A manifestação nas redes sociais de um conselheiro tutelar sobre a legalização da maconha repercute em Bento Gonçalves. Policial militar reformado, Leonides Lavinicki compartilhou uma notícia sobre a mudança na legislação do Canadá, que permitiu o uso recreativo da erva por adultos e postou que apoiava a ideia. Procurado, o Ministério Público (MP) afirma que irá analisar a atitude do conselheiro, mas adianta que, inicialmente, não percebe qualquer irregularidade.
Sobre a repercussão do fato, Lavinicki diz que foi mal-interpretado e que a bandeira que defendeu foi sobre o debate em busca de soluções diante da drogadição no Brasil. Para ele, são os entorpecentes que impulsionam os 60 mil homicídios por ano e a superpopulação carcerária.
— São mães e pais que choram aqui no Conselho Tutelar pedindo por solução, mas não a temos. Não podemos pedir uma internação compulsória, pois não é nossa competência. Se a Defensoria Pública fizer, porém, não há leitos (para menores de idade no município) e é outro drama. Precisamos começar a buscar caminhos, e o tratamento é muito importante. São pais relatando que seus filhos de 13 anos estão prometidos de morte por dívidas de drogas. As pessoas não estão vendo? O conservadorismo nos proíbe de debater? — questiona.
O conselheiro tutelar, eleito com 575 votos em 2015, aponta que não há uma estatística sobre quantos jovens consomem drogas na cidade. No acompanhamento que ele faz sobre a infrequência escolar, contudo, haveria mais de 30 fichas de alunos com problemas com entorpecentes.
— E há aqueles que nem estão mais matriculados. Se for verificado, 90% não recebem um tratamento, uma internação — aponta.
Procurado pela reportagem, o promotor da Infância e Juventude Élcio Resmini Meneses afirma não perceber, por enquanto, nenhuma ilegalidade:
— Pessoalmente, pode ter uma opinião. Mas, como se identifica como conselheiro tutelar (na postagem), é preciso olhar se há uma vinculação que extrapole sua questão funcional.
Conforme o promotor, a legislação de Bento Gonçalves prevê uma corregedoria do Conselho Tutelar, que teria a função administrativa de analisar se a conduta do servidor é imprópria ou não.
A POSTAGEM
Às 17h35min de quarta-feira (17), o conselheiro tutelar Leonides Lavinicki compartilhou uma notícia sobre a legalização da maconha para uso recreativo no Canadá. Até as 18h25min desta quinta-feira, a publicação possuía 67 reações, seis comentários e quatro compartilhamentos. Na rede de amigos de Lavinicki, não houve repercussão ou ofensas. O conselheiro tutelar, contudo, relata que recebeu diversas manifestações negativas, principalmente de ex-colegas e de pessoas desvirtuando sua manifestação.
"É preciso levantar a bandeira de tratar estas pessoas"
Por telefone, Leonides Lavinicki conversou com o Pioneiro e lamentou que sua manifestação tenha sido mal-interpretada. O conselheiro tutelar acredita que o momento nervoso das eleições resultou na polêmica e prejudicou o debate sobre o exemplo do Canadá. Confira os principais trechos da entrevista:
Pioneiro: Como o senhor vê a polêmica sobre a sua postagem?
Leonides Lavinicki: Me manifestei a favor sobre a situação do Canadá. Temos de levantar esta bandeira, por que não? Sei que já tem muita gente dizendo que sou a favor que criança e adolescente usando maconha, o que não é verdade. (A manifestação) não foi nesse sentido. Acredito que precisamos colocar em debate uma legalização e, principalmente, o tratamento. Acredito que cada um precisa que ter uma opinião. No momento que vivemos, o sistema de segurança não dá conta da demanda do tráfico. Não estou criticando os colegas (da BM) que se esforçam muito no combate e fazem um ótimo trabalho. Mas há várias famílias e crianças prejudicadas pelo consumo e precisamos ver o que está faltando.
Qual foi a sua intenção?
Que precisamos falar sobre a drogadição. Sou a favor de levantar esta bandeira. O Canadá é um país rico e conservador, semelhante de muitas formas com a nossa cidade e região, mas temos medo de debater por aqui. Se o Brasil e Rio Grande do Sul querem reagir (à crise da droga), é preciso levantar a bandeira de tratar estas pessoas. Não podemos jogar estes jovens para a ilegalidade. Se vão para drogas, o caminho é o crime, a cadeia ou uma clínica. Só que para adolescentes não há leito para este tratamento, pois é prejuízo (para o Poder Público). O Hospital Tacchini (em Bento Gonçalves), por exemplo, tem uma ala de psiquiatria para tratamento de álcool e drogas para adultos, mas não tem leitos para crianças e adolescentes. Precisamos entrar na Justiça para conseguir um tratamento (com internação). Pessoas entenderam que estou liberando a maconha, mas não é isso.
O senhor é a favor da legalização da maconha?
Para achar que a legalização é uma solução, primeiro é preciso do debate. Esta bandeira que levanto. Legalizar sem discutir também não resolve. Não podemos ser radicais. Por que está morrendo tanta gente (em homicídios) e temos tantas prisões? É por causa da droga. O Poder Público está inerte diante desta epidemia. Defendo que consumidores estejam em uma clínica, inclusive adolescentes. Esta bandeira temos que levantar e discutir. Aqueles que já estão na droga não conseguem tratamento porque o Estado não dá, falta leito. Municípios estão discutindo seus orçamentos e precisam debater isso.
O senhor recebeu críticas?
Até alguma ofensas, mas não dou muita atenção. Jamais vou defender o consumo de drogas para menores. Não cogito nem pós legalização, caso ocorra. Nunca apoiaria liberar maconha para menores de idade, acho que teria de, no mínimo, ser (um limite) de 21 anos. Estão aumentando e inventando histórias (sobre a publicação). O debate é muito amplo, mas temos que discutir como ajudar estas famílias.