A pandemia de coronavírus se tornou mais um fator no impasse entre a fiscalização e os ambulantes que ocupam as calçadas da área central de Caxias do Sul, principalmente na Avenida Júlio de Castilhos. Em meados de julho, a prefeitura reforçou as ações e recolhimentos de mercadorias irregulares para evitar aglomerações nas ruas. Por outro lado, os imigrantes não conseguem colocação no mercado formal e recorrem às vendas para sustentar suas famílias. Esse jogo de "gato e rato" prossegue diariamente.
A Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) relata já ter apreendido 3.935 mercadorias irregulares neste ano. As ações foram intensificadas nas últimas semanas com a bandeira vermelha, que restringiu a abertura do comércio não essencial. Mesmo com a redução no risco de contágio do coronavírus, conforme o modelo de Distanciamento Controlado do governo estadual, a prefeitura afirma que irá manter as ações no Centro.
As fiscalizações, contudo, não têm reduzido o número de vendedores informais. Na semana passada, mesmo nos dias de chuva, era possível contar 35 ambulantes na Júlio de Castilhos. Na manhã de ontem, eram 56 ambulantes na principal via comercial do Centro. A maior aglomeração acontecia entre na quadra entre as ruas Visconde de Pelotas e Garibaldi, onde 16 ambulantes compartilhavam o espaço público.
— Temos pouquíssimos fiscais e não temos a Guarda (Municipal) disponível o tempo inteiro. Qualquer abordagem deste tipo tem um risco e precisamos resguardar a segurança do servidores. Por isso, não fazemos sem a presença de um órgão de segurança. É um jogo ingrato. Fazemos a desocupação e uma hora depois retorna — aponta o diretor de Operações da Fiscalização, Rodrigo Lazarotto.
A maioria dos ambulantes são imigrantes, principalmente senegaleses. O problema é falta de opções, de acordo com Pape Boye, um dos representantes dos vendedores informais. Ele aponta que todos gostariam de estar inseridos no mercado de trabalho, o que não ocorre. Com a crise do coronavírus, aumentou o número de senegaleses desempregados que precisam recorrer às vendas nas ruas.
— As pessoas já não estavam andando nas ruas, então não tinha vendas. Agora, aumentou a fiscalização. Está difícil. Só que não temos como ficar em casa sem fazer nada. Não pode faltar comida, água ou pagar a aluguel.
MERCADORIAS RECOLHIDAS
O que a fiscalização já retirou das ruas neste ano:
:: 32 rádios portáteis
:: 45 fones de ouvido
:: 57 carregadores de celular
:: 36 caixas de som (mini)
:: 300 cintos de couro
:: 227 carteiras de couro
:: 112 frascos de perfume
:: 1.207 meias
:: 315 moletons
:: 221 abrigos de moletom
:: 527 toucas
:: 225 bonés
:: 317 anéis
:: 201 bijuterias
:: 113 relógios
Pandemia abalou solução pacífica que estava sendo construída
As quase 4 mil mercadorias apreendidas de ambulantes são consideradas um número baixo pela própria prefeitura. A explicação é que, no início do ano, estava se construindo uma solução pacífica. O Centro de Informação ao Imigrante seria o responsável por receber os ambulantes, oferecer cursos técnicos e auxiliar na colocação do mercado de trabalho. Em troca, as principais vias deveriam ser desocupadas gradualmente.
A iniciativa estava sendo construída pelas secretarias de Urbanismo e de Segurança Pública, com apoio da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e do Sindilojas, em conversas contínuas com representantes dos ambulantes. Desde março, 49 imigrantes de quatro países diferentes foram atendidos. Infelizmente, a crise do coronavírus reduziu a capacidade de atendimento do Centro e, até o momento, nenhum imigrante conseguiu um emprego formal por meio do serviço.
— Era um projeto construído a várias mãos e estava funcionando de maneira pacífica, com algumas quadras sendo liberadas por eles. Só que a pandemia passou por cima de tudo. Se tivéssemos conseguido colocar em prática seria um exemplo para o todo o Brasil — lamenta Lazarotto.
O secretário municipal de Segurança Pública, Hernest Larrat dos Santos, o Júnior, afirma que prefeitura continua prestando apoio aos ambulantes. Diante das restrições contra o coronavírus, o Centro de Informação ao Imigrante atende por agendamento pelo telefone (54) 3218-6000 no ramal 6418. Os atendimentos podem ser marcados para as tardes de terças e quintas-feiras, das 13h30min às 15h30min.
— O principal foco é dar oportunidade e aproximação a essas pessoas que trabalham com mercadorias ambulantes no centro da cidade para que venham, façam um cadastro, em parceria com a Fundação Gaúcha, o Sebrae e outros órgãos. Assim, possamos dar um encaminhamento a essas pessoas no mercado formal. Há um número expressivo de atendimentos, mas, infelizmente, com a pandemia, as coisas ficaram um pouco mais difícil.
Para Pape Boye, a iniciativa foi bem recebida pelos senegaleses. Ele ressalta que os imigrantes, que também ajudam suas famílias em seu país natal, não podem ficar apenas esperando por uma oportunidade.
— Estamos sofrendo igual todo mundo. Não está fácil para ninguém. A prefeitura tentou ajudar a gente, mas chegou a pandemia e estragou tudo. Não contrataram ninguém, por enquanto. Todos estão querendo trabalhar e estamos aguardando, mas não tem como esperar dentro de casa. Estamos precisando de ajuda — salienta.
O representante dos senegaleses afirma que as vendas nas ruas também não são o ideal para os ambulantes. A intenção era ter um local adequado, mas os custos são impeditivos. Em 2017, a prefeitura chegou a discutir a criação de uma chamada Feira sem Fronteiras, mas o projeto não teve andamento. A atual administração não cogita ceder um espaço para os vendedores informais.
— A ajuda que esperamos da prefeitura é abrir um lugar, um espaço para a gente ficar vendendo produto legalmente. Este é o apoio que esperamos — sonha Boye.
CENTRO DE INFORMAÇÃO AO IMIGRANTE
Funcionando junto à Coordenadoria de Igualdade Racial e a Secretaria de Segurança Pública, o Centro de Informação ao Imigrante realizou 49 atendimentos em 2020. O telefone para contato é o (54) 3218-6000 no ramal 6418.
Por nacionalidade
Haiti: 20 pessoas
Senegal: 15 pessoas
Venezuela: 13 pessoas
Paraguai: 1 pessoa
Por sexo
Masculino: 37 pessoas
Feminino: 12 pessoas