A angústia é unanimidade nos dias e nos relatos daqueles que buscam por um familiar desaparecido. São perguntas sem respostas que aumentam o sofrimento dia após dia de familiares e amigos. Só neste ano, dois casos de sumiço de pessoas ganharam a atenção de moradores da Serra, tanto pela complexidade, quanto pelas características dos envolvidos. Um deles, foi o da menina Naiara Soares Gomes, sete anos, que ficou 12 dias desaparecida em Caxias do Sul. Ela foi raptada, estuprada e morta pelo réu confesso Juliano Vieira Pimentel de Souza, 31. O sumiço mobilizou moradores, e o desfecho trágico causou revolta na comunidade. Em Vacaria, um mistério sobre o paradeiro de três homens ainda mobiliza a Polícia Civil. Eleandro Aparecido Rodrigues Moraes, 40, Nelson Jair Soares, 44, e Alexsandro do Amaral Correa, 23, foram vistos pela última vez no dia 4 de abril, na Capela Caravaggio.
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Porém, as duas histórias são exceções no contexto midiático e policial. A maioria dos casos de desaparecimento padece sob a invisibilidade e a dificuldade de investigação. Para o delegado Rodrigo Kegler Duarte, responsável pela Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD) de Caxias do Sul, a apuração dos casos esbarra na falta de efetivo disponível.
— Nós temos um efetivo, hoje, de mais ou menos 10 policiais civis responsáveis também por investigar os homicídios tentados e consumados. O critério que usamos para iniciar a investigação é verificar o histórico da vida dessa pessoa. Se ela desapareceu outras vezes, é usuária de drogas, tem problemas psiquiátricos, esperamos um período para ver se retorna. Caso ela não tenha nenhuma dessas características, iniciamos a busca imediatamente — explica.
Segundo o delegado, há uma variedade de perfis de desaparecidos no município.
— Há pessoas com problemas psiquiátricos, outros com uma vida criminosa, pessoas que optam por deixar a residência por vontade própria, e temos aqueles casos em que a pessoa não tem histórico nenhum e desaparece. Este último é um número bem pequeno, mas que causa abalo grande na família — salienta.
Um mito que ronda o desaparecimento de pessoas no Brasil é a necessidade de esperar 48 horas para registrar o sumiço de alguém. Não é preciso esperar nenhum prazo. Inclusive, no caso de crianças e adolescentes, a Lei Federal 11.259, de 30 de dezembro de 2005, prevê a investigação imediata, após a notificação à polícia.
No sistema da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, 16.242 pessoas constam com o status de sumido. No entanto, os números podem ser bem menores, uma vez que é de conhecimento policial que em muitos casos a localização da pessoa não é informada às autoridades.
— Essas pessoas possuem registro de ocorrência em seu nome, porém não significa, necessariamente, que estejam desaparecidas. Isso porque dificilmente é registrada a sua localização, e elas permanecem como "desaparecido" no sistema. O número, na prática, deve ser bem abaixo desse — explica a delegada Andrea Mattos, da Divisão de Planejamento e Coordenação da Polícia Civil.
Cybele nunca chegou ao destino
Há quase dois anos, a maior angústia de Luisa Rene da Silva, 40 anos, é não ter nenhuma informação sobre a filha Cybele Silva da Cunha, 20, desaparecida desde o dia 28 de dezembro de 2016. Naquele dia, a jovem teria embarcado em um ônibus em Flores da Cunha e pararia na Estação Rodoviária de Caxias do Sul. Porém, a garota nunca chegou ao destino, a casa da mãe, em Galópolis.
— A amiga que ela estava junto disse que a Cybele pegou o ônibus em Flores da Cunha e desceria às dez e meia da noite aqui em Caxias. A minha filha disse para eu não me preocupar, porque tinha um amigo que pegaria ela na rodoviária e a levaria até em casa. Ninguém sabe se ela entrou no carro realmente ou se desceu em outro ponto antes de chegar em Caxias — conta Luisa.
Cybele, assim como outras garotas da sua idade, é descrita pela mãe como uma jovem que gosta de festas e de sair, mas nunca antes havia ficado sem dar notícias sobre onde estava. Dias antes do sumiço, Luisa e Cybele, inclusive, haviam passado o Natal juntas. Segundo a mulher, a jovem estava um pouco diferente e ficou o dia todo com a filha dela, à época com dois anos. Mas nenhum traço no comportamento da jovem demonstrou que algo ruim aconteceria nos dias seguintes.
— Eu sou uma pessoa realista. Mas não acredito que ela fugiria por conta própria. Porque tudo que ela fazia era pelo bem-estar da filha. Eu queria ter minha filha de volta. Não sei se é meu coração de mãe, mas eu não acho que ela está morta. Ainda tenho muita esperança — diz.
Ao longo dos quase 24 meses do desaparecimento, a mãe recebeu inúmeras informações desencontradas sobre o paradeiro da filha, mas o que restou, de fato, foram dúvidas, angústia e sofrimento.
