O pacato município de Antônio Prado, na Serra gaúcha, preserva um dos mais importantes testemunhos do legado cultural da imigração italiana. Ao chegar à cidade, a 50 quilômetros de Caxias do Sul, os visitantes se deparam com 48 casas centenárias construídas no final do século 19 e início do século 20,que guardam e retratam a história dos imigrantes.
Dessas, 46 são particulares. Para garantir que o centro histórico fosse preservado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) oficializou o tombamento, em 1990. O ato gerou muitos conflitos e até um movimento contra o tombamento. Vários moradores não concordam até hoje. Com a redução de recursos por parte do governo, muitos proprietários são obrigados a fazer a manutenção das construções por conta própria seguindo as rigorosas normas impostas pela lei.
Poucos comemoram os 30 anos de tombamento. Também não há programação especial para festejar o ato.
– Já tiramos muito dinheiro do bolso e o imóvel só desvalorizou – diz um casal de proprietários.
O livro Identidade e Memória (2004), do pesquisador Fernando Roveda também cita a insatisfação de vários donos (informações verbais). “O tombamento foi feito de forma arbitrária de cima para baixo, sem consulta nenhuma”, disse Flávio Citton, na época. "Não esperávamos, nunca fomos consultados, quando recebemos o aviso, a casa já estava tombada", reclamou Ivone Rotta.
O complexo histórico, que envolve imóveis de alvenaria e madeira e todo o entorno da área central, rendeu a Antônio Prado o título da cidade mais italiana do Brasil. O valor cultural é inegável. Milhares de visitantes sobem à Serra todos os anos para vivenciar as experiências dos imigrantes italianos, seja por meio do legado histórico ou pelo artesanato e cenários naturais.
– É a identidade do nosso município. Uma herança que vamos deixar para as futuras gerações – orgulha-se o restaurador Darci João Tandello.
A proteção imposta pelo governo federal rendeu várias teses de doutorados e livros. Roveda explica que o isolamento do município permitiu a preservação. Mestre em Turismo, ele lembra que,na época (1970/80), os moradores e políticos não estavam preocupados com o patrimônio cultural e sim com a construção da estrada que ligaria novamente Antônio Prado a Caxias do Sul e Vacaria.
– Queríamos estradas de acesso. Não conseguíamos estudar em Caxias porque demorava três horas e meia para chegar. As articulações políticas fizeram com que a construção da BR-116 e da ponte sobre o Rio das Antas acabassem sendo construídas distante da cidade. Por conta disso, Antônio Prado deixou de ser ponto estratégico de comunicação entre Porto Alegre e os Campos de Cima da Serra.
– Na década de 1930, era conhecida como a terra dos burros cansados, pois os viajantes paravam na cidade para descansar os animais. Contava com 17 casas comerciais e seis agências bancárias – lembra Roveda.
O freio no desenvolvimento econômico contou a favor da preservação e tornou a cidade um museu vivo da preservação. Prejuízos à parte, não tem como negar que o tombamento garantiu conhecimento para as futuras gerações. Resta saber se a conta só será paga pelos donos da casa.
"Sequer fomos consultados. Foi um susto"
O casal Wlademir Jacob Colossi, 86 anos e Maria Ercília Grazzionti Colossi, 72, mora em uma das casas com localização privilegiada, próximo à igreja. Construída há mais de 100 anos, a família já desembolsou muito dinheiro para atender às regras de preservação do Iphan.
– Não lembro quanto,mas foi muito. Recentemente precisamos trocar toda a fiação elétrica e os extintores.Foi uma luta conseguir o PPCI dos bombeiros – conta Maria Ercília, que herdou a casa dos pais.
A pintura também foi paga pela família. Além disso, o valor do imóvel caiu muito no mercado.
– Ninguém quer comprar uma casa sem conforto e com tantas limitações na reforma – diz Colossi.
Ele calcula que o terreno poderia valer até R$ 3 milhões,se o imóvel não fosse tombado.
– Hoje, vale menos de R$ 1 milhão. Outra reclamação é a falta de conforto. Eles gostariam de instalar um elevador, por conta da idade, mas não podem. Tentaram alterar as janelas, mas não pode.
– Nada pode. Precisamos subir uma escada para chegar aos dormitórios. Imagina ter que manter 22 peças? – lamenta Maria Ercília.
O casal ressalta que não é contra o tombamento, mas sim contra a forma como foi feito:
– Sequer fomos consultados. Foi uma surpresa,um susto.
Gosto de ter um imóvel que tenha história
"Gosto de ter um imóvel que tenha história"
Enquanto uns reclamam, outros lutam para preservar o centro histórico de Antônio Prado. A bancária Michele Panisson mora em São Paulo, mas nasceu no interior do município. Por isso tem uma forte ligação com a cidade e pretende voltar a morar por lá. Decidiu comprar um dos imóveis (tombado) e está com o projeto de restauração em andamento.
— Gosto da ideia de ter uma casa que tenha história e que posso passar para as futuras gerações — conta Michele.
O projeto será arcado pela proprietária. Segundo dados de outras casas já restauradas do centro histórico da cidade, o valor pode passar de R$ 600 mil.
Michele garante que o Iphan está acompanhando o trabalho e que está dando todo o suporte necessário.
— Sei que é um trabalho minucioso, que exige materiais específicos e mão de obra especializada. Quero fazer tudo dentro dos critérios do Iphan e ele está nos ajudando muito.
O início das obras está previsto para o final deste ano.