Agosto de 2018 marca os dois anos da interdição do Instituto Penal de Caxias do Sul o que, na prática, representou a extinção do regime semiaberto na comarca. Sem qualquer fiscalização, 443 condenados aguardam em prisão domiciliar a chegada de tornozeleiras para monitoramento eletrônico.
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Diante da falta de providências por parte do governo do Estado e de uma situação limite conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), apenas 21% dos detentos em regime semiaberto de Caxias do Sul são monitorados eletronicamente, ou seja, a única medida para controle dos outros 443 apenados em prisão domiciliar é um livro-ponto que deve ser assinado uma vez por semana. O Ministério Público ajuizou, no final de maio, uma ação civil pública para que sejam providenciadas vagas para o regime semiaberto no município. A situação é descrita pela promotora Letícia Viterbo Ilges como um "faz-de-conta".
— Esta é a pergunta: qual é a fiscalização? Irem lá (no Instituto Penal) uma vez por semana e assinar um livro? Depois, voltam para casa. É uma situação que não condiz com a situação de preso — critica a promotora.
A ação do MP tramita na 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública. O prazo de intimação do Estado já foi cumprido e é aguardada uma decisão liminar do Judiciário. Letícia admite que uma ação deste porte não é ideal, pois leva anos e pode gerar multa — que seria paga pela própria sociedade. Porém, a promotora salienta que não restou outra alternativa. A última tentativa de conversa com o Estado, simplesmente, não foi respondida.
— É uma situação muito grave e não há mais o que esperar. Não adianta os colegas (promotores) e todas as instâncias policiais trabalharem por uma condenação. Não são apenas autores de delitos pouco graves que cumprem pena no semiaberto. Para um homicídio simples, uma pessoa que matou outra, a pena (mínima) é seis anos e, assim, ele irá para casa sem monitoramento? É uma resposta (ao crime) igual a zero — analisa a representante do MP.
Ela cita o roubo a mão armada, um dos delitos mais temidos pela população, como outro exemplo desse descontrole.
— A pena (mínima) é quatro anos, então é (direto para regime) semiaberto. São crimes graves. Como está, o crime acaba compensando — compara.
O que o MP requer
:: Pedido liminar, com prazo de 360 dias, para que o Estado adote todas as providências administrativas e legais necessárias para a criação de vagas suficientes ao cumprimento do regime semiaberto no município.
:: Prazo de 18 meses para que sejam adotadas as providências legais e orçamentárias para a implementação das novas vagas sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
Os números
Dos 813 apenados ligados ao desativado Instituto Penal:
:: 443 são do regime semiaberto, estão em prisão domiciliar e aguardam por tornozeleiras.
:: 116 são do regime semiaberto e estão sendo monitorados eletronicamente.
:: 248 são do em regime aberto e estão em prisão domiciliar (sem tornozeleira).
:: 6 estão em prisão domiciliar especial.
"O preso acha pesado demais, e o cidadão comum, moleza demais"
Também conhecido como albergue prisional, o Instituto Penal foi interditado no dia 5 de agosto de 2016. A decisão foi baseada na falta de agentes penitenciários e no ambiente hostil gerado pela fiscalização ineficiente. Em alguns turnos, conforme a decisão, haviam apenas dois servidores para atender a mais de 120 detentos.
Com a equipe reduzida incapaz de evitar fugas e entradas clandestinas, acreditava-se que o albergue estava servindo de álibi para apenados cometerem novos crimes, principalmente na vizinhança do bairro Sagrada Família. Quando reconhecidos em investigações policiais, os abrigados argumentavam ter respondido às contagens pela noite e pela manhã e que, portanto, tinham passado a madrugada recolhidos no albergue.
A falta de controle também era vista em delitos praticados nos próprios alojamentos. Sem divisões para apenados de grupos rivais, agressões e ameaças eram comuns. O entendimento da juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, da Vara de Execuções Criminais (VEC), era que, mesmo aqueles detentos que queriam mudar de vida, acabavam sucumbindo ao serem confinados naquele ambiente.
— Uma decisão de interdição sempre vai ser negativa, pois admite que alguma coisa não está funcionando como teoricamente deveria. Sempre nos pautamos na necessidade da decisão. Na época, tínhamos um albergue com condições inadmissíveis de cumprimento de pena. Ainda considero que esta situação (apenado em prisão domiciliar) é muito menos ruim que manter um albergue com todos aqueles fuzuês — defende Milene.
A juíza ressalta que, na época da decisão, a maioria dos apenados já cumpria pena sem a devida fiscalização, pois o albergue tinha capacidade para apenas 120 detentos e existiam mais de 250 condenados em regime semiaberto. A interdição, portanto, teria apenas escancarado o problema e obrigado os envolvidos a discutirem alternativas, como a ampliação do monitoramento eletrônico.
— Esta substituição tem vantagens tanto para a sociedade, pois é um cumprimento rigoroso (da pena) e mais barato, como para o preso, pois este é recolhido em sua casa e, comprovadamente, separado dos demais, o que permite uma margem de ressocialização — defende a titular da VEC.
Sobre as reclamações de impunidade que surgem nas redes sociais, a magistrada aponta que os próprios presos consideram que o monitoramento eletrônico é mais "oneroso" do que o recolhimento no albergue. Segundo a juíza, a VEC recebe uma romaria de "desesperados" quando chega um novo lote de tornozeleiras:
— Em parte, (as críticas) são pelo desconhecimento de quão difícil é o cumprimento de pena com uso de tornozeleira. Também não compreendem o quanto era pernicioso aquele regime semiaberto do jeito que estava. O preso acha pesado demais (o uso de tornozeleira), e o cidadão comum, moleza demais. Então, o juiz leva chumbo de tudo que é lado — afirma Milene.