— No início, me ligou um rapaz dizendo que estava numa colônia no Chile, que a Cybele estava lá e estava sendo obrigada a trabalhar. Ele pediu R$ 30 mil pelo resgate. Então, eu pedi pra ele me deixar falar com ela. Mas ele dizia que a Cybele não queria falar comigo. Era tudo falso — afirma Luisa.
Apesar de tentar se manter esperançosa, a mãe planeja se mudar de cidade. A Polícia Civil não deu detalhes sobre a investigação.
— Eu já fiz tudo o que podia. Já fui em lugares perigosos à procura dela. Não sei mais o que posso fazer.
Há dois anos sem notícias de Delci
A dona de casa Nara Maria Soares Flores, 62, ainda embarga a voz ao falar. É difícil para ela lembrar os mistérios que cercam o desaparecimento do irmão, Delci Soares Flores, 55. O pedreiro foi visto pela última vez no dia 17 de junho de 2016, uma sexta-feira, depois que saiu do trabalho.
— Uns dias antes de desaparecer, ele me ligou e disse "mana, eu tô mal". Quando eu fui falar, a ligação caiu e o telefone nunca mais tocou. Demos o azar que eu não tinha passagem para ir no Serrano, onde ele morava, e o carro estava sem gasolina. Mas o Delci tinha uma coisa de ficar brincando com a família. Por isso, também não fomos muito atrás, porque achamos que se fosse sério, ele iria ligar de novo — conta a irmã.
Flores vivia sozinho em um quitinete no bairro Serrano, depois de ficar viúvo do segundo casamento. Três filhos dele moram em Passo Fundo. No último dia que foi visto, segundo Nara, ele teria saído do trabalho na Avenida Rubem Bento Alves, bairro Interlagos, passado em um mercado e comprado algumas bebidas em um bar no Serrano que costumava frequentar. O que mais causa estranheza aos familiares é que na moradia foram encontrados todos os documentos dele, indicando que saiu de casa sem levar identificação.
— Não sei se ele tinha inimizade com alguém. A gente não sabe quais eram as parcerias dele, porque ele não se abria com a família. O Delci não era de briga, ele se dava com todo mundo — diz a dona de casa.
Mesmo após mais de dois anos, a irmã ainda procura em calçadas e marquises algum vestígio sobre o paradeiro do irmão. A esperança é de que ele tenha perdido a memória e vague sem rumo entre moradores de rua.
— A polícia diz que tem a hipótese de o Delci ter se matado ou de ele ter tido um surto e estar morando na rua. Quando eu saio de ônibus, sempre olho para as pessoas. Minha esperança é que um dia eu ache ele embaixo de algum cobertor — diz a irmã do desaparecido.
Conforme o delegado Rodrigo Kegler Duarte, da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD) de Caxias do Sul, há suspeita de ocultamento voluntário, ou seja, de que ele tenha deixado a moradia por vontade própria.
"Para acalmar a dor, precisamos da concretude de um corpo", diz psicóloga
Para a psicóloga e pesquisadora Tânia Maria Cemin Wagner, o sofrimento de quem busca por uma pessoa desaparecida ocorre porque há um luto incerto. Não há uma prova concreta de que a pessoa morreu. A indicação da profissional é que os familiares e amigos busquem apoio psicológico para evitar um desfecho traumático. Confira trechos da entrevista com a especialista:
Pioneiro: Por que muitas pessoas classificam a dor do desaparecimento de alguém como pior do que a dor da morte?
Tânia Maria Cemin Wagner: A dor de estar com alguém desaparecido é diferente da dor da morte, na medida em que não há uma certeza absoluta de que podemos fazer o luto, porque não há um corpo. Para acalmar a dor, precisamos da concretude de um corpo, sinalizando a certeza de que devemos sofrer e realmente elaborar um luto.
De que forma familiares próximos podem auxiliar a confortar, sem julgar o desaparecimento?
O conforto nessa hora deve priorizar ouvir esse familiar, mais do que falar o que pensa ou sente sobre. O importante ao dar apoio é tentar deixar esse familiar organizar seus pensamentos em voz alta. Isso o ajudará a alicerçar como ele próprio pode vivenciar esse momento.
Há diferença no tratamento de alguém que busca por um desaparecido há um mês e um há 10 anos, por exemplo?
Sim. A dor possivelmente é diferente, porque quem espera há um mês ainda está muito esperançoso de poder encontrar essa pessoa desaparecida, o que não procede quando o tempo se delonga. A dor da falta é vivida de forma mais intensa, mas sem dúvida, independentemente do tempo, a incerteza deixa marcas que não possibilita uma tranquilidade quanto a elaboração de um luto.
Se fala muito também na questão da aceitação do desaparecimento. É algo que deve ser incentivado ou a esperança em ainda encontrar o familiar é importante?
É muito difícil pensar em uma única possibilidade de compreensão acerca da aceitação de um desaparecimento. O mais saudável é respeitar como esse familiar está lidando com isso e, caso se identifique que está se tornando patológico, buscar um profissional para que possa ser dado um desfecho da forma menos traumática possível.