O valor da dívida das operadoras de saúde da Serra com o Sistema Único de Saúde (SUS) chegou a R$ 17,6 milhões em setembro. Os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor, referem-se a atendimentos de beneficiários dos planos no SUS. A Lei 9.656 de 1998 prevê que as operadoras devem ressarcir o SUS quando um paciente com plano de saúde for atendido pelo sistema público, conforme o custo dos procedimentos realizados.
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Uma busca pelos dados da ANS revelou cinco operadoras ativas com sede na região nordeste do Rio Grande do Sul — correspondente à atual Região Metropolitana da Serra — que devem valores ao SUS: em Caxias do Sul, estão o Círculo Saúde, a Caixa de Assistência Sistema Saúde Integral (SSI Saúde), a Unimed Nordeste e o Fátima Saúde. Em Bento Gonçalves, o Plano de Saúde Tacchimed.
No total, a ANS cobrou R$ 28,7 milhões por atendimentos de beneficiários destes convênios realizados pelo SUS. R$ 1,9 milhão foi pago e R$ 9,3 milhões foram parcelados pelas empresas. Os R$ 17,6 milhões restantes, ou 63,3% da dívida, ainda não foi quitada. O valor não pago pelos planos de saúde da Serra daria, por exemplo, para manter a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte por mais de nove meses. Ou, ainda, para concluir a ala materno-infantil do Hospital Geral e ainda quitar o déficit da instituição previsto para o fim do ano, com sobra de R$ 4,1 milhões.
Os valores arrecadados são repassados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), gestor financeiro dos recursos do SUS. A Unimed é responsável pela maior parcela do montante devido pelos planos da Serra: a empresa quitou somente 6,86% da dívida até setembro e deve R$ 14,3 milhões à ANS.
O Pioneiro questionou a operadora sobre os valores. Por meio a assessoria de imprensa, a Unimed informou que utiliza os meios administrativos legais para impugnar ou recorrer dos atendimentos realizados no SUS. A empresa questiona a cobrança nos casos em que o beneficiário não teria a cobertura pelo plano de saúde, ou quando, por algum motivo, entende que a cobrança não procede. Quando não consegue a reversão no âmbito administrativo, os atendimentos são questionados na esfera judicial, aponta a operadora.
A empresa ainda diz não ter nenhum valor em aberto relativo ao ressarcimento ao SUS. Isso ocorre porque, segundo a Unimed, os valores apontados são objeto de discussão judicial e encontram-se depositados judicialmente. Isso justificaria o baixo índice de efetivo pagamento mostrado nos dados da ANS.
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou duas ações decidindo que o mecanismo de ressarcimento ao SUS é constitucional. A partir da decisão, a ANS espera que os valores retidos em depósito judicial sejam liberados gradualmente e que as arrecadações sejam mais altas nos próximos anos, já que o objeto da constitucionalidade não pode mais ser questionado pelas operadoras de planos de saúde.
Desde 2000, ano em que foi criada, a agência cobrou das operadoras de planos de saúde R$ 3,74 bilhões, referentes a cerca de 2,4 milhões de atendimentos a beneficiários no sistema público de saúde. O Fundo Nacional de Saúde já foi ressarcido em R$ 2,43 bilhões, ou em 64,97% do que foi efetivamente cobrado das operadoras.
Em Bento, 90% quitado
O Tacchimed, de Bento Gonçalves, está no outro oposto, com cerca de 90% do R$ 1,4 milhão cobrado pela ANS já quitado ou parcelado. Luís César de Moura diretor da operadora, considera a cobrança justa.
— A gente não pode impedir o beneficiário de procurar o SUS, especialmente numa cidade como Bento, que tem uma rede bem organizada. E o SUS no cobra o dobro da tabela, o que entendemos como uma forma de não estimular as operadoras a empurrar seus beneficiários para o sistema público.
Ainda assim, ele aponta que é necessário verificar as cobranças da agência, devido a possíveis inconsistências. Geralmente, o questionamento é acatado pela ANS, conforme o diretor. Ele acredita que a maior parte dos atendimentos de beneficiários do plano no SUS ocorra em outras cidades da Serra, uma vez que são atendidos 27 municípios pela operadora.
— Como o plano tem serviços próprios, como o Hospital Tacchini, temos uma segurança do atendimento prestado, com controle de custos, diferente de uma operadora que não tenha hospital, que tem que comprar de terceiros — pondera.
CONTRAPONTOS
:: Por meio de nota, o Fátima Saúde informou que "não obstante a existência de uma manifestação judicial no sentido de devido o reembolso (...), algumas controvérsias ainda estão presentes. E, poderão ser objeto de futuras discussões judiciais". A operadora também explicou como funciona o processo de cobrança e que os valores divulgados pelo Pioneiro "se referem a uma parcela dos ressarcimentos requeridos e realizados, com constantes modificações. A Operadora Pro Salute (razão social do Fátima) examina minuciosamente os valores requeridos em reembolso, até em defesa da coletividade de usuários, e busca o reembolso correto. O pagamento é realizado após esse processo de certificação. A orientação aos beneficiários do plano assistencial é de que procurem a rede credenciada."
:: Conforme Rosemary Pistorello, gerente executiva do SSI Saúde, a operadora está com todos os pagamentos em dia junto à ANS. Ela diz que o valor em aberto refere-se a cobranças que estão em análise e explica que, quando recebe o Aviso de Beneficiário Identificado (ABI) da agência, a operadora tem prazo de 30 dias para impugnar a cobrança, nos casos não previstos pela Lei 9.656 de 1998. Após esse processo, a empresa recebe a guia de pagamento.
:: O Círculo Saúde informou que não teria tempo hábil para responder à reportagem.
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