A perturbação do sossego é um problema há anos em Bento Gonçalves, tanto que uma nova lei municipal foi sancionada para regular o consumo de bebida alcoólica em vias públicas. Também comprometida com o tema, a Brigada Militar (BM) realizou uma operação contra a baderna nas ruas durante as três noites do último final de semana. Porém, uma das abordagens teria resultado na agressão a um estudante, conforme boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil.
O baiano José Douglas Invenção Andrade, 27 anos, relata que foi perseguido e agredido por cinco policiais militares que dispersavam pessoas aglomeradas em frente a um bar do bairro Cidade Alta, na madrugada de sábado (26). Os PMs, conforme sustenta Andrade, queriam apagar as imagens que ele fez de uma suposta agressão a outro jovem — e que, até o fechamento desta edição, não havia sido denunciada. O estudante está no Rio Grande do Sul há seis meses para cursar Enologia e faz estágio em uma vinícola de Bento Gonçalves.
O comandante do 3º Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas, major Álvaro Martinelli, afirma que a denúncia ainda não chegou de forma oficial à BM e, por isso, não possui conhecimento do ocorrido. O oficial garante que, assim que a ocorrência for remetida pela Polícia Civil, um procedimento administrativo será instaurado para, caso comprovado o abuso policial, punir os envolvidos.
De acordo com o boletim, a agressão ocorreu por volta das 2h30min de sábado próximo a um bar da Rua Dez de Novembro. Andrade lembra que uma das viaturas era modelo Sorrento e que os PMs vestiam uma farda camuflada, característica da Força Tática da BM.
O desabafo do estudante nas redes sociais teve mais de 1,3 mil comentários e 607 compartilhamentos até a noite desta segunda-feira (28). Na postagem, Andrade anexou a foto que seria da agressão ao outro rapaz. O estudante alega que conseguiu recuperar a imagem, que teria sido apagada pelos PMs, com a ajuda de um aplicativo.
A operação
Conforme divulgação do 3º BPAT ainda no final de semana, a operação visava "prevenir e coibir casos de perturbação do sossego, delito que geralmente tem seu ponto alto nos finais de semana, onde as famílias desejam descansar e aproveitar sua folga no conforto do lar. A ação, com apoio do DMT (Departamento Municipal de Trânsito), está sendo desenvolvida, por policiais da Força Tática, principalmente em locais com histórico de reclamações envolvendo perturbação do sossego. Estão sendo feitas abordagens nos pontos de concentração, como bares e postos de combustíveis, onde os frequentadores são orientados, e em algumas situações advertidos, sobre os limites entre a diversão e a perturbação de outras pessoas que planejam ter uma noite de descanso em suas casas".
"Não estava fazendo gandaia na rua"
Pioneiro: O que aconteceu na madrugada de sábado?
José Douglas Andrade: Fui até o bar (no Cidade Alta), entrei para comprar uma bebida e fui encontrar amigos do lado de fora. Havia (viaturas) policiais na rua, mas estava tranquilo. Quando eles estavam indo embora, parte do pessoal bateu palmas. Daí, eles (os brigadianos) voltaram, estacionaram a viatura no meio da rua e começaram a empurrar o pessoal da calçada, mandar embora. Quando percebi, chamei o Uber perto de um posto de gasolina. Eles vieram empurrando e, quando se aproximaram de mim, falaram "bora, bora, bora". Respondi que só aguardava o Uber, mas ele disse: "que Uber? Bora, bora!" e me deu dois empurrões. Quando atravessei a rua, vi cinco policiais batendo em um rapaz no chão. Peguei o celular para gravar um vídeo, mas no afoito fiz apenas foto. Um deles viu e correu atrás de mim. Tentei correr, mas não conheço muito e acabei numa rua sem saída. Eram cinco policiais atrás de mim, que me jogaram no chão, começaram a me bater e a pedir o celular. "Você tá tirando foto da gente? É doido? Bora apagar". Disse que era estudante, mas responderam que eu era vagabundo. Eles pegaram meu celular, que eu tinha apagado a foto, e apagaram o álbum todo. Um deles disse que achava que eu era gay, o outro disse "sim, é veado", e me bateram ainda mais. Tinha um mais exaltado, mais alterado, que começou a falar em me matar "uma munição só resolve".
Quando eles pararam?
Depois que constataram que não tinha mais foto nenhuma e já tinham batido o suficiente. A última palavra foi aquele PM dizendo para me matar, o que nenhum outro respondeu. Também tinha chegado uma amiga e outras duas pessoas, que também se propuseram a ser testemunhas do caso. Um deles até levou um tapa quando reclamou dos policiais, falando que era xenofobia.
Os PMs te revistaram?
Em nenhum momento. Nem tentaram me prender ou levar para a delegacia. Não estava fazendo crime nenhum, só peguei o celular para fazer fotos (das agressões a outro rapaz).
Havia baderna antes dos PMs chegarem?
Tinha muita gente falando, mas não vi baderna ou se tinha gente usando drogas. Tinha com bebida alcoólica. Eu fui um que entrei no bar, comprei e fui beber do lado de fora.
Já teve problemas com a polícia?
Nunca. Achava que dizer que era estudante ia ajudar. Sou formado em Gastronomia e vim (para o sul) fazer uma segunda faculdade, uma universidade federal. Tenho uma conduta na linha e já servi o quartel, saí reservista como cabo. Não estava fazendo gandaia na rua e não ofendi ninguém.
Você ficou ferido?
Tive escoriações nos braços e pernas. Tive dificuldade para andar em razão de um golpe de cassetete na perna. Quando fiz o BO, me recomendaram ir no hospital e fiz um raio-x. Constataram que tive um abcesso, mas não chegou a ter fratura. A dor física não foi tanto quanto a psicológica. Só me sinto seguro em dois lugares: na minha casa e na empresa onde estou fazendo estágio.
Está com medo?
Estou com medo nas ruas. Dos policiais e dos julgamentos. Sou estudante, mas turista também. Vim para conhecer e a primeira impressão da cidade foi maravilhosa. Estava até sonhando em me formar e vir morar aqui, pois tem várias oportunidades na minha área. Mas agora estou aterrorizado.
Quais procedimentos você tomou?
Não procurei a BM, mas fiz o BO e procurei a ouvidoria dos Direitos Humanos. Também estou recebendo apoio de um promotor de justiça de Dom Pedrito, que está me dando apoio jurídico. Ele me aconselha pois foi uma ameaça a minha vida.