Neste ano, Mateus Souza de Souza, 33, foi o primeiro a tombar em um típico caso de execução premeditada em São Marcos. Os criminosos invadiram a casa dele, no bairro Francisco Doncatto, e dispararam 10 vezes. A mulher e um filho dele, um bebê de dois anos, estavam na moradia e foram poupados. Souza estava marcado, devia dinheiro aos traficantes e temia pela própria vida. Empobrecido, não conseguiu dar a volta e foi sentenciado à morte.
A Polícia Civil descobriu que um dos autores do assassinato era um morador de Caxias do Sul. Vanderlei Pereira Machado, o Perneta, 48, com vasta ficha criminal, incluindo tráfico de drogas, havia cumprido o pacto criminoso de eliminar Souza na companhia de um comparsa. Pouco mais de dois meses após a morte, três homens tripulando um carro roubado na Região Metropolitana acharam Perneta em uma oficina mecânica no bairro Charqueadas, em Caxias. Acuado em um canto da oficina, ele não teve chances de escapar e foi fuzilado diante de testemunhas horrorizadas. Como em um jogo de xadrez, a morte do homem em Caxias movimentou novamente o tráfico em São Marcos.
Leia mais
Famílias expulsas pelo tráfico escancaram a influência do tráfico de drogas em Garibaldi
A vingança do tráfico: homem queimado vivo, mulher esfaqueada várias vezes para sofrer
Violência em Caxias do Sul e Bento Gonçalves impactam em cidades vizinhas
A execução trouxe a São Marcos um novo personagem com o perfil dos expoentes das quadrilhas de tráfico: um adolescente de 17 anos, sem passagens na polícia. Com o assassinato de Perneta, a quadrilha perdeu um representante de confiança na cidade e encarregou a chefia dos pontos de venda em São Marcos ao jovem. Com endereço na zona leste de Caxias do Sul, o adolescente se mudou em abril para a cidade vizinha e escolheu um ponto já conhecido de usuários de drogas na cidade. Era a casa de Juliano Marcelo Daros, 41. Em parceria, a dupla acelerou as vendas para o bando, segundo apurou a investigação da Polícia Civil.
Na madrugada de 25 de abril, o adolescente sacou uma arma e atirou na cabeça de Daros.
— O Daros era alguém que não incomodava a gente. Tinha o negócio dele, dava junção de gente, mas era na dele — conta um vizinho.
Com a execução de Daros, o ponto do Francisco Doncatto ficou em evidência demais e assustou a clientela. O adolescente, então, transferiu o negócio da quadrilha para outro bairro.
— Do nada, surge esse guri. A partir daí, ele começou a traficar valendo. Em seguida, montou mais um ponto em outro bairro — revela o delegado Edinei Albarello.
A investigação da Polícia Civil chegou até o adolescente em junho, durante uma operação que prendeu outras seis pessoas de dois bandos diferentes, mas sem rivalidade. Na delegacia, o depoimento do adolescente surpreendeu. Ele nunca teve passagens na polícia ou atendimento em órgãos como o Conselho Tutelar, segundo apurou a reportagem. Apesar de ter assumido a morte de Daros, o motivo nunca ficou plenamente esclarecido.
A única certeza é de que o adolescente era comandado por um traficante recolhido na penitenciária do Apanhador e estava na cidade para substituir Perneta. O rapaz está recolhido no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), em Caxias.
— Ele não se manifestou sobre o caso, apenas assumiu que matou — contou o promotor de Justiça Evandro Lobato Kaltbach.
Para o promotor, a diferença de aliciar um menor é a responsabilidade penal. No caso, um adolescente terá a punição mais branda, o que significa um dano menor para uma facção. Com o adolescente executando o crime, foi atingido o objetivo sem que a estrutura da quadrilha fosse abalada.