia Civil em Bento Gonçalves é muito bom. Precisamos parar de passar a mão na cabeça do usuário de drogas achando que ele é um coitadinho. Precisamos agir na situação de mercado desta drogas e acabar com o consumo. A polícia prendendo o traficante é fantástico, mas se não acabar o consumo, só irá trocar o nome do traficante. O problema não vai acabar.
Como evitar que essa violência prejudique a imagem de Bento Gonçalves?
Não é uma situação de violência da cidade, é uma situação pontual de briga por ponto de venda de drogas. Não interfere nas atividades da cidade. É uma situação extremamente pontual nos bairros onde a briga por pontos de drogas está sendo instalada, apenas isso. Não podemos misturar as coisas porque seria uma grande mentira. Os homicídios estão todos relacionados ao tráfico e envolvimento com drogas.
Há um trabalho da prefeitura contra o consumo de drogas?
Continuamos trabalhando na prevenção com as crianças nas zonas de uso de drogas, já que sabemos que muitos morrem muito cedo quando estão ligados ao tráfico. Atuamos no contra turno escolar e potencializamos nossas ações de demonstrações para a comunidade, principalmente com os mais jovens. Não estamos falando de uma cidade perigosa ou que tenha outros problemas de segurança, apenas aqueles relacionados com a droga. Tem que botar o dedo na cara do "Zé Droguinha", do usuário de drogas, aquele de classe média, alta, e até altíssima, que usa droga e acha que o problema não é dele. Não, o problema é de toda uma sociedade que por muito tempo foi permissiva com estes abusos. O resultado de tudo isso é o que estamos vendo hoje.
Assassinatos em Bento Gonçalves:
2013: 15
2014: 20
2015: 21
2016: 28
2017: 34
2018: 52
2019: 21*
*até 9 de junho